UFSC é referência em pesquisa na área de super ímãs de terras raras

29/08/2017 10:50

O Brasil está dando os primeiros passos na corrida com a China na produção de super ímãs de terras raras. Os ímãs, utilizados na construção de turbinas eólicas, motores e equipamentos eletrônicos, têm mais de 90% de sua fabricação concentrada no país oriental. Os brasileiros esperam alterar este cenário nas próximas décadas com a construção do primeiro laboratório-fábrica de super ímãs, que será instalado na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Inicialmente o laboratório vai extrair cerca de 10 toneladas anuais de terras raras, e será voltado principalmente para a pesquisa. Em 10 anos a expectativa é de que possa trabalhar com sua capacidade máxima e produza 100 toneladas anuais.

O Grupo de Materiais Magnéticos (Magma) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem um papel imprescindível para que o laboratório possa funcionar, pois é no Magma que as pesquisas relacionadas à produção dos ímãs estão sendo realizadas. O Grupo trabalha em parceria com a Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (Certi) no desenvolvimento do laboratório. As pesquisas realizadas pelo Magma buscam criar uma tecnologia que garanta um ímã com um alto nível de conservação e durabilidade, pois os minerais que o compõem sofrem oxidação rapidamente.

Amostra de óxido de neodímio. Foto Henrique Almeida/Agecom/UFSC

As terras raras são um conjunto de 17 minerais que tem propriedades químicas semelhantes. Dois dos minerais mais abundantes desse conjunto são a monazita e bastnasita, que têm em suas composições, principalmente, o neodímio e praseodímio. Estes dois metais servem de matéria-prima para os super ímãs, mas precisam passar por um processo de separação de outros componentes dos minerais após a extração das terras raras. O objetivo é chegar a um metal totalmente puro que vai dar origem a uma liga metálica. Pedro Nunes Junior, mestrando do Programa de Pós Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais (PGMAT), destaca que o Grupo ainda utiliza material importado, pois apesar de o Brasil deter uma grande reserva desses minerais nos estados de Goiás, Minas Gerais e Pará, ainda não possui o mercado e tecnologia necessários para extraí-los em larga escala.

O trabalho do Magma começa com liga metálica pronta. Ela chega ao laboratório no formato de tiras e deve ser mantida dentro de uma câmara anaeróbica para evitar a oxidação. O procedimento consiste em processar o metal até transformá-lo em pó. A primeira etapa do processamento é a decrepitação por hidrogênio, que fraciona a liga para facilitar a moagem do material posteriormente. O hidrogênio é inserido nos espaços entre as moléculas da liga fazendo o material expandir e fragmentar.

Frederico Orlandini Keller, mestrando do PGMAT, explica que “a liga poderia passar apenas pela moagem em vez de passar por um processo de decrepitação, mas assim levaria cerca de 50 horas. Com a decrepitação o tempo reduz para uma hora”. Depois disso, fica novamente armazenado na câmara anaeróbica para evitar a sua combustão, pois é extremamente pirofórico (que se inflama espontaneamente). O próximo passo é colocar o resultado da decrepitação em um vaso de moagem com esferas de metal para reduzir ao máximo o tamanho do grão.

Estudantes manuseando materiais armazenados na câmara anaeróbica. Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

Antes do ímã começar a tomar sua forma final, o pó de metal passa por um alinhamento de partículas em um equipamento chamado de magnetizador de pulso, para que todas fiquem “apontadas” para a mesma direção. Essa é uma forma de garantir que o ímã tenha maior poder de coercividade ao chegar ao fim do processo. Coercividade pode ser explicada como a “resistência” do ímã à desmagnetização. Com as partículas já alinhadas o material é compactado por prensagem isostática — recebe pressão uniforme de todos os lados — em um molde de plástico. Tudo isso é realizado em atmosfera inerte.

Após a prensagem o ímã já começa a adquirir forma. Os moldes de plástico são abertos dentro da câmara anaeróbica e colocados dentro de um tubo de metal, chamado de retorta, para passar por um processamento térmico no forno sob alto vácuo. Esse processo chama-se sinterização e consiste em manter o material aquecido por cerca de quatro horas a uma temperatura que pode variar entre 1000° e 1100°C. Isso vai tornar o material mais denso e reduzir os poros criados no processo de metalurgia do pó.

Mestrando do PGMAT, Pedro Nunes, faz o processo de caracterização das propriedades do ímã. Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

A partir daí as amostras partem para a caracterização das propriedades do ímã — densidade e magnetização. É preciso medir o quanto o material densificou durante o processo, antes de caracterizar as suas propriedades magnéticas. Durante a sinterização o ímã ultrapassa a temperatura de transição magnética e perde suas propriedades. Por isso ele passa novamente pelo magnetizador de pulso. O primeiro pulso aplicado serve apenas para alinhar as partículas e o segundo é o que vai dar devolver as suas características.

O ímã pode passar ainda por um tratamento térmico pós-sinterização que altera sua microestrutura e aumenta a resistência à desmagnetização. Isso acontece devido à distribuição dos grãos neodímio no ímã, quanto mais desacoplados eles estiverem mais a desmagnetização de um grão vai estar independente de outro.

Existem algumas condições que podem levar à desmagnetização do ímã após esse tratamento, como o aumento da temperatura de trabalho, pois ao enfrentar altas temperaturas as propriedades de coercividade e remanência — modo de quantificar o quanto o ímã pode atrair algo — são afetadas. Uma alternativa para esse problema é o uso do disprósio, que também é um metal de terra rara e ao ser usado na fabricação do ímã pode aumentar a temperatura de trabalho. Existe também o problema da oxidação do material durante o uso, para isso existe um recobrimento feito de pintura epóxi, um polímero, que protege o ímã das ações do ambiente e o torna mais durável.

O Magma

Em 1987, sob a coordenação do professor Aloísio Nelmo Klein se iniciaram os estudos na área de materiais magnéticos da UFSC. O Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica foi pioneiro nos trabalhos sobre síntese e processamento dos recém lançados ímãs de terras raras. As pesquisas da época contaram com o apoio da empresa WEG Motores S.A., de programas de apoio financiados junto ao CNPq. Além do suporte do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que tinha o domínio de tecnologia de extração e separação de óxidos de terras raras, “ingredientes” essenciais para a fabricação dos ímãs.

Os avanços na área mostraram a necessidade de criar uma interdisciplinaridade, em especial com pesquisadores da área de física do estado sólido. Assim os professores Abio Valeriano de Andrade Pinto e Ted Ray Taylor se juntaram ao projeto para criar o grupo de materiais magnéticos do Laboratório Associados de Materiais (Labmat). Essa iniciativa permitiu ao grupo consolidar a estrutura de caracterização de ímãs, por meio da aquisição de um magnetômetro de amostra vibrante (VSM).

Em 1999, o professor Paulo Wendhausen ingressou como professor adjunto no Departamento de Engenharia Mecânica e se associou também ao Labmat. Wendhausen se tornou responsável pelas atividades envolvendo o desenvolvimento e caracterização de materiais magnéticos fabricados a partir de pó.

A partir daí diversos projetos foram iniciados na área de metalurgia do pó que fortaleceram a infraestrutura de processamento e caracterização de materiais magnéticos. Neste contexto, em 2008, foi criado Grupo de Materiais Magnéticos (Magma) da UFSC.

Giovanna Olivo/Estagiária de Jornalismo/Agecom/UFSC

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