Curso de Jornalismo da UFSC completa 30 anos

01/04/2009 10:48

Fotos: Paulo Noronha/ Agecom

Fotos: Paulo Noronha/ Agecom

Aula magna, realizada no dia 30/03, no auditório do Centro de Comunicação e Expressão, relembrou fatos relacionados à criação do curso. Exigência da formação superior em Jornalismo está na pauta da sessão de hoje do Supremo Tribunal Federal

O quadro, em 1978, era de censura, de jornalistas e manifestantes calados em nome da Lei de Segurança Nacional. Na lembrança estava a morte do jornalista Vladimir Herzog, que foi torturado para explicar a sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro e que morreu, supostamente ao se enforcar com um cinto. Era ditadura.

Jornalistas de fora de Santa Catarina e interessados em fundar o primeiro curso de jornalismo no estado travavam lutas desde 1973, para a sua criação. Paulo Brito era um deles. “Quando o curso começou, já havia televisão na cidade, os jornais eram impressos em rotativas e publicavam fotos dos jogadores do Avaí e Figueirense. Havia um mercado para jornalistas”.

Mas foi somente em 8 de março de 1979 que nasceu Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. O primeiro coordenador, o jornalista Moacir Pereira, lembra que um nome tem que ser homenageado neste aniversário de 30 anos. “Foi preciso que uma pessoa – Caspar Erich Stemmer, o reitor da UFSC na época – com formação fora da área de comunicação, tivesse a sensibilidade para perceber que Santa Catarina precisava criar um curso de Jornalismo”. Moacir relata também que em Florianópolis havia um movimento contrário a sua criação. Empresários, jornalistas e a própria imprensa diziam que o mercado já estava saturado, que não havia professores, e que o “jornalista já nasce feito”. O único jornal catarinense que apoiava o curso era o Jornal de Santa Catarina.

“Ouço a frase ‘não é o diploma que faz o jornalista’ desde que comecei a dizer, na redação de O Estado, em 1972, que pretendia fazer o curso de Jornalismo. Aquela lenda urbana, segundo a qual jornalismo se aprende fazendo, não se sustenta. Primeiro, porque as redações estão tão ‘enxutas’ que ninguém tem tempo de conversar trivialidades, quanto mais de fazer transmissão de tecnologia e vivências. Depois, porque há cada vez menos jornalistas experientes nas redações”, diz o jornalista César Valente, um dos fundadores do curso.

A graduação era, em sua essência e prática, democrática. Exemplo disso é o regime paritário que dava igualdade de direitos de decisão aos alunos, professores e servidores. Segundo o professor Moacir Pereira, o lema era “liberdade, consciência crítica e responsabilidade”. Os primeiros anos foram de intensa participação na vida política do Estado.

O professor Eduardo Meditsch conta que foi dos corredores do Jornalismo que saiu o movimento das Diretas Já em SC. O ex-aluno e atual Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo de Andrade, ressalta a importância que o curso teve no cenário político. “Esse curso sempre esteve na liderança de grandes lutas. Muito do que a gente viu, vê e considera uma conquista, é criação dos alunos e professores do curso de Jornalismo”.

Mas quando a primeira turma se formou, em 1982, foram observadas deficiências do ponto de vista técnico e científico. O curso funcionava com espaço físico reduzido, tinha poucos equipamentos e quase nenhuma estrutura laboratorial. Esta era uma das razões para que os alunos protestassem, lembra o Diretor do Centro de Comunicação e Expressão, Prof. Felício Wesslign Margotti. “Lembro-me de quando os alunos colocaram as máquinas de escrever dentro de um carrinho de supermercado e foram protestar na Reitoria”. O ex-secretário do curso, Dalton Barreto, conta que “os estudantes iam à Reitoria para terem aulas lá. Era uma forma de protesto pelo pouco espaço no curso”.

Uma imagem desses primeiros anos do Jornalismo da UFSC apareceu publicada no Coojornal de Porto Alegre, em 1982, apresentada como “A Faculdade Alternativa” num tempo em que “alternativo” significava estar do lado certo, na luta contra a ditadura e o bloco de forças conservadoras que a sustentavam no poder.

No entanto, em 1984, constatou-se a inviabilidade de se levar adiante um projeto estritamente político e muitos professores deixaram a universidade. A reconstrução começou em 1988, sem que a formação política fosse descartada, mas com cuidado para que não se sobrepujasse às outras. Era necessária a adaptação às realidades do mercado.

A década de 1990 marcou a consolidação do projeto que visava à formação profissional de jornalistas. Exemplo disso foi o programa diário de rádio “Universidade Aberta”, produzido por alunos. Em 1996, o projeto se ampliou para a TV, em 1997, para a mídia impressa e em 1998 criou o primeiro site jornalístico de SC, antecipando-se às empresas de comunicação.

Em 2006, o curso recebeu conceito máximo (nota 5) no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade).

