UFSC na Mídia: matéria da Revista Pesquisa Fapesp destaca trabalho da UFSC envolvendo etanol
As artesãs do etanol
Carlos Fioravanti, de Nova Europa
Edição Impressa 165 – Novembro 2009
Pesquisa FAPESP – © Eduardo Cesar
Em menos de cinco minutos, as correntes de um guindaste inclinam uma carreta e despejam 30 toneladas de cana em uma esteira no início da linha de produção de açúcar e álcool da Usina Santa Fé, em Nova Europa, região central do estado de São Paulo. A carreta sai e um trator traz outra e depois outra, dia e noite, sem parar. A cana segue pela esteira, passa por máquinas que a trituram e extraem o caldo verde que se transforma em açúcar após purificação e evaporação. Mais adiante, nas dornas de fermentação – tanques de 25 metros de altura –, começa a transformação de açúcar em etanol, que depende de linhagens específicas de um tipo de fungo, a levedura Saccharomyces cerevisiae, o mesmo microrganismo unicelular usado para fazer pão, cerveja e vinho.
“Até pouco tempo atrás, não sabíamos o que acontecia lá dentro”, conta Cláudio Câmara, gerente de processos da usina, apontando para os tanques. “Só sabíamos que a fermentação terminava bem.” Depois de usar várias linhagens de Saccharomyces cerevisiae adequadas a menores volumes de produção, a Santa Fé adotou uma combinação de quatro variedades de leveduras para dar conta da produção de 1 milhão de litros de álcool por dia, que enchem 30 caminhões.
“Foi o melhor que conseguimos”, diz. Ele gostaria de usar menos variedades de levedura ou menos levedura – a fermentação começa com 600 quilos de leveduras colocadas em um tanque com 80 mil litros de mosto, o açúcar diluído. “Mas, com esse volume de produção, não podemos correr riscos.” Antes reconhecidas apenas pela capacidade de transformar açúcar de cana em álcool combustível, essas linhagens de leveduras são agora um pouco mais conhecidas e respeitadas.
Dois estudos – um da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e outro da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – examinam o conjunto de genes (genoma) das linhagens de leveduras usadas na produção de etanol e descrevem os mecanismos que permitem a elas produzir álcool com rapidez e eficiência. A partir dessas informações, os pesquisadores estão agora motivados para buscar – ou construir – variedades mais adaptadas às dornas de fermentação. “Talvez o desempenho das leveduras de uso industrial melhore se conseguirmos remover ou desativar alguns genes”, acredita Gonçalo Pereira, coordenador da equipe da Unicamp.
Um dos argumentos que alimentam essa possibilidade é que o rendimento da produção de álcool ainda está abaixo do máximo teórico. Hoje as leveduras produzem 0,46 grama de etanol para cada grama de açúcar, segundo Sílvio Andrietta, pesquisador da Unicamp. “O máximo teórico é de 0,51”, diz ele. “Chegamos a 90% do máximo teórico.” Se der certo, o impacto econômico pode ser grande. “Se a eficiência do processo aumentar 5%, já será um ganho extraordinário, em vista dos elevados volumes de produção”, diz o engenheiro químico Saul Gonçalves D’Ávila, professor emérito da Unicamp que acompanha uma das equipes. Este ano 350 usinas devem produzir 27,5 bilhões de litros de etanol.
Agora conhecido, o conjunto de genes próprio das leveduras que produzem etanol explica como essas variedades se tornaram robustas como um jipe, capazes de sobreviver ao calor intenso e de vencer a competição com leveduras selvagens que vêm com a cana e com outros microrganismos, todos ávidos pelo açúcar abundante nos tanques. “O processo de produção de etanol no Brasil é bastante suscetível à contaminação por microrganismos, que reduzem a produtividade”, comenta Gustavo Goldman, professor da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, especialista em genoma de fungos.