Laboratório da UFSC trabalha em projeto para autonomia da indústria de automóveis no Brasil

10/04/2024 10:22

O Laboratório de Materiais da UFSC foi contratado para um projeto que promete alavancar a indústria automotiva nacional. Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

O Laboratório de Materiais (LabMat) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) desenvolve, desde outubro de 2023, um projeto cujos objetivos são alavancar a indústria nacional – principalmente a de automóveis – e diminuir a dependência de insumos produzidos no exterior. Ao longo dos próximos três anos, o projeto irá desenvolver equipamento inédito no país, além de capacitar e incentivar a indústria nacional em uma nova modalidade de negócio. 

O investimento do Governo Federal é da ordem de R$ 17 milhões, neste que é, na avaliação da Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (Propesq) da UFSC, um dos projetos mais robustos que a UFSC já participou.

A gestão é da Fundação de Apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (Fundep), responsável pela coordenação da Linha IV – Ferramentarias Brasileiras mais Competitivas do programa prioritário Mobilidade Verde e Inovação, substituto do Rota 2030. A gestão do projeto no âmbito da UFSC está a cargo da Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina (Feesc).

O professor Cristiano Binder, do Departamento de Engenharia Mecânica, coordena a iniciativa. Ele explica que a principal aplicação dessa tecnologia, no montante em que foi contratado, está na indústria automotiva de grande porte. “Trata-se de um projeto nacional que direciona os recursos de impostos cobrados de produtos importados para injetar na pesquisa e desenvolvimento desses insumos no Brasil”, explica o docente. 

Desde o botão do pisca-alerta até o chassi, as peças de um carro precisam ser moldadas utilizando uma ferramenta. O processo de nitretação a plasma, realizado pelo LabMat, amplia a vida útil dessas ferramentas e é a chave para aumentar a competitividade da indústria automotiva brasileira. Foto: Divulgação

O Rota 2030, um projeto de longo prazo, foi substituído em dezembro pelo Programa Mover – Mobilidade Verde e Inovação, que mantém em andamento os projetos já contratados e prevê maior investimento nacional em pesquisa e desenvolvimento para a descarbonização do setor, com o uso de tecnologias de fontes de energia renováveis, e melhoria dos processos de mobilidade, com o desenvolvimento de veículos mais eficientes. O professor Cristiano Binder ressalta que são muitas e variadas as linhas de trabalho, e o programa busca de formas variadas chegar ao resultado final de uma indústria nacional fortalecida. 

O projeto do qual o Labmat participa é voltado à indústria de ferramentaria veicular, que são os moldes utilizados para a produção das milhares de peças envolvidas na fabricação de veículos. Desde o chassi até o botão de pisca-alerta, cada peça precisa ser moldada utilizando uma ferramenta. E o processo de nitretação a plasma que o Labmat realiza, importante tecnologia para ampliar a vida útil de equipamentos de estampagem industrial, é a chave para aumentar a competitividade da indústria automotiva brasileira. 

Segundo o pró-reitor de Pesquisa e Inovação da UFSC, Jacques Mick, a Universidade é uma das que possuem maior volume de contratos na primeira fase do Rota 2030: foram três projetos em 2021; três em 2022 e oito em 2023. “Nossa instituição tem uma história de proximidade com a indústria brasileira, temos uma unidade Embrapii especializada em máquinas e equipamentos para mobilidade e uma série de convênios de pesquisa com fábricas importantes do setor automotivo. Com o projeto de nitretação a plasma, queremos contribuir para que a indústria brasileira deixe de depender de insumos importados, ampliando a força e a autonomia das ferramentarias na região e no país”, salientou o gestor.

Passo a passo

A nitretação a plasma já é realizada no LabMat para pequenas ferramentas. O objetivo do projeto atual é construir uma máquina de nitretação que seja capaz de aplicar o tratamento em ferramentas do tamanho da lateral de um carro. (Foto: Divulgação/LabMat)

“O capô de um veículo é uma chapa de metal, que você estampa no formato dele. Somando todas as ferramentas que você precisa para fabricar um carro, são necessárias três mil ferramentas. Algumas são baratas, custam alguns milhares de reais, outras são grandes, como para um veículo maior, uma caminhonete, um caminhão. Um chassi de, por exemplo, três ou quatro metros precisa de uma ferramenta que pode custar até R$ 6 milhões”, exemplifica Cristiano. 

Ele ressalta que atualmente o Brasil conta com cerca de cinco mil empresas que produzem essas ferramentas. “Dessas, temos duas mil que prestam serviços terceirizados para as montadoras. Outras três mil estão dentro das próprias montadoras de veículos. Essas duas mil pequenas empresas que prestam serviços integram um setor que hoje não é tão competitivo a nível global. Concorrem com ferramentarias chinesas que conseguem vender a um preço muito menor. Essa concorrência é algo que o Governo do Brasil quer solucionar com esses projetos, trazer melhor competitividade para nossas pequenas empresas”, elucida o professor. Segundo ele, países como Portugal já exportam suas ferramentas para a indústria automotiva, e o Brasil ainda não consegue participar desse mercado global.

