A Catástrofe Anunciada
Muito se comenta a respeito das mudanças climáticas e suas imprevisíveis conseqüências. Secas prolongadas numa região, cheias avassaladoras em outras, verões frios, invernos quentes, enfim o “tempo” esta louco, comenta-se a cada notícia de nova calamidade pública gerada pelos fenômenos climáticos. No entanto, precisamos entender que louco, irracional, ilógico e predador foi o modo de interferência que o chamado progresso tecnológico nos brindou a partir do advento da revolução industrial. Desde o seu início, mais de um trilhão de toneladas de dióxido de carbono, provenientes da queima de combustíveis fósseis, foram lançados na atmosfera. Este carbono, que vem se acumulando na forma de depósitos de petróleo, carvão e gás ao longo de milhões de anos, passou a ser repentinamente retirado da crosta terrestre e lançando de volta na atmosfera, promovendo uma das mais drásticas alterações nos processos naturais decorrentes da interferência antrópica, e cujas conseqüências estão se mostrando calamitosas.
Com o propósito de buscar a redução do lançamento de gases que poluem e aquecem a atmosfera terrestre, especialmente o dióxido de carbono – CO2, no final de 1997, na cidade japonesa de Quioto, foi assinado por diversos países um protocolo de intenções visando reverter a atual tendência de comprometimento da qualidade atmosférica do planeta. O Protocolo de Quioto prevê que até 2012, os países industrializados devem reduzir em 5%, em relação aos índices registrados em 1990, as taxas de emissões dos gases que aquecem a atmosfera. Encontros posteriores foram realizados em Bonn – Alemanha e Marrakesh – Marrocos, visando um entendimento final, e a adesão definitiva mínima de 55 países que somem pelo menos 55% da emissão de poluentes atmosféricos, para que o acordo possa entrar em vigor.
O Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que se autoproclama escudeiro-mor do bem na luta contra o mal, vem reafirmando sistematicamente sua retirada do protocolo de Quioto. Bush alega que o protocolo é injusto, pois não inclui países em desenvolvimento, como a China e Índia, e irrealista, porque diversas nações não conseguirão cumprir as metas estabelecidas, e que a implementação do mesmo seria prejudicial à economia norte-americana. Na prática, a resistência de Washington significa que será mantido o lançamento de sete bilhões de toneladas de carbono pôr ano na atmosfera: 25% das emissões do planeta.
A Agência Européia de Meio Ambiente projeta uma diminuição no lançamento de gases causadores do efeito estufa de apenas 1% em 2010. A meta do Protocolo é atingir uma redução das emissões de gases causadores do efeito estufa em 5% até 2012, em relação aos níveis de 1990. As esperanças concentram-se agora nas energias renováveis, que aumentam na Europa a um ritmo anual de 3%, com destaque para Espanha, Áustria, Suécia, Portugal e Finlândia.
A União Européia mantém a intenção de ratificar o Protocolo de Quioto, mesmo sem os Estados Unidos, contudo também exigiu concessões ao assinar o protocolo em abril de 1998. Em Marrakesh o mesmo fizeram Rússia, Japão e Austrália, adquirindo o direito de continuarem emitindo gases do efeito estufa acima do que a comunidade internacional pretendia autorizar. A partir do encontro de Marrakesh, realizado entre 29 de outubro a 9 de novembro de 2001, aguarda-se a adesão definitiva mínima para a implementação do acordo. Das 43 adesões definitivas, antes da reunião no Marrocos, nem uma sequer era de país altamente industrializado e apenas um único país europeu, a Romênia, aderiu. A França, mesmo sem ratificar o protocolo até agora, já fez uma ressalva, quando o assinou em abril de 1998: impôs a condição de que só o ratificará se suas colônias forem mantidas fora das metas do tratado. A vinda da Usinor para a ilha de São Francisco do Sul, nos mostra que a noção francesa de colonialismo é um pouco mais ampla do que imaginávamos, e como um modelo de desenvolvimento sabidamente insustentável e predador ainda encontra amparo junto as lideranças políticas do século XXI.
Uma das mais inquietantes consequências do efeito estufa é a elevação do nível dos mares, podendo promover a submersão de ilhas oceânicas, em especial na Oceânia. Um caso concreto é Tuvalu que já começa a ter suas terras baixas invadidas pelo oceano. Seus 10 mil cidadãos são assim impelidos a migrar deixando para trás uma estrutura de vida milenar. Mais afinal quem já ouviu falar de Tuvalu, não é mesmo.
Contudo a água pode bater nas nossas canelas, já que o problema se estende a curto prazo para outras nações insulares: Ilhas Cook, Fiji, Micronésia, Nauru, Niue, Palau, Samoa, Vanuatu, Maldivas, Ilhas Maurício, Chipre. E mesmo algumas mais próximas a nós como Bahamas, Barbados, Jamaica, Trinidad e Tobago já mostram-se igualmente apreensivas.
Pela gravidade global que representa o efeito estufa, é urgente que algum acordo passe a vigorar, desacelerando a vertiginosa deterioração atmosférica produzida pela sociedade industrial, e contribuindo para uma crescente conscientização da humanidade sobre a gravidade do problema. Uma opinião pública mundial alerta poderá servir de elemento de pressão sobre os interesses comerciais e industriais que ainda preferem produzir de forma ambientalmente suja e ignoram o risco de uma tragédia planetária, que inclusive pode significar o fim iminente de várias nações. Como se vê um verdadeiro terrorismo das nações industrializadas vem se perpetrando, paulatina e silenciosamente, mostrando-se impiedoso e fatalista, com a complacência do moderno mundo globalizado, que parece não perceber que mantendo a atual tendência, talvez dessