Painel no Hospital Universitário discute o desaparecimento de crianças
O “I Painel de Debates sobre Crianças Desaparecidas” ocorreu no auditório do Hospital Universitário (HU) na manhã de quinta-feira, 25 de maio, data que celebra o Dia Internacional da Criança Desaparecida. Em Santa Catarina, quatro crianças e adolescentes desaparecem por dia. Apenas neste ano, mais de 200 menores de idade já foram dados como desaparecidos no estado. Por isso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o International Centre for Missing & Exploited Children (ICMEC) organizam o evento.
Participaram do painel profissionais de áreas como saúde, educação e serviço social, policiais do programa S.O.S Desaparecidos, voluntários do Grupo de Apoio aos Familiares de Desaparecidos de Santa Catarina (Gafad) e Rede Um Grito pela Vida, além de pais de desaparecidos e pessoas que se solidarizam e se preocupam com a causa.
Durante a cerimônia de abertura do evento estiveram presentes a superintendente do HU, Maria de Lourdes Rovaris; a secretária de Ações Afirmativas e Diversidades (Saad) da UFSC, Francis Solange Vieira Tourinho, representando o reitor Luis Carlos Cancellier; o secretário-geral do CFM, Henrique Batista e Silva; o presidente do Conselho Regional de Medicina de SC (CRM-SC), Nelson Grisard; e a diretora de políticas públicas do International Centre for Missing & Exploited Children (ICMEC), Kátia Dantas.
Maria de Lourdes iniciou sua fala contando um caso de desaparecimento em sua família, e ressaltou a angústia que ainda passam com as buscas cessadas e o processo arquivado. “Eu venho com o coração aberto não só representando o hospital mas também dentro de uma expectativa de poder engajar mais nesse tema,” salientou a diretora do HU.
Francis Tourinho ressaltou a união para a questão dos desaparecimentos principalmente para a prevenção. “A UFSC como instituição diversa e plural tem que formar os profissionais para que tenham essa visão, muito mais que bons técnicos, eles devem ser pessoas preocupadas com a humanidade”, destacou a secretária da Saad.

Kátia Dantas abordou “O desaparecimento de crianças no Brasil e na América Latina” em sua palestra. (Foto: Ítalo Padilha/Agecom/UFSC)
Logo após esta primeira etapa do painel, Kátia Dantas iniciou a palestra “O desaparecimento de crianças no Brasil e na América Latina”. Kátia apresentou o ICMEC, seus objetivos e suas atividades. Destacou o problema da contabilização de dados de desaparecimentos, pois é feita de maneira diferente entre os países e até mesmo nos estados de um mesmo país. Apresentou o alerta Amber, que é uma parceria voluntária entre vários meios, como a polícia, mídia, agências de transporte, para ativação de boletins urgentes de casos de desaparecimento com maior gravidade. Os alertas são enviados por e-mail, sinais eletrônicos de trânsito, outdoors comerciais eletrônicos, mensagens, entre outras maneiras. Kátia diz que “é basicamente um para tudo que tem uma criança desesperadamente precisando da sua ajuda.”
A diretora também abordou alguns mitos na questão dos desaparecimentos, como a tendência em achar que toda criança desaparecida é vítima de tráfico. Kátia e alguns participantes destacaram outros tipos de causas do desaparecimento: fuga do lar, sequestro familiar, pessoas em situação de rua, enterrados como indigentes, entre outras. Existe também a percepção de que a fuga é motivada apenas e necessariamente por casos de namoro, rebeldia ou vontade própria. “A questão da fuga do lar está muito vinculada com conflitos intra-familiares, abusos, conflitos educacionais, altos índices de reincidência, pois se você não trata a causa a criança continua fugindo”, alerta.
Kátia tratou também a questão da tecnologia nesta temática, pois seu desenvolvimento traz inúmeros benefícios como acesso a informações e comunicação, mas também malefícios, como a normalização do sexo e pornografia, o aliciamento on-line conhecido também pelo termo grooming. E a partir disso, ela destacou a importância de uma educação online atualmente.