“Esse é o nosso público-alvo, essas ferramentarias menores”, diz Cristiano. E a chave para tornar essas empresas mais competitivas está no processo de nitretação a plasma – algo que reveste as ferramentas e evita seu desgaste precoce. O processo é um tratamento termoquímico, que consiste em uma descarga elétrica em um gás contendo nitrogênio a baixa pressão, bombardeando de íons e de espécies neutras a superfície metálica que se quer proteger. O resultado é maior dureza e resistência ao desgaste e corrosão.

Esse tratamento, especialmente para peças grandes, explica o professor, não há uma empresa que faça no Brasil. Portanto, a ausência dessa tecnologia nacional faz com que as cerca de 30 montadoras brasileiras justifiquem a busca por ferramentas no exterior, alegando a economicidade de ter ferramentas mais duráveis. 

O Labmat foi procurado para suprir essa necessidade de desenvolvimento de uma indústria nacional de nitretação a plasma de ferramentas de grande porte. Foi uma encomenda tecnológica, explica Cristiano, porque o programa buscou a Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) que tivesse reconhecida expertise necessária. “O Labmat tem 50 anos, um trabalho que o professor Aloisio Klein realiza há mais de 40 anos, juntamente com outros professores e pesquisadores pioneiros que apostaram em desenvolver essa tecnologia aqui no laboratório. Então o programa viu o nosso número de patentes e publicações relacionadas e nos solicitou essa demanda tecnológica”, complementa.

Contratação ágil

A contratação do Labmat para desenvolver esse projeto foi um diferencial. “Eu vejo com isso um reconhecimento técnico do nosso trabalho. O processo começou em maio de 2023 e o contrato foi assinado em outubro. Foi um desafio grande, um prazo curto de comprometimento do recurso. Recebemos a minuta do contrato e em seis dias conseguimos agilizar essa contratação, por meio da Propesq. É um motivo de muito orgulho e satisfação que nossa tramitação tenha sido tão ágil, sinal que a UFSC tem se profissionalizado muito ao longo dos anos”, elogia o professor.

>> Conheça a história do Laboratório de Materiais da UFSC

“É um resultado que nos motiva a seguir buscando projetos estratégicos para a UFSC e para o país”, complementa Jacques Mick, da Propesq.

Objetivos

Supervisor técnico do LabMat, Frederico Pereira Junior, trabalha nos reatores do laboratório. Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

Projetar e construir uma máquina que possa realizar a nitretação a plasma de ferramentas de até 20 toneladas é um dos objetivos do projeto do Labmat. As dimensões estimadas seria algo em torno de um metro de altura, três metros de largura e cinco metros de comprimento. Durante os dois primeiros anos, além de construir a máquina, o Labmat deverá validar seu funcionamento, com a ajuda de empresas do setor. Outro produto, a ser desenvolvido ao longo dos três anos do projeto, é um plano de negócios para o setor. “Teremos vários caminhos possíveis para ao final do processo termos um plano de negócio detalhado, que auxilie empresas nacionais a construírem essas máquinas, ou ainda, prestarem o serviço de nitretação a plasma, ou mesmo que tenha uma demanda interna, dentro de sua própria linha de produção, e que possam desenvolver essa tecnologia dentro de suas empresas. Não é um projeto para a empresa A, B, ou C. É um projeto para todo um setor”. 

Cristiano Binder relata que a intenção é lançar uma chamada para que empresas de todo o Brasil possam participar do projeto, seja contribuindo com profissionais para o laboratório da UFSC, ou ainda acompanhando a distância cada etapa de desenvolvimento. “A ideia é oferecer várias possibilidades de participação, para que depois todos possam aproveitar esses resultados”. O edital deverá ser publicado pela Fundep em abril de 2024 e aceitará a participação de empresas que não possam contribuir com insumos, profissionais ou financeiramente. O objetivo é facilitar o acompanhamento de perto e fomentar um ecossistema estruturante. “Teremos sempre portas abertas. Isso é algo fantástico, não é uma pesquisa e desenvolvimento para uma empresa que pode investir, é para todo um setor, desde as menores empresas até as maiores. Essa é a virtude que a universidade pública pode oferecer ao país,” explica.

Durante o último ano de projeto, após a construção da máquina, o Labmat irá prestar serviços às empresas que levarão a tecnologia para a sua linha de produção. “Nesse último ano então faremos o acompanhamento das empresas, com suporte, com projeto, plano de negócio, possibilitando a troca de experiências para que a indústria possa adquirir esse conhecimento. Nosso foco como Universidade está também na formação de pessoas, recursos humanos que irão multiplicar esses conhecimentos, então será um ano voltado à capacitação”, elucida o professor.

Como legado, a UFSC terá condições de criar um núcleo de pesquisa em materiais, com a nova máquina construída e uma série de outros equipamentos para caracterização de superfícies, e outros fins. “Fica uma estrutura instalada completa para novos projetos nessa área. Consolida assim um núcleo para muitos outros projetos futuros”, conclui.

 

 

Mayra Cajueiro Warren | mayra.cajueiro@ufsc.br
Jornalista da Agecom| UFSC

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