Acidentes com aranhas e lagartas correspondem a 73% dos atendimentos em serviço prestado no HU
Na última semana de junho, alunos de uma escola municipal de Timbó, no Vale do Itajaí, tiveram uma visita inesperada na manhã de segunda-feira: uma cobra coral verdadeira, uma das espécies mais venenosas do país, circulava pelo pátio da instituição. Felizmente ninguém se feriu, mas acidentes com animais peçonhentos – alguns deles fatais – estão se tornando comuns no noticiário. O Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Santa Catarina (CIATox/SC), referência no estado, registrou 5.823 atendimentos relacionados a este tipo de ataque somente no ano passado. A unidade localizada dentro do Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (HU-EBSERH/UFSC) conta com profissionais e estagiários da Universidade em um serviço que é prestado há 40 anos.
De acordo com o mais recente relatório do Centro, publicado em 27 de junho de 2024, as aranhas e as lagartas foram responsáveis por 73% dos casos de acidentes com animais peçonhentos e venenosos registrados em 2023, com 53% e 20%, respectivamente. Na sequência, aparecem no levantamento as serpentes (9%), os escorpiões (8%) e as abelhas e formigas (4%). Quando analisadas as espécies individualmente, a aranha armadeira (Phoneutria spp.) lidera o número de ocorrências, respondendo por 23,6% dos casos. Em segundo na lista está a aranha marrom (Loxosceles spp.), com 12,1%; e, em terceiro, a jararaca ou jararacussu (Bothrops spp.), com 8,5% dos atendimentos. A razão para estes animais terem maior frequência de registro é devido à distribuição geográfica deles, ou seja, são os mais encontrados em Santa Catarina.
- As aranhas representam 53% dos casos de acidentes registrados. Foto: Divulgação/CIATox/SC
- As lagartas são 20% das ocorrências. Foto: Divulgação/CIATox/SC
- Casos com serpentes contabilizam 9%. Foto: Divulgação/CIATox/SC
- Escorpiões somam 8% dos registros. Foto: Divulgação/CIATox/SC
- Abelhas e formigas são 4% dos casos. Foto: Divulgação/Parque Ecológico Cidade das Abelhas
- A aranha armadeira (Phoneutria spp.) lidera o número de ocorrências, com 23,6%. Foto: Divulgação/CIATox/SC
- A aranha marrom (Loxosceles spp.) representa 12,1% dos casos. Foto: Divulgação/CIATox/SC
- A jararaca ou jararacussu (Bothrops spp.), com 8,5% dos atendimentos. Foto: Divulgação/CIATox/SC
A prevenção contra esses acidentes pode ser feita de diversas formas, desde a vestimenta usada ao circular por locais de habitat dessas espécies até intervenções em moradias. Uma das recomendações é a utilização de botas de borracha até o joelho ou botinas com perneiras ao circular no campo ou na mata, bem como de luvas de raspa de couro e peças com mangas longas nas atividades de jardinagem. Além disso, recomenda-se evitar folhagens densas junto a paredes e muros de casas, colocar telas nas janelas e nos ralos das pias ou tanques, rebocar paredes para que não apresentem rachaduras ou frestas e vedar soleiras de portas com rolos de areia ou rodos de borracha.
Mas e quando o acidente com o animal peçonhento ou venenoso já aconteceu? Como proceder? O senso comum indica medidas que, em muitos casos, agravam a situação. Por exemplo, não se deve amarrar o membro onde ocorreu a picada, pois providências como torniquete ou garrote dificultam a circulação do sangue e não impedem o veneno de ser absorvido, podendo causar necrose ou gangrena. Outro conselho comum, até mesmo reproduzido em filmes, é chupar o local da lesão para retirada do veneno do organismo após inoculação, entretanto, a sucção pode piorar as condições da área atingida. Há também quem indique o uso de substâncias no local da picada – como folhas, querosene e pó de café – que, além de não evitar que o veneno seja absorvido, podem ainda provocar infecção.
Recomendações do CIATox/SC para caso de acidente com animais peçonhentos:
O QUE FAZER
- Identifique o animal peçonhento, se possível, e ligue para o CIATox.
- Tire foto do animal ou guarde-o (mesmo se estiver morto) para fins de identificação.
- Siga as instruções do plantonista do CIATox, pois para cada situação serão aconselhadas as medidas ou encaminhamentos que você deverá tomar.
- Lavar o local da picada somente com água e sabão.
- Manter o acidentado em repouso. Se a picada tiver ocorrido no pé ou na perna, procurar manter a parte atingida em posição horizontal, evitando que o acidentado ande ou corra.
- Dar água para a vítima beber, desde que seja consciente.
- Levar o acidentado o mais rapidamente possível a um serviço de saúde.
O QUE NÃO FAZER
- Não amarrar o membro acometido e não fazer torniquete ou garrote.
- Não cortar o local da picada.
- Não chupar o local da picada.
- Não colocar substâncias no local da picada.
- Não dar para o acidentado beber álcool ou outras bebidas, pois estas além de não neutralizarem a ação do veneno, podem causar intoxicações.
