UFSC aprova títulos a duas professoras por suas trajetórias de excelência e impacto social

28/10/2025 16:22

O Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) realizou na tarde desta terça-feira, 28 de outubro, sessão especial – transmitida ao vivo pelo canal do CUn no YouTube – para apreciar duas concessões de títulos: Doutora Honoris Causa in memoriam e Professora Emérita -, ambas solicitadas pela Cátedra Antonieta de Barros: Educação para a Igualdade Racial.

Dora Lúcia de Lima Bertúlio

Em reconhecimento a sua trajetória e impacto, foi proposta a concessão do título de Doutora Honoris Causa in memoriam à docente Dora Lúcia de Lima Bertúlio, destacando sua relevância como jurista, ativista e intelectual na promoção da igualdade racial e na luta contra o racismo no Brasil. A relatoria foi da conselheira Maria Denize Henrique Casagrande.

O título de Doutor Honoris Causa é concedido pela UFSC “a pessoas eminentes, que não necessariamente sejam portadoras de um diploma universitário mas que se tenham destacado em determinada área (artes, ciências, filosofia, letras, promoção da paz, de causas humanitárias etc), por sua boa reputação, virtude, mérito ou ações de serviço que transcendam famílias, pessoas ou instituições”.

Dora Lúcia de Lima Bertúlio foi uma jurista, professora, ativista e intelectual catarinense, nascida em Itajaí, Santa Catarina, em 1949. Ao longo de sua vida, consolidou-se como uma referência na defesa da justiça social, na luta contra o racismo estrutural e na construção de políticas públicas voltadas à igualdade racial no Brasil. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Dora desenvolveu uma trajetória profissional e acadêmica marcada pelo compromisso com a democratização do acesso à educação e pela promoção da equidade racial no espaço jurídico.

Desde jovem, Dora demonstrou comprometimento com questões sociais. Aos 18 anos, foi aprovada em concurso público municipal e ingressou na Faculdade de Direito do Paraná, onde participou ativamente da militância estudantil. Durante a graduação, aprofundou seus estudos sobre questões políticas, mas o foco na questão racial só surgiu mais tarde, durante seu mestrado na UFSC. Nesse período, Dora começou a articular debates sobre raça e racismo, enfrentando com coragem a predominância da perspectiva de classe nos ambientes universitários. Sua dissertação, intitulada Direito e Relações Raciais: uma introdução crítica ao racismo, foi um marco na teoria crítica do Direito brasileiro, ao desafiar o pensamento jurídico tradicional e abordar as imbricações entre Direito, raça e racismo. A dissertação, defendida em uma sala repleta de pessoas negras que celebravam esse momento histórico, foi publicada como livro décadas depois, em 2019, consolidando seu impacto no campo jurídico.

Além de sua atuação acadêmica, Dora foi uma pioneira na implementação de políticas de ações afirmativas no ensino superior. Durante sua gestão como Procuradora Federal da Universidade Federal do Paraná, desempenhou um papel crucial na institucionalização das políticas de cotas raciais e sociais, tornando a UFPR uma das primeiras universidades brasileiras a adotar tais medidas. Essa atuação foi fundamental para a consolidação das ações afirmativas como instrumentos constitucionais e éticos no combate às desigualdades raciais no Brasil. Dora também colaborou com a Fundação Cultural Palmares, onde trabalhou na preservação e valorização das culturas afro-brasileiras, contribuindo para a formulação de políticas públicas voltadas à reparação histórica das comunidades negras.

Sua militância e compromisso com a equidade racial transcenderam o ambiente acadêmico e se manifestaram em diversas frentes. Dora participou da Conferência de Durban, onde assessorou a delegação oficial brasileira, e integrou a Comissão de Juristas instituída pela Presidência da Câmara dos Deputados, dedicada ao aperfeiçoamento da legislação contra o racismo estrutural e institucional. Sua atuação foi marcada por um profundo senso de responsabilidade e por uma visão interdisciplinar, que buscava unir o Direito à história, filosofia e outras áreas do conhecimento para compreender e enfrentar o racismo.

Dora também deixou sua marca como educadora e como fundadora de espaços de debate racial. Na Universidade Federal de Mato Grosso, criou, junto à professora Ana Maria Rodrigues Ribeiro, a Associação de Mulheres e Mulheres Negras, que mais tarde se transformou em um núcleo de estudos. Em Florianópolis, foi cofundadora do Núcleo de Estudos Negros (NEN), dedicado à promoção do letramento racial e à análise crítica das dimensões do racismo na sociedade brasileira.

Seu legado é marcado por sua capacidade de transformar suas experiências pessoais e profissionais em contribuições concretas para a luta contra o racismo. Dora enfrentou desafios, como a perda de suas pesquisas durante o doutorado, mas nunca desistiu de sua militância antirracista. Mesmo em seus últimos anos, continuou a influenciar a formulação de políticas públicas e o debate jurídico no Brasil. Dora Lúcia faleceu em 14 de fevereiro de 2025, aos 76 anos, mas suas ideias e contribuições permanecem vivas, ecoando nas universidades, tribunais e espaços de luta por justiça social. Seu nome é sinônimo de resistência, inovação e compromisso com a construção de um Brasil mais justo e igualitário.

