Estudo da UFSC apresenta modelo conceitual de fenômeno atmosférico chamado ‘toró’

Fenômeno tem força suficiente para causar erosão. Na imagem, a Serra Geral, em 23 de dezembro de 1995. Foto: Reprodução/Acervo do pesquisador.
Um estudo produzido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) apresentou um novo modelo conceitual de evento climático e propôs o nome “toró” para designá-lo. O fenômeno meteorológico se caracteriza por uma grande quantidade de água e granizo, cerca de 10 metros cúbicos, caindo em um intervalo curto, de 20 segundos a 1 minuto, podendo atingir até 10.000 milímetros por minuto. Ele ocorre em regiões próximas a montanhas, produzindo ventos fortes, destruição de árvores e casas, e deixando marcas e cicatrizes lineares na vegetação.
O termo “toró” tem origem na língua guarani, explica Reinaldo Haas, autor do estudo e professor de climatologia do Departamento de Física da UFSC. Ele argumenta que o povo guarani já conhecia este evento climático, chamando-o de tororó ou tororomba. A língua guarani, assim como o tupi antigo, é onomatopeica, ou seja, as palavras imitam os sons que representam. Reinaldo acredita que o nome “toró” representa o som produzido pelo fenômeno: “tó”, para quando a água corta o ar; e “ró”, para quando chega ao chão.
O novo termo foi sugerido para diferenciá-lo do fenômeno conhecido como tromba d’água, tradicionalmente usado para descrever chuvas fortes na meteorologia oficial brasileira até a década de 1990. “O nome ‘tromba d’água’ é dado quando um tornado se forma sobre a água, o que não tem nada a ver com o toró”, informa Reinaldo. O docente e sua equipe analisaram registros antigos, dicionários e a toponímia de algumas localidades para compreender melhor o fenômeno e sua terminologia. Ele destaca a importância dos observadores locais e a necessidade de incluir indígenas, moradores e cientistas na pesquisa.
Um modelo conceitual foi desenvolvido no estudo para detalhar a formação de um toró, considerado um perigo atmosférico, conforme explica o professor. Este evento ocorre quando uma nuvem supercélula, caracterizada por uma corrente de ar ascendente muito forte, se aproxima de um desfiladeiro. Parte desse ar sobe ainda mais rápido devido ao formato do terreno, o que provoca a formação de mais gelo dentro da nuvem e aumenta o peso do granizo. Com o tempo, a pressão dentro da nuvem se torna tão alta que o ar ascendente não consegue mais sustentar o granizo, resultando em sua queda. O granizo e a água caem rapidamente, seguindo o vento ao redor do desfiladeiro e sendo empurrados para o centro, onde a pressão é mais baixa. Quando o granizo derrete, forma-se uma forte corrente de água que desce pelo desfiladeiro com força suficiente para causar erosão, principalmente no lado protegido do vento, deixando marcas no terreno.
Desta forma, de acordo com o pesquisador, o toró refere-se a uma “microexplosão úmida” – situação em que uma nuvem de tempestade com alta umidade libera muita chuva em pouco tempo, acompanhada de ventos –, que possui efeito destrutivo no relevo. Segundo ele, essas marcas no terreno são observadas em diversos eventos severos no Sul e Sudeste do Brasil, sugerindo que os torós são um elemento-chave para compreender esses fenômenos. As enchentes no Rio Grande do Sul, por exemplo, apresentaram todos os elementos descritos e se encaixam no modelo conceitual proposto.
“É necessário estar no local adequado no momento exato para observar este fenômeno. Durante uma tempestade intensa, a última coisa que você pensaria seria em olhar para os paredões em busca de uma cachoeira momentânea de água”, aponta o pesquisador. Radares e modelos meteorológicos, embora não tenham resolução suficiente para observar diretamente o fenômeno, ajudam a identificar a presença de gelo e a assinatura BWER, Bounded Weak Echo Region, normalmente utilizada para deduzir a presença de tornados.
Terríveis lestadas
A descoberta dos torós permitiu também entender as “terríveis lestadas”. A expressão “lestada” tem raízes no litoral de Santa Catarina e é usada para descrever um fenômeno climático caracterizado por ventos fortes e persistentes vindos do mar, acompanhados de chuvas intensas e contínuas, que costumam durar pelo menos três dias. Reinaldo ressalta que os eventos deste tipo estão voltando e podem causar “tragédias inconcebíveis”, destruindo casas, edifícios, represas e cidades como Blumenau, Brusque e Tubarão.
Com base no tamanho da destruição causada por uma lestada em 1838, estimada por meio de relatos da época, Reinaldo calcula que uma nova ocorrência do episódio resultaria em uma extensa devastação, fazendo com que a economia catarinense demorasse décadas para conseguir se recuperar. Para o professor, isso se somaria ainda a um grande potencial de mortes, uma vez que, no acontecimento ocorrido no século XIX, este número chegou a 10% da população da área, conforme fontes da imprensa daquele período.
O docente menciona que a história de Santa Catarina é marcada por esses fenômenos climáticos que provocaram grandes impactos na vida dos moradores, incluindo naufrágios e destruição de casas. Ele destaca o impacto de outra lestada, que acometeu Florianópolis em 1838. “O evento foi tão devastador que abriu rasgões nos morros, arrasou quase toda a lavoura, destruiu diversas pontes e causou enchentes do tipo cabeça d’água até em terrenos muito elevados”, descreve. A cabeça d’água é resultado da chuva em uma área específica de rio ou cachoeira, que faz com que o nível da água suba de forma repentina, reforçando a correnteza.
“As pessoas geralmente ficam desconfortáveis ou tentam negar histórias como essas, achando-as exageradas”, explica o pesquisador. Segundo Reinaldo, esses fenômenos eram comuns até a metade do século XIX e voltaram a se tornar mais frequentes na atualidade em decorrência do aquecimento global.
Estratégias para evitar catástrofes
Para o pesquisador, há duas estratégias para se evitar catástrofes. A primeira é o investimento em sistemas antigranizo, que funcionam lançando iodeto de prata na atmosfera, provocando chuva antes que ela se transforme em granizo. A segunda estratégia está no gerenciamento de detritos. As enchentes causadas pelas lestadas mais intensas são agravadas pela quantidade de detritos carregados pelos rios.
O professor sugere que, em vez da construção de represas – as quais “acabam sendo abandonadas pelos governos” e também podem ser destruídas –, seria mais eficaz investir em estruturas que diminuam a energia cinética das cabeças d’água e alternativas baseadas na natureza, como aquelas indicadas pela permacultura. Para ele, aqui entrariam também, por exemplo, as lagoas de peixe, que já provaram serem capazes de frear as ondas de detritos. “Essas ideias, além de mais eficientes, podem fornecer recursos para os agricultores”, salienta.
O pesquisador afirma que é preciso criar uma cultura de autoproteção que empodere as famílias e mostre quais são as vulnerabilidades. “Ao contrário de criar alarde infundado, temos que nos inspirar no mesmo espírito daquelas que passaram pelas várias terríveis lestadas na Ilha de Santa Catarina e prosperaram. Mas isso exige coordenação governamental e pesquisa científica”, finaliza.
O estudo completo pode ser acessado através do link.
Mateus Mendonça| agecom@contato.ufsc.br
Estagiário da Agecom| UFSC