Estudantes levam cores à farmacologia

16/03/2012 17:17
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Os banheiros e um dos corredores do prédio da Farmacologia da UFSC receberam alunos, professores e técnico-administrativos de forma diferente no início deste semestre: fotos, poemas, frases soltas e o fragmento de um livro convidam a um outro olhar sobre o cotidiano.

A intervenção foi realizada pelos estudantes Gilliard Lach, de 31 anos, Rafael Bitencourt, 30, e Marília Bessa, 24 (eles doutorandos e ela mestranda do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia). Juntos, criaram o Coletivo WC – já que a ideia, no princípio, era utilizar apenas os banheiros para a exposição.

“Achávamos que as paredes e portas da Farmacologia estavam muito áridas, sem vida, e unimos duas formas de poesia (os textos e as fotos) em lugares que geram movimento; por isso utilizamos os banheiros e o corredor das salas de aula, explica Gilliard. “A ideia principal é abstrair, deixar os assuntos da Farmacologia um pouco de lado”, complementa Rafael.

Consuma sem moderação – A produção da intervenção – que tem como título “Duplo” – foi simples: Gilliard pesquisou fotos de diversos autores que armazenava em seu computador e em seguida saiu ao campus para captar imagens que de certa forma pudessem se relacionar com cada uma delas, formando assim doze pares. Depois de reunidas, enviou-as a Rafael, que criou os textos e doze palavras que pudessem dar título às duplas. É ele quem explica entre rimas: “Duplo nos mostra duas imagens de uma mesma visão/ Dois sentimentos de um único coração. A imagem elaborada a partir de um tema conhecido/ E a versão ao acaso de um tema que passou batido. Aventure-se você também neste Mundo de Duplos sentidos/ Deixe-se levar por caminhos desconhecidos/ Não procure nestas fotos qualquer explicação/ Simplesmente duplique-se sem nenhuma moderação”. Apesar de nomear cada dupla, os títulos não estão expostos ao lado das imagens, dando espaço para que o espectador busque suas próprias interpretações.

Feito o trabalho, surgiu a dúvida: pedir permissão para colar as fotos e os textos ou expô-los sem avisar ninguém, surpreendendo colegas, professores e funcionários? A decisão levou em conta também a intervenção que pudesse ser totalmente removida depois do período de instalação. “Não quisemos escrever nas paredes; preferimos colar as frases de forma a serem facilmente retiradas”. Pedida a permissão, quem se surpreendeu foram os integrantes do Coletivo WC. Os professores ficaram muito entusiasmados. Tadeu Lemos, chefe do Departamento, faz parte do grupo que só teceu elogios aos estudantes. “O ambiente tornou-se mais descontraído; docentes, discentes e técnico-administrativos param para ler e apreciar a intervenção, relatando que gostariam que esse tipo de manifestação ocorresse com mais frequência”. Gilliard relembra do primeiro dia. “Coincidiu com a realização das bancas de alguns alunos. A professora Thereza de Lima nos contou que, ao sair de uma das salas e avistar as fotos e os poemas, comemorou que a Farmacologia tinha acordado mais colorida”, relembra Gilliard.

 

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Sair da curva – Democratizar as manifestações artísticas ou apenas incitar a pluralidade de pontos de vista podem ser algumas das consequências da instalação do grupo. “Temos que ter um conhecimento mais amplo da vida, além da área para a qual dedicamos nossos estudos. Existe a arte, que pode dizer muito às pessoas, e não importa se ela está aqui, no museu ou no banheiro”, entende Gilliard. Ou, como o Coletivo WC (que aceita novos integrantes) defende, em seu manifesto: “Do contraditório ao meramente óbvio, a arte é o desafio de decifrar o novo, pensar fora da curva; da poética retratada em imagens através de uma visão reducionista e amplificada às entrelinhas de frases soltas de textos que muito nada dizem”. O professor Tadeu ainda complementa: “não existe paradoxo entre ciência e arte”.

Domitila Cayres, de 29 anos, doutoranda em Sociologia Política, foi convidada pelo namorado Gilliard a visitar o espaço. A estudante nunca tinha estado no prédio da Farmacologia, e passou por todos os banheiros (inclusive os masculinos) para conferir as frases antes de ir até a “Galeria”, como é carinhosamente chamado pelo grupo o corredor onde estão as fotos . “Gostei da ação. A Farmacologia me passa a impressão de ser um ambiente muito ‘marmorizado’, e eles acabaram fazendo a diferença. Ainda que tenham reproduzido a mesma lógica que criticam – já que os materiais saíram diretamente do computador em vez de serem feitos a mão -, percebemos que além do que permanece também há algo que grita”, analisa. Domitila relatou a conversa que teve assim que entrou em um dos banheiros: a moça que faz a faxina do prédio queria saber o que significava a frase em inglês colada no espelho. “Ela ainda me aconselhou a vir até o corredor para observar as fotos”, completa.

Andrea Vieira, de 41 anos, conta que gostou da intervenção. Enquanto limpa os banheiros, já observou diversas alunas interagindo com os textos – o maior deles, que reproduz fragmento da obra de Amir Klink, Cem dias entre céu e mar, descrevendo seu encontro com dezenas de baleias, está fixado no box mais distante da porta. “Marília disse que esse é o preferido pelas estudantes quando pretendem demorar mais no banheiro”, explica Rafael. “As meninas entram aqui, veem as frases e brincam; sentam para ler e comentam sobre o texto”, relata Andrea.

Dentre as diversas manifestações recebidas pelo Coletivo – todas positivas – houve sugestões de expor o trabalho no hall da Reitoria e também ampliar as fotos (de tamanho 10 X 15cm). Rafael e Gilliard, que pesquisam drogas de abuso, memórias aversivas e transtornos de stress pós-traumático, têm ainda em mente um projeto futuro em comum. “Pensamos em fazer um livro em que eu escreveria poemas e ele apadrinharia os textos com uma foto”, explica Rafael. A exposição permanece na Farmacologia até 13 de abril, dia da defesa da tese de Rafael.

Contatos com o grupo: coletivowc2012@gmail.com.

 

Texto e fotos: Cláudia Schaun Reis / Jornalista na Agecom

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Tags: artefarmacologia