Nota de falecimento de Anna Fracchiolla

14/08/2012 10:41

Faleceu no dia 9 de agosto Anna Fracchiolla, professora substituta de Letras Italiano, docente no curso extracurricular, mestre e doutoranda pela UFSC em Teoria Literária. Leia a homenagem escrita pela jornalista Raquel Moysés para a professora.

Em memória de Anna

Agora Anna Fracchiolla repousa no aconchego do Mistério. Poucos souberam que Ele a esperava insistentemente nos últimos meses para lhe revelar o segredo que agora ela sabe.   Se o sentido último da existência de cada humano ser não nos é nunca completamente segredado, o significado de seu nome nos traz revelações inspiradoras. E Anna, que carregava na identidade o segundo nome mais difuso na sua Itália, depois de Maria, na sua existência, cercada de discrição, se revelava no significado de seu nome, derivado do hebraico Hannáh: graça, misericórdia, piedade.

O sobrenome, Fracchiolla, ela trazia como herança de seus antepassados da Itália meridional, de seu pequeno “paese”  Ruvo di Puglia, de onde seus passos partiram, com a força da juventude, para desbravar terras prometidas. No encalço da felicidade, enveredou rumo ao sul do mundo, fincando raízes em terras de Brasil, na ilha de Florianópolis. Aqui deixa a herança de seus quatro filhos amados, duas netas pequeninas, e de uma vida de busca e de amor pela terra que a acolheu.

Muitos de seus amigos de UFSC se surpreenderam,  entristecidos por sua inesperada partida, pois, como lembra uma sua cara  amiga, “ela teve classe até para sofrer”. Poucos souberam que estava prestes a se desgarrar da vida  para deixá-los órfãos de sua presença generosa. Mas os amigos que a conheceram de perto e os alunos que tiveram de sua luz a trazem entranhada na memória como uma professora que soube ser  educadora. Uma aluna, comovida, diz  que nunca a viu  em sala de aula sem um sorriso nos lábios.  “Ela nos dava a coragem de falar a língua italiana sem medo de errar, sem o receio de sermos julgados…”

Com Anna Fracchiolla restaram sigilados saberes sobre sábios italianos, universais.  Mas ela deixou muitas palavras escritas e nunca publicadas que clamam por serem compartilhadas no espaço da universidade. Universidade que, frequentemente amesquinhada em sua razão acadêmica utilitária e instrumentalizadora, nem sempre lhe retribuiu em  justa medida a  sua oferenda generosa de saberes.

Professora substituta de Letras Italiano, educadora no curso extracurricular de sua madre língua, mestre e doutoranda pela UFSC em  Teoria Literária, Anna circulou pela universidade espargindo sementes de bom saber, de bem-querer. Como uma semeadora silenciosa que acorda antes de despontar a aurora, deitava à terra adormecida grãos que ninguém cuidara para que plantasse, mas que ela, Anna benigna, sabia que devia cultivar, como um dom misericordioso, legado de seu nome plenode graça benévola.

Mulher de nome pequeno e largos horizontes,  partiu cedo, discretamente como viveu, deixando um rastro de ternas lembranças e de delicadezas insuspeitas, como a de abrir sua casa a amigos para compartilhar o doce segredo da amizade em leves dias de encontros amáveis. Discreta, constante, obstinada nos propósitos e na fé que conduz à harmonia eterna, escolheu, porém, não espargir as sementes de seu sofrer. Preferiu o silêncio. Agora, como no salmo que tanto amava nossa amiga Anna, nada mais lhe faltará nem temerá mal algum.

Em 2011, no XII CONGRESSO INTERNACIONAL da ABRALIC – Associação Brasileira de Literatura Comparada, Anna Fracchiolla apresentou o trabalho “A Vida Nova de Dante entre sonho, visão e profecia”, obra profética e visionária do jovem poeta Dante Alighieri, a qual leva a pensar que, como a Bíblia,  foi escrita para ser revelada no futuro. Sobre o livro, ela escreve: “Vida Nova” é um livro que possui  circularidade.  Já  evidenciamos  que  inicia com um sonho e conclui-se com uma visão, mas poderíamos também dizer que abre-se com um encontro e termina com a promessa de um reencontro”.

Nós, que a amamos, vislumbramos a passagem de Anna Fracchiolla pelo mundo como circularidade. As cinzas do seu corpo, tênue pó que guarda suas entranhas de humano ser, em breve irão se juntar, através das mãos de seus caros, ao mar de sua “Puglia natia”, mas seu espírito invencível permanece perene no infinito universo.

Raquel Moysés/ jornalista na UFSC
raquelmoyses@hotmail.com