Foi referido também os 12 elementos fundamentais para estabelecer uma “estrutura nacional robusta e eficaz para o enfrentamento ao desaparecimento de crianças”. Alguns dos elementos apresentados é a investigação imediata preliminar, pois as três primeiras horas após o desaparecimento são fundamentais, além de um sistema compartilhável de gestão de casos, estratégia e sistema de distribuição de fotografias.
Roberto d’Avila, cardiologista e assessor do CFM, Paula Peixoto, assistente social e membro da Comissão de Ações Sociais do CFM e Tânia Bueno, analista do I3G e assessora do CFM, iniciaram as discussões e debates.
Roberto enfatizou que as pessoas não têm a dimensão da problemática dos casos de desaparecimento porque não tiveram ainda uma experiência pessoal. “Precisamos ter uma maneira melhor de ensinarmos empatia para os profissionais da saúde, para se colocarem no lugar do outro, verem mais do que somente olhar, deixarem de ser meramente prescritores de remédios”, explica o cardiologista.
Paula apresentou algumas conquistas da questão dos desaparecimentos. Dentre elas está a lei da unificação da identidade que facilita a localização e a identificação, e a divulgação de informações sobre desaparecimentos pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). Paula diz que em contrapartida, as fotos e informações que serão veiculadas são fornecidas pelo cadastro nacional que é defasado e não contempla a realidade.

Profissionais de diversas áreas, familiares de desaparecidos, voluntários e pessoas que se solidarizam e se preocupam com a causa participaram do painel . Foto: Ítalo Padilha
Tânia Bueno afirma que a sociedade não participa em prol deste problema. E este assunto é considerado um tabu em diversos segmentos, como a tecnologia, sua área de atuação. “Nós temos um sistema integrado para identificação de carros roubados e não temos um sistema integrado para identificação das crianças desaparecidas”. Após essa colocação, Kátia enfatizou que é preciso colocar a criança como prioridade nas políticas públicas. “Quando falamos em proteção da criança não podemos dizer que conseguimos isso sem tecnologia”, salienta.
Após a abertura da discussão por parte dos debatedores, foram formados quatro grupos de participantes para que conversassem e juntos apresentassem ideias do que acreditam que pode ser feito para mudar a realidade dos desaparecimentos nas diferentes áreas. As discussões e sugestões de cada grupo foram compartilhadas com os demais participantes.
Os integrantes do evento enfatizaram que é preciso tornar a causa mais humanitária, que ela é real e não escolhe classe, pois existe preconceito e é necessário trabalhar a desconstrução. Dentro desta questão, foi apontada a necessidade do trabalho em rede, pois, segundo eles, as informações necessariamente precisam ser plurais e integradas entre todos os setores envolvidos. Por este motivo, destacam a ideia de pensar juntos.
Também foi apresentado a sugestão de melhorar a capacitação dos profissionais da saúde para as questões sociais. Uma ideia exposta foi tratar a questão de forma educativa para as crianças nas escolas, e deste modo, as secretarias da educação precisam entrar na causa. Durante a apresentação das ideias uma reflexão que se ressaltou e foi lembrada várias vezes é a da necessidade de “trocar o eu pelo nós”.
O evento foi encerrado com o lançamento do abaixo-assinado apresentado por Henrique Batista e Silva. O documento cobra a efetivação do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos. Uma medida é a notificação compulsória dos casos, obrigando que as informações sobre esse tipo de situação, registradas em boletins de ocorrência, sejam automaticamente repassadas ao Ministério da Justiça, sem a necessidade de pedidos ou procedimentos por parte dos familiares.
Além da atualização da base de dados a petição também cobra providência para que o site www.desaparecidos.gov.br seja atualizado diariamente, bem como uma campanha permanente junto à população para orientar sobre as medidas de prevenção ao desaparecimento de crianças e adolescentes.
Texto: Diana Hilleshein / Estagiária de Jornalismo / Agecom / UFSC
Fotos: Ítalo Padilha / Fotógrafo / Agecom / UFSC