ESPECIAL PESQUISA: UFSC colabora com esforço nacional de estudo do biodiesel

05/09/2007 14:31

Desafio: chegar a processos de produção mais limpos

Desafio: chegar a processos de produção mais limpos

A partir de 2008, será obrigatória a adição de 2% de biodiesel, o B2, ao diesel vendido no Brasil. Em 2013, esse percentual deve chegar a 5%. Para cumprir a lei, o país precisará produzir mais de dois bilhões de litros de biodiesel ao ano. Atualmente, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), são produzidos apenas cerca de 650 milhões litros/ ano. Diante desse desafio, vários centros de pesquisa realizam estudos sobre processos químicos e o potencial das plantas, colocando em suas pautas os benefícios sócio-econômicos do biodiesel. A UFSC também participa desse processo.

Uma equipe do Laboratório de Engenharia Bioquímica (Engebio), ligado ao Departamento de Engenharia Química, pesquisa diferentes modos de obtenção deste combustível renovável, a partir de várias matérias-primas brasileiras. Há quase três anos, o químico Américo Cruz, com mestrado na área concluído em julho deste ano, iniciou as pesquisas em produção de biodiesel a partir da reutilização do óleo de soja do Restaurante Universitário.

Américo conta que apesar da necessidade de grande quantidade deste tipo de óleo para produzir biodiesel, a reação possui um alto rendimento, de 95 a 100%. E como é possível misturar vários tipos de biodiesel, a quantidade para conversão não é um problema. Assim, na opinião de Américo, não se deve descartar essa alternativa, principalmente pelo benefício ambiental. Despejado em locais impróprios, o óleo de soja prejudica a oxigenação das águas, causa entupimento das tubulações e impermeabilidade do solo.

Benefícios

Esta e outras preocupações com o meio ambiente têm levado a população a mudar alguns hábitos diários e isso também se reflete nas ações governamentais, com a busca de fontes renováveis de energia. Como uma eficiente alternativa ao diesel de petróleo, principal combustível consumido no Brasil, o biodiesel traz benefícios ambientais e sócio-econômicos ao país.

É produzido a partir de fontes renováveis como óleos vegetais, gorduras animais e óleos utilizados na fritura de alimentos, em uma reação com um álcool simples, como etanol e metanol. A dissertação de Américo, por exemplo, trata da obtenção do biocombustível a partir da reação enzimática, com a enzima lipase, de óleo de mamona, planta reconhecida na produção de plásticos, lubrificantes e remédios.

O programa de biodiesel do governo federal estima que 40% da produção de biodiesel, B2 e B5, seja feita a partir desta oleaginosa. Com suas pesquisas, Américo concluiu que a reação de transesterificação com óleo de mamona possui um rendimento superior a 90%, o que confirma a viabilidade da produção. A mamona possui uma baixa produtividade econômica, porém é de fácil cultivo, o que estimularia a agricultura familiar, principalmente no semi-árido nordestino e daria um novo status à planta. Além disso, por sua lubricidade, Américo afirma que este tipo de biodiesel elevaria a vida útil do motor.

Inovação

A obtenção do biodiesel no Engebio se dá através do processo químico chamado transesterificação com álcool etílico, preferível por ser renovável e por sua combustão ser mais limpa. Este processo é o mais utilizado atualmente no Brasil, mas Américo cita algumas diferenças na produção do grupo. A principal seria a utilização de um biocatalisador, a enzima lipase, ao invés de catalisadores alcalinos, usados tradicionalmente. Esta mudança torna o processo mais limpo, sem efluentes alcalinos, não sendo necessário o tratamento posterior dos resíduos.

A intenção do laboratório é testar o que produz, talvez em parceria com os outros setores de engenharia da UFSC. O que já se faz é o reaproveitamento de alguns subprodutos de reações em outras pesquisas, como o uso do glicerol, subproduto da produção de biodiesel, na fabricação do plástico biodegradável.

O processo de transesterificação com biocatalizador enzimático é pesquisado no Brasil e no mundo, mas questiona-se o seu custo. Américo acredita que além da vantagem ambiental, a reação com biocatalisador é econômica, pois ele é reaproveitado inúmeras vezes. Além disso, a enzima lipase tende a ficar mais barata, pois é utilizada largamente nas indústrias de detergentes e sabão em pó.

O custo da enzima é um dos motivos do encarecimento do processo. A empresa Novozymes é a líder mundial em biotecnologia de enzimas. Para mostrar que é possível produzir biodiesel por meio da catálise enzimática de um jeito mais barato, muitos pesquisadores estão cultivando sua própria enzima. O cultivo da enzima lipase também está sendo feito por Américo. O químico conta que iniciou o cultivo de um fungo produtor desta enzima. Assim, quando a lipase é produzida, é jogada para o meio extracelular, podendo ser imobilizada e utilizada na reação para obtenção do biocombustível.

Potencial

A vantagem do Brasil na produção de biodiesel é seu potencial vegetal, com plantas como o girassol, amendoim, pinhão manso, a soja e mamona. Além disso, junto com os Estados Unidos, o país é responsável por 70% da produção mundial de etanol, usado para obter o biocombustível.

Nos outros países sem a tecnologia do etanol, usa-se o metanol pela reação ser mais rápida e para reduzir os custos com a importação do etanol. A adição de biodiesel ao diesel de petróleo significa redução na emissão de gases que provocam o efeito estufa, já que diminui a quantidade de combustíveis fósseis. A adição de B5, por exemplo, reduz em 13% a emissão da fumaça preta. Biodiesel também significa economia na importação de petróleo e óleo diesel, principal combustível consumido no Brasil.

O governo enfatiza no programa de biodiesel, além das vantagens econômicas e ambientais, o aspecto social na produção do biocombustível. De fato, o cultivo de matérias-primas e a cadeia produtiva do biodiesel têm grande potencial de geração de empregos, especialmente quando se considera a atuação da agricultura familiar. Para cada região, foi considerado o uso de matérias-primas compatíveis com suas respectivas vocações agrícolas, como o óleo de soja e girassol na Região Sul, e os óleos de mamona e dendê, no Norte do país. Américo cita ainda o potencial catarinense em reaproveitar as gorduras animais.

O pesquisador ressalta a importância de que as pesquisas continuem, para a melhoria dos processos de obtenção desse combustível e de reaproveitamento de biomassa. Ele cita, por exemplo, a utilização do bagaço da cana-de-açúcar e da palha do milho para a produção de etanol, processo estudado no Brasil e no mundo e já utilizado nos Estados Unidos.

No aspecto sócio-econômico, o químico aponta a necessidade de profissionalizar os cultivos das matérias-primas, para que essa necessidade de produção não piore ainda mais as condições dos cortadores de cana e tantos outros que sofrem com o trabalho escravo. Com uma fiscalização do governo, Américo acredita que o biodiesel vai significar mais empregos e inclusão social, como é esperado pelo programa do governo.

Mais informações na UFSC: 48 3721 9842

Por Fernanda Rebelo / Bolsista de Jornalismo na Agecom