
Marília Marasciulo
Marília Marasciulo, aluna da 4ª fase do curso de Jornalismo da UFSC, entrevistou, em 18 de outubro, por telefone, o renomado jornalista Gay Talese para a atividade final da disciplina de Edição do professor Ricardo Barreto, criando o jornal-mural Trindade Times.
Leia a entrevista publicada no site Cotidiano (www.cotidiano.ufsc.br) do curso de Jornalismo.
Gay Talese atende ao telefone. “Alô? Espere aí um minuto”. Ele acaba de chegar a sua elegante townhouse no East Side de Manhattan, não teve tempo nem de ouvir suas mensagens. “Achei que nós tínhamos combinados de conversar amanhã, ao meio dia, já até arrumei a casa!”, ele responde, surpreso, quando digo que estou ligando do Brasil.
“Espere, você não é a Carol da Silva?”. Quem dera. Ela vai conversar pessoalmente com um dos melhores repórteres e escritores dos últimos 50 anos (esse é seu tempo de carreira), autor de livros como A mulher do próximo, Honra teu pai e grandes perfis como o de Frank Sinatra, que escreveu sem entrevistar o cantor.
Hoje, às vezes ele escreve para a revista The New Yorker – “estou escrevendo sobre grandes negócios no mundo dos esportes” -, mas seu grande projeto é o livro sobre seu casamento de 50 anos com a editora Nan Talese.
Referência como um dos criadores do Novo Jornalismo, gênero que transforma a reportagem em uma narrativa, Talese é famoso por defender que um bom repórter deve “sujar os sapatos”. É um grande crítico das novas tecnologias e provavelmente um dos poucos jornalistas no mundo que não utilizam e-mail. Apesar da confusão inicial, ele responde às perguntas, e em quinze minutos de conversa por telefone ele dá uma aula de jornalismo. Confira entrevista que Talese concedeu ao Trindade Times por telefone:
Trindade Times: Depois de escrever um livro sobre a história do Times, o que o senhor acha sobre a situação do jornal hoje? Ele mudou para melhor, para pior ou não mudou?
Gay Talese: Eu acho que mudou para melhor, porque as ameaças e as preocupações dos últimos anos tornaram os jornais melhores. E eu conheço o New York Times, esse é o jornal que eu leio.
TT: Então o senhor não acha que o jornalismo está em crise?
GT: Bem, não, eu não acho que esteja em crise, embora devesse estar em crise. Acho que tivemos notícias ruins há três, quatro anos e até no ano passado sobre o fato de que jornais vão ser obsoletos, coisas do passado, dinossauros, mas todas essas notícias ruins circularam nos anos passados. E eu acredito que essa crise teve um efeito positivo, fez as pessoas que trabalham em jornais, os editores e os donos de jornais fazerem um trabalho muito melhor, porque, às vezes, quando você está ameaçado, você reage com atenção. Acho que os jornais foram bastante desafiados pelo fantasma da tecnologia tornando os jornais obsoletos. Eles aprenderam com a crise.
TT: Escrever um livro sobre o Times, uma instituição cheia de segredos, não parece uma tarefa fácil para os jornalistas de hoje. O senhor acha que os personagens de antigamente eram mais acessíveis, ou que os repórteres de hoje têm preguiça de acessá-los?
GT: Eu vou te dizer o que é bom e o que é ruim. E eu falo pelos Estados Unidos, pois eu sei bem o que está acontecendo com a mídia americana. Os jornalistas de hoje tiveram uma educação muito melhor do que os da minha época. Eu tenho setenta e nove anos agora, comecei a trabalhar em jornais há quase cinquenta anos. Mais do que cinquenta! Comecei em 1953 como copyboy [algo parecido com copidesque]. Virei repórter aos 24 anos, em 1956. Eu nasci em 1932, então eu tinha 22 anos quando comecei. E na década de 50 os jornalistas não tinham uma educação tão boa quanto as pessoas no poder. Eles não eram tão educados quanto as pessoas sobre quem eles escreviam, ou sobre quem eles reportavam. Os jornalistas não tinham uma educação de elite, e geralmente eram filhos de pais que não frequentaram universidades. Meus pais, por exemplo, não estudaram em universidades, eu tenho antepassados italianos. A grande maioria dos repórteres era a classe mais baixa. Hoje não é mais assim. Hoje os repórteres não são mais a classe baixa, eles são tão bem educados quanto às pessoas que eles entrevistam. Quando eu tinha a idade deles e era um jornalista jovem, nós estudávamos em universidades, mas não nas de elite. Estudávamos nas universidades do Estado, que eram mais baratas. E quando nós entrevistávamos pessoas, nós éramos outsiders [marginal/rebelde, sem o sentido pejorativo]. Agora, hoje, o jornalista não é mais um outsider! O jornalista provavelmente estudou na mesma universidade que algumas das pessoas que estão no governo, em Wall Street, nas indústrias. Às vezes, o jornalista é amigo deles e estão na mesma classe social.

