Aumento na sazonalidade das temperaturas pode extinguir espécies, aponta estudo da UFSC com repercussão internacional

15/09/2021 16:19

A possibilidade de extinção de quatro das sete espécies de baobás – árvore nativa da África – em Madagascar, no Sul do continente, e as implicações da variação na sazonalidade das temperaturas num cenário de agravamento das mudanças climáticas globais levaram uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Santa Catarina, em parceria com uma instituição francesa, às páginas da Global Change Biology, um importante periódico da área. O estudo também repercutiu no jornal francês Le Monde, um dos mais tradicionais da Europa.

População de Adansonia suarezensis ao norte de Madagascar. Foto: Mário Tagliari

O conceito de sazonalidade, um dos mais importantes para as descobertas da equipe, se refere à variação média entre as temperaturas mínimas e máximas de cada mês, ao longo de um ano. Antes de aplicá-lo ao modelo, os pesquisadores não imaginavam que esse fator poderia ser crucial para a redistribuição das espécies e que seu impacto poderá ser semelhante em todas as regiões da faixa tropical, inclusive na Amazônia.

O estudo é assinado pelo doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFSC Mário Tagliari, pelo cientista Ghislain Vieilledent (CIRAD – França) e por Vítor Carvalho-Rocha, também doutorando em Ecologia na UFSC. Os pesquisadores foram a campo e utilizaram um banco de dados e imagens de satélite para agrupar informações e alimentar um modelo de nicho ecológico que prevê a distribuição das espécies a partir de diferentes variáveis ao longo do tempo.

De acordo com o estudo, quatro das sete espécies de baobás que ocorrem em Madagascar poderão desaparecer até 2100. “Três espécies estão fortemente ameaçadas devido a um aumento da sazonalidade da temperatura, ou seja, a variação média entre as temperaturas mínimas e máximas de cada mês, ao longo de um ano”, explica Tagliari, orientando do professor Nivaldo Peroni, do Laboratório de Ecologia Humana e Etnobotânica da UFSC.

Esse aumento da sazonalidade foi previsto para uma grande parte da faixa latitudinal tropical, o que pode ameaçar diversas espécies da região. Para se ter uma ideia, conforme a pesquisa, as diferenças médias entre as temperaturas de um mês e outro são inferiores a 3°C, mas as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontam para um aumento desta variação até +1°C, até 2100. “Para se adaptar a essas condições, inúmeras espécies tropicais deverão migrar em direção a Linha do Equador (a linha imaginária que divide a Terra em dois hemisférios, ou que está na Latitude 0°), onde as variações da temperatura serão menos acentuadas”, explica o pesquisador.

A sazonalidade no presente (a) e a variação da sazonalidade da temperatura no futuro (b).

 

As espécies Adansonia madagascariensis, Adansonia perrieri e Adansonia suarezensis, por exemplo, correm o risco de desaparecer. Segundo Tagliari, para se adaptarem ao aumento da sazonalidade, elas deverão – de acordo com os modelos climáticos desenvolvidos pela pesquisa– se redistribuírem para ainda mais ao norte da ilha, ou seja, em direção a linha Equador. “Ocorre que os limites geográficos da ilha impedem a dispersão destas espécies nesta direção, pois simplesmente há apenas o Oceano Índico no horizonte. Consequentemente, é plausível que as espécies sejam extintas”, ilustra.

Adansonia madagascariensis

 

Os resultados do estudo mostram também que nem todas as espécies irão migrar em direção ao Pólo Sul ou a maiores altitudes devido ao aumento da temperatura média associada às mudanças climáticas. Isso ocorre pois, quando a temperatura média é a principal variável por trás da distribuição de determinadas espécies, é possível inferir que no futuro elas estejam em direção aos pólos e nas maiores altitudes, onde estarão as temperaturas mais amenas.

No entanto, quando outras variáveis atuam como principais na explicação da distribuição das espécies o padrão pode ser diferente do esperado. “No caso da sazonalidade, que é essa variação na temperatura média, espera-se que as espécies migrem em direção a linha do Equador, pois é nessa faixa tropical que a sazonalidade da temperatura será mais amena para as espécies no futuro”, reforça o pesquisador.

Para a ciência, trata-se de um dado relevante, já que implica dizer que outras variáveis abióticas além da temperatura média podem ser importantes para explicar a distribuição de determinada espécie no futuro. “Estratégias de mitigação para conservação de espécies e ecossistemas em um mundo sob mudanças do clima devem investigar quais variáveis abióticas estão por trás dos padrões de distribuição das espécies e como elas influenciam na redistribuição da flora e fauna”, completa o pesquisador.

De Madagascar para o Brasil

Tagliari tem a ilha africana como interesse de estudo desde quando fez mestrado na França. O estudo dos baobás começou também a partir do interesse em fazer um trabalho de campo naquela região, além de ampliar o domínio dos modelos ecológicos de nicho, que predizem onde as espécies devem estar no futuro. “Madagascar é considerado um hotspot, uma área muito vulnerável, desmatada. Aonde você vai no país você vê bichos e plantas endêmicas. E também muita pobreza, o que gera uma combinação caótica”, explica.

Apesar de trazer dados a respeito de espécies no continente africano e de um país distante do Brasil, as implicações do estudo permitem generalizações em outras regiões tropicais, podendo ser replicado no contexto brasileiro com suas espécies endêmicas nos seus também ameaçados biomas nacionais. “Mostramos que as espécies não estão respondendo ao aumento da temperatura média, mas à essa variação da sazonalidade. Foi uma surpresa e decidimos replicar o estudo para outras regiões tropicais no mundo”, contextualiza Tagliari.

O estudo prevê graves problemas no processo de redistribuição das espécies tropicais que poderão ser observados nos biomas brasileiros, como a Amazônia, Cerrado ou Mata Atlântica. “Caso haja barreiras que impeçam a migração das espécies, como áreas desmatadas, rodovias e/ou áreas convertidas para a agricultura, as espécies poderão perecer com a rápida mudança do clima ao estarem sem possibilidade de se redistribuir, independente da direção. Os impactos também poderão ser sentidos em outros habitats insulares nos trópicos. A exemplo de Madagascar, se essas espécies estiverem no limite das ilhas, para onde elas irão migrar?”, questiona. Nestes casos, o risco é de que haja extinção.

Mais de vinte anos coletando dados por Madagascar

O estudo se apoiou em uma base de dados gigantesca com mais de 240.000 pontos de ocorrência das diferentes espécies de baobás. Tais dados vêm sendo coletados na região desde o início dos anos 2000, com um trabalho de identificação de imagens de satélite para reconhecer os indivíduos de baobás de determinadas espécies. Todos estes dados estão livres e disponíveis para download no repertório do Cirad – França.

“Convém lembrar que este artigo foi elaborado por autores que concordam fortemente com o acesso livre de dados. Todos os códigos para gerar as figuras (tabelas também, mas com uma ligeira adaptação) tal qual estão no artigo publicado estão também disponíveis no site GitHub. Nós estamos há cinco anos criando o código que deu vida a este estudo. Sintam-se livres para usá-lo”, reforça Tagliari.
Amanda Miranda/Jornalista da Agecom

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