Conforme explica a professora Camila Marchioni, do Departamento de Patologia (PTL) do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFSC, em caso de acidentes desta natureza, qualquer pessoa pode entrar em contato com o CIATox/SC para receber orientações. O atendimento é gratuito e o serviço funciona todos os dias por 24 horas, por meio do telefone 0800-643-5252. Nos casos em que não há uma emergência, como somente para identificação de um animal peçonhento, por exemplo, o contato pode ser pelo e-mail ciatoxsc.hu@contato.ufsc.br.
A docente destaca que o Centro é um serviço público realizado por profissionais capacitados para prestar informações. “O CIATox/SC atende há 40 anos todo o estado de Santa Catarina ofertando as informações especializadas e contribuindo para redução de óbitos envolvidos aos casos de intoxicação e envenenamento. Além disso, o serviço contribui para a divulgação de informações de confiança ajudando a prevenir acidentes, além de ser um serviço acessível para toda a população catarinense evitando idas desnecessárias ao serviço de saúde presencial”, afirma.
Em casos de acidentes com animais, a equipe orienta sobre as medidas de primeiros socorros e se há necessidade de procurar atendimento médico presencial. Se o contato for realizado por um profissional da saúde, o Centro repassa o protocolo de atendimento, desde a indicação de exames até o tratamento indicado. Segundo o relatório de 2023, a maior parte das solicitações foi realizada por profissionais da área da saúde (89,1%), principalmente médicos (83,1%) provenientes de Hospitais (54,7%), Unidades de Pronto Atendimento (25,4%) e Unidades Básicas de Saúde (8,9%). Ligações telefônicas das residências ocorreu em 7,8% dos casos.
347 mil atendimentos em 40 anos
Com quatro décadas de história celebradas no último dia 14 de maio, o CIATox/SC está inserido no organograma da Secretaria Estadual de Saúde (SES) como uma Gerência (Getox) e tem um termo de cooperação técnica com a UFSC. O Hospital Universitário fornece o espaço físico e a UFSC parte dos profissionais, incluindo professores, bem como todo o suporte para desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão, explica a professora Camila Marchioni.

O Centro de Informação e Assistência Toxicológica completou quatro décadas de história no último dia 14 de maio. Foto: Divulgação/CIATox/SC
A equipe do Centro é composta de servidores da saúde vinculados à SES e à UFSC (incluindo bióloga, enfermeiros, farmacêuticos, médicos, professores, entre outros) e de estagiários da Universidade. Em 2023, o CIATox/SC ofereceu estágios para acadêmicos das Residências Multiprofissional e de Urgência e Emergência e, na graduação da UFSC, para os cursos de Medicina, Farmácia, Biologia e Design.
Desde o início de suas atividades, o Centro de Informação e Assistência Toxicológica realizou 347.686 atendimentos de suporte ao diagnóstico e tratamento de intoxicações. No período compreendido entre 1984 e 2023, os grupos de agentes responsáveis pelo maior número de atendimentos foram os animais peçonhentos e venenosos, com 93.719 ocorrências, e os medicamentos, com 90.142.
Somente no ano passado, contabilizou-se 26.146 atendimentos, dos quais 25.567 (97,8%) foram casos de exposição humana, 137 (0,5%) casos de exposição animal e 442 (1,7%) solicitações de informação, sem a existência de vítima exposta. Esses números representam um aumento de 26% em relação ao ano de 2022. A principal circunstância de exposição foi acidental (46,2%), seguida das tentativas de suicídio (27,4%) e de acidente ocupacional (5,6%). A via oral foi a mais frequente, ocorrendo em 43,1% dos casos; na sequência está a mordida/picada ou o contato com animais peçonhentos ou não peçonhentos (34,1%).
De acordo com a Classificação de Gravidade Final e o Poisoning Severity Score (PSS), os casos apresentaram a seguinte categorização quanto à gravidade: leve (69,6%), moderada (2,7%), grave (1,9%), nula (0,8%) e fatal (0,3%). Na maior parte dessas exposições, o paciente apresentou-se curado (43,4%). Ao todo, foram registrados 78 óbitos em 25.567 casos humanos atendidos (0,3%). Destes, 58 casos (0,2%) foram mortes relacionadas à intoxicação e 20 (0,1%) por outra causa.
Entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2023, houve 25.851 registros de atendimentos procedentes de Santa Catarina (98,9%), sendo 22,4% da macrorregião da Grande Florianópolis. O relatório indica apenas 295 ocorrências de outros estados brasileiros, o que equivale a 1,1% do total. Em relação aos humanos, a exposição ocorreu principalmente nas residências (76,4%). Observou-se ainda a predominância das exposições na faixa etária de 20 a 29 anos. Em seguida, aparecem os registros referentes à faixa de 30 a 39 anos e de crianças de 1 a 4 anos.
Para mais informações, acesse o perfil do CIATox.
Jornalista Maykon Oliveira | maykon.oliveira@ufsc.br
Agência de Comunicação | UFSC