E o segundo fator é a maldita tecnologia, que tornou a classe educada ainda mais introspectiva. Eles pesquisam uns sobres os outros no Google, eles trocam e-mails e não aprendem o que não querem aprender, eles são muito direcionados para si mesmos. Os jornalistas de hoje são orientados por metas. Nos meus tempos, nós éramos mais serendipitosos, mais distraídos, nós meio que pesquisávamos por aí um pouco mais, demorávamos mais, as coisas não eram fáceis. A tecnologia deixou tudo muito rápido, muito fácil. Tudo é instantâneo! Você sabe o que quer, pesquisa no Google, encontra. Na minha época, você tinha que pesquisar em dicionários, bibliotecas, e demorava muito lendo enciclopédias. E às vezes você estava folheando a enciclopédia e descobria algo que nem sabia que queria! Você conseguia informação acidentalmente. E apesar de nós sermos mais lentos, nem sempre bem orientados por metas e talvez perdêssemos muito tempo, como resultado descobríamos coisas novas quando estávamos buscando informação. A vantagem disso é que nós compreendíamos melhor as informações, porque tínhamos mais tempo, e tempo para pensar. As pessoas não têm mais tempo para pensar! Elas só pensam pela metade.
E os repórteres… Eles pertencem à mesma classe que as fontes, não se distanciam, não são outsiders, eles não têm a noção de colocar o rosto na janela e observar as pessoas de fora para dentro. E não há ceticismo. Os repórteres costumavam ser céticos, muito céticos sobre tudo que escreviam. Agora as pessoas são inocentes, e não gastam muito tempo checando informação, tudo é tão rápido, elas nem têm tempo! Por causa dos deadlines – nós tínhamos deadlines, mas pelo menos nós tínhamos quatro, cinco ou seis horas, agora eles têm quatro, cinco ou seis minutos! E isso produziu um tipo de jornalismo instantâneo junk food, é isso que ele é. Jornalismo instantâneo junk food. O sabor é sempre o mesmo. É tudo rápido. Está em todo o lugar. É um jornalismo de franquia. E você não encontra versões diferentes. Todo mundo é muito esperto, todo mundo possui bons diplomas. Eles usam palavras melhores, o vocabulário é mais caro. E geralmente eles são mais refinados, mais privilegiados. Mas eles não são tão bons quando o assunto é revelar mentiras. O problema que nós tivemos com as armas de destruição de massa, que nos colocou na guerra do Iraque em 2002 e 2003, foi um resultado disso tudo que eu estou falando.
Na minha época, nós tínhamos grandes repórteres, um exemplo foi a Guerra do Vietnã. Aqueles repórteres realmente expunham as mentiras do governo dos Estados Unidos, em 1964, 65 e 66. Nós não temos mais repórteres assim. Esse negócio que está acontecendo, o Ocupe Wall Street, e que agora está por todo o mundo em pequenas ramificações. Isso é ótimo, porque não são os jornalistas que estão fazendo isso. Eles estão cobrindo agora, mas estão atrasados, como sempre. Assim como se atrasaram na revelação da fraude das armas de destruição em massa, que nos colocou naquela Guerra estúpida do Iraque, que ainda está acontecendo. Quando o assunto é expor os problemas, o jornalismo de hoje não está mais tão bom.
TT: O que o senhor recomendaria a um estudante de Jornalismo?
GT: Ceticismo. Não acredite em nada a menos que você mesmo possa provar. Não acredite em fontes secundárias. Não acredite em ninguém, até que você vá até lá, observe e tenha certeza de que está certo. Faça você mesmo, não delegue. Se levar um pouco mais de tempo, e daí? Você não tem que fazer em quatro minutos, faça em cinco horas, mas faça direito. Leve o tempo que precisar, porque o quê você escreve hoje significa algo sobre amanhã. Eles [jornalistas] pensam que escrevem hoje, e que amanhã tem outra coisa, e depois de amanhã outra, mas eles têm que saber que devem demorar mais. Faça um trabalho melhor. Faça um trabalho melhor porque as pessoas precisam saber a verdade, e elas não têm recebido muita verdade ultimamente. Elas recebem muita especulação, e muita informação que vem de fontes pouco confiáveis.
Entrevista concedida em 18 de outubro de 2011 para o jornal-mural
Trindade Times, atividade final da disciplina Edição, por Marília Marasciulo (
mariliamarasciulo@gmail.com ).