‘Nossos Monumentos’: homenagem a Betinho na abertura social da Praça da Cidadania

30/09/2016 16:15
Betinho descerra a placa do Monumento Contra a Fome. Foto: Acervo/Agecom/UFSC

Betinho descerra a placa do Monumento Contra a Fome. Foto: Acervo/Agecom/UFSC

A data era 13 de abril de 1994. O local, a UFSC. O convidado especial, o sociólogo Herbert José de Souza, o “Betinho”. O evento, a abertura social da Praça da Cidadania, espaço central da Universidade, em frente ao prédio da Reitoria. Na programação, aula magna com Betinho, sessão solene de entrega do título de Doutor Honoris Causa e inauguração do Monumento Contra a Fome, do artista plástico Plínio Verani Júnior. A solenidade ao ar livre foi aberta à comunidade universitária e geral, com a presença do reitor à época Antônio Diomário de Queiroz e autoridades locais.

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Aula magna com Betinho, na Praça da Cidadania, em 13 de abril de 1994. Foto: Acervo/Agecom/UFSC

Para inaugurar essa nova fase da UFSC, nada melhor que falar de causas sociais com um dos principais ícones no assunto. E para que a passagem e a mensagem de Betinho fossem registradas às gerações futuras, foi erguido um monumento em sua homenagem, ligado a uma de suas maiores lutas, o combate à fome e à miséria.

No projeto de humanização do campus, idealizado pelo arquiteto e paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994), foi prevista e implantada, em 1992, a Praça da Cidadania. Como parte do plano, a rua principal foi fechada para passagem de ônibus e carros, para se tornar, na gestão do professor Diomário (1992-1996), um lugar de integração, de livre expressão artística e cultural para as mais de 18 mil pessoas que na época circulavam diariamente pelo local. A abertura oficial da praça à sociedade ocorreu dois anos depois. O legado deste momento está simbolicamente registrado nesse monumento que carrega a frase de Betinho “A fome é crime ético”.

Betinho nasceu em Minas Gerais em 3 de novembro de 1935. Hemofílico, lidou por toda a sua vida com sérios problemas de saúde. Sua trajetória é referência de luta na redução das desigualdades sociais. Um de seus projetos mais significativos foi a Ação da Cidadania contra a miséria e a fome, lançada em 1993, que convocou a sociedade à doação e à distribuição de alimentos à população necessitada em todo o país. Betinho também se engajou nos movimentos operários e na luta pelas reformas de base. Morreu no dia 9 de agosto de 1997.

Foto: Ítalo Padilha/Agecom/UFSC

Foto: Ítalo Padilha/Agecom/UFSC

O Monumento Contra a Fome foi concebido pelo artista plástico catarinense Plínio Verani Júnior que trabalha com arte e cultura desde muito jovem. Formado pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, pós-graduado em Arte-Educação, lecionou por mais de dez anos na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Por opção própria, decidiu largar a docência para se dedicar de outra forma à arte. Já assinou diversos trabalhos utilizando diferentes técnicas, espalhados por várias cidades do estado e pelo país afora. Bustos, nem lembra o número certo, próximo de 100.

Foto: Facebook

Plínio Verani Júnior. Foto: Facebook

Morador de São José desde 1959, no Centro Histórico. Sua residência, que também é seu local de trabalho, fica próxima de uma de suas obras mais conhecidas, na praça central Arnoldo Souza, o Memorial da Colonização Açoriana (2002), feita em concreto armado.

Plínio recorda que foi chamado às pressas para “resolver um problema”. O desafio era criar um marco para a vinda de Betinho à UFSC em apenas dois dias. Baseou sua inspiração nas circunstâncias do momento, na filosofia de Betinho, e no que era possível produzir no pouco tempo estipulado. “Evidentemente não poderia pensar em um caminho plástico, que implicasse interferência, modelagem e outras coisas”. A solução tinha que ser rápida, então o artista teve a ideia dos montículos de pedras, presentes em inúmeras culturas pré-históricas. “São na verdade pedras tumulares, e o próprio conceito de túmulo decorrem daí; e a pedra em si remete ao sentido da permanência, de que alguém passou, está ou esteve ali. Um amontoado de pedras é quase um símbolo arquetípico humano”. Cita o exemplo do caminho de Santiago, as pedras demonstram que “alguma pessoa passou por ali e deixou a sua vibração, sua mente, seu ser, ou como túmulo, esse alguém pode ser uma pessoa, um povo”.

O artista relembra que, de caminhão, coletou as pedras, independente do tipo geológico, em vários pontos da ilha de Santa Catarina. A criação artística e a solução técnica precisaram também levar em conta o tempo de execução. E desta forma conseguiu realizar mais esse projeto, via Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu).

Mais de 20 anos se passaram deste importante momento histórico da instituição. As fotos em preto e branco revelam o decurso do tempo. O monumento, hoje, não está mais tão visível nem os motivos pelos quais foi construído. A natureza ao redor o escondeu, tornando-o parte do paisagismo e imperceptível às pessoas que passam. No topo das pedras brotaram folhagens, ficando aparente à placa.

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Sugestão do autor para a recuperação do conceito original do monumento. Montagem: Plínio Verani

Para que o Monumento Contra a Fome recupere o seu conceito original, o autor sugere que o mesmo seja descontextualizado do ambiente que o cerca. Poderia ser feito um trabalho simples de retirar as folhagens e no entorno chão batido. E também, mesmo que haja um distanciamento histórico, “colocar uma placa com um breve texto que levasse as pessoas à reflexão da questão da vida, da impermanência, da fome, da morte”, e de todos os fatores que a envolvem.

O monumento, que nasceu no mesmo dia da abertura social da Praça da Cidadania, feito especialmente para receber um personagem tão carismático de nossa história, pode ser visto próximo ao busto (2010) do primeiro reitor João David Ferreira Lima.

Rosiani Bion de Almeida/Agecom/UFSC

Com informações do livro “UFSC 50 anos: trajetórias e desafios” (2010).

 

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