Quanto à estrutura, pode-se dizer que melhorou bastante em relação ao seu princípio. São laboratórios de infografia, fotografia, televisão, novas mídias, rádio e redação. No corpo docente estão 21 professores efetivos e cinco substitutos. Nos projetos, há desde a mídia impressa, o Jornal Laboratório Impresso Zero, até os mais recentes estudos sobre TV digital, no Núcleo de TV Digital Interativa. Por semestre são aprovados 30 estudantes no vestibular.

O curso é o único no Brasil a dedicar formação exclusivamente para o jornalismo. O coordenador e ex-aluno, Áureo Mafra de Moraes, informa que o MEC está discutindo novas diretrizes curriculares nos cursos de comunicação e que a tendência é adotar o modelo praticado pela faculdade da UFSC.

Extinguir a regulamentação profissional não abrirá mercado de trabalho, não abrirá novos canais de expressão, não aliviará em nada a vida daqueles que acham que não têm voz. Mas, é claro, será uma maravilha para as empresas, que ficarão livres dessa legislação ‘fascista’ que tanto as incomoda”César Valente

E depois de 30 anos, alguns dos fundadores, Moacir Pereira, César Valente, Paulo Brito e Maria Elena Hermosilla foram dar uma aula inaugural assistida por um auditório lotado de alunos, ex-alunos, professores, além do Reitor Álvaro Prata, do Presidente da Fenaj, Sérgio Murillo, e do Presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJSC), Rubens Lunge. O tema era a visão sobre a formação do curso superior e do mercado de trabalho. “Quem faz o mercado são vocês”, segundo Paulo Brito.

Mas o assunto mais debatido foi a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão de jornalista. “Mesmo com a legislação atual, qualquer pessoa pode escrever, remuneradamente ou não, nos jornais.

Extinguir a regulamentação profissional não abrirá mercado de trabalho, não abrirá novos canais de expressão, não aliviará em nada a vida daqueles que acham que não têm voz. Mas, é claro, será uma maravilha para as empresas, que ficarão livres dessa legislação ‘fascista’ que tanto as incomoda”, analisa o jornalista César Valente.

A Fenaj defende que são pertinentes a exigência de registro e a formação acadêmica, pois a atuação nesta área não prescinde de conhecimentos técnicos específicos e, sobretudo, de preceitos éticos.

No local, só foram encontradas pessoas favoráveis à obrigatoriedade do diploma. O presidente da Fenaj ainda ressalta que “a não-obrigatoriedade do diploma é um golpe, sim, para a categoria, mas é um golpe maior para a sociedade. Nós estamos do lado da verdade”.

Assim, encontra redigido o art. 4º do Decreto-lei nº 972/69: “O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social que se fará mediante a apresentação de (…) diploma de curso superior de jornalismo, oficial ou reconhecido, registrado no Ministério da Educação e Cultura ou em instituição por este credenciada”.

O Supremo Tribunal Federal pretende dar fim, neste dia 1° de abril, à exigência da formação superior em jornalismo.

Entrevista

Moacir Pereira, primeiro coordenador do curso

O que levou vocês a criarem o curso de jornalismo na UFSC?

O exercício do jornalismo, pelo Decreto-Lei 972, de 1969, exigia formação universitária. Segundo, a convicção pessoal sobre a importância da formação acadêmica. Terceiro, a constatação de que no Brasil inteiro os Estados tinham cursos superiores de Jornalismo. Finalmente, o convencimento de que só a Universidade poderia garantir consciência crítica, conhecimentos universais, postura ética e habilitação técnica.

Quais foram as maiores dificuldades que os fundadores encontram para a formação deste novo curso?

Começava com a contestação de vários jornalistas, alguns colunistas famosos, que se opunham ostensivamente à idéia. “Jornalista nasce feito, traz o sangue nas veias”, alegavam. Os precedentes também não ajudavam. Um grupo de trabalho concluiu pela não instalação do Curso em 1973. Não fora a visão do reitor Caspar Erich Stemmer, o curso não teria sido criado. Ele foi determinante e determinado. Procurou agilizar tudo no Conselho Federal de Educação e no MEC. E ofereceu as condições mínimas – ainda que precárias – para instalação da Coordenação do Curso no prédio da Imprensa Universitária. Havia, ainda, a má vontade dos empresários, contrários ao curso superior. Alegavam que não havia mercado de trabalho. O cenário geral era recheado de obstáculos a superar.

Qual a importância da formação acadêmica para o profissional jornalista?

Não consigo vislumbrar o exercício do jornalismo sem a formação acadêmica. É preciso muito mais, como leitura, atualização constante, domínio das novas tecnologias, aprimoramento ético e outras condições humanas e profissionais. Mas uma boa universidade sempre fará o diferencial. Jornalismo é atividade muito séria, de múltiplas responsabilidades, para ser exercido por quem não tem habilitação. No geral, os bons jornalistas saem das universidades.

Por Maria Luíza Gil/ Bolsista de Jornalismo na Agecom