Luzinete Simões Minella

O segundo título avaliado pelo Conselho Universitário foi a de Professora Emérita à Luzinete Simões Minella, a mais alta distinção honorífica concedida pela UFSC a docentes aposentadas que se destacaram por sua excelência acadêmica, por sua dedicação à causa pública e pelos relevantes serviços prestados à Universidade e à educação. A relatoria foi da conselheira Marlene Grade.

Luzinete Simões Minella é uma professora, pesquisadora e intelectual de destaque, cuja trajetória acadêmica, marcada pelo rigor científico e pela sensibilidade, consolidou sua importância no cenário nacional e internacional, especialmente nos campos dos estudos de gênero e feminismos. Graduada e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutora em Sociologia pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e com pós-doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luzinete dedicou sua vida ao ensino, à pesquisa e à formação de novas gerações de cientistas sociais. Sua carreira acadêmica iniciou-se na UFBA, onde lecionou no Departamento de Sociologia entre 1975 e 1991. Posteriormente, transferiu-se para a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde atuou como professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, contribuindo significativamente para a consolidação desses espaços como polos de excelência acadêmica.

Mesmo após sua aposentadoria, Luzinete continuou a dedicar-se à universidade como professora voluntária no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH), onde coordenou por vários anos a Área de Concentração em Estudos de Gênero, transformando-a em um eixo estruturante do programa e referência nacional e internacional. Também integrou o Instituto de Estudos de Gênero (IEG/UFSC), desempenhando papel central em seus projetos, eventos e publicações, além de contribuir para a institucionalização dos estudos feministas na universidade. Sua atuação como coordenadora editorial da Revista Estudos Feministas em diferentes momentos foi fundamental para projetar o periódico como um dos mais importantes da América Latina no campo.

A obra de Luzinete aborda com profundidade temas como gênero, ciência, saúde reprodutiva, infância e saúde mental, sempre partindo de um olhar crítico e sensível às relações de poder e às desigualdades sociais. Autora de diversos artigos, capítulos de livros e da obra autoral Gênero e Contracepção: uma perspectiva sociológica, sua produção acadêmica alia rigor metodológico e empatia, refletindo seu compromisso com a ciência como forma de resistência e transformação social. Luzinete também se destacou como orientadora de teses e dissertações, formando pesquisadoras e pesquisadores que hoje seguem ampliando seu legado intelectual e ético.

Sua trajetória é marcada por um compromisso inabalável com a promoção de uma ciência que liberta e transforma, unindo pensamento crítico e ternura. Entre suas muitas contribuições, destaca-se seu papel na coordenação do Seminário Internacional Fazendo Gênero, na consolidação da área de Gênero e Sexualidade no PPGICH e em sua atuação na Rede Brasileira de Ciência, Tecnologia e Gênero, que promove a crítica feminista da ciência e amplia a presença das mulheres na produção científica. Luzinete é reconhecida por sua capacidade de unir ciência e afeto, transformando a pesquisa em um gesto político e ético, com impacto que ultrapassa os muros da academia e reverbera em políticas públicas e movimentos sociais.

Sua vida acadêmica é um testemunho de coerência, generosidade e compromisso com a construção de uma universidade pública mais democrática, inclusiva e socialmente referenciada. Luzinete Simões Minella transformou cada aula, pesquisa e orientação em um ato de escuta e cuidado, inspirando suas alunas e alunos a enxergar o humano por trás das estatísticas e a lutar por um mundo mais justo. Sua presença e sua obra são sementes de transformação, que continuam a florescer em cada mente e coração tocados por seu trabalho. Conceder a ela o título de Professora Emérita é não apenas um reconhecimento de sua trajetória excepcional, mas também uma celebração de seu papel como uma das principais responsáveis por fortalecer os estudos feministas e de gênero na UFSC e no Brasil.

Ambas as trajetórias foram analisadas e aprovadas por ampla maioria dos(as) conselheiros(as). Ao final, a vice-reitora e coordenadora da Cátedra Antonieta de Barros, Joana Célia dos Passos, expressou sua gratidão pela acolhida e aprovação das honrarias. “No Dia da Servidora Pública, reconhecer duas mulheres negras que tanto contribuíram para a universidade e para a sociedade é um gesto histórico. Luzinete, que ainda segue atuando conosco, e Dora Lúcia, que deixou um legado imensurável, representam trajetórias de excelência e dedicação. Agradeço a cada um e a cada uma que tornou isso possível, especialmente às pareceristas das instâncias das unidades de ensino e do Conselho Universitário”, concluiu, encerrando a sessão especial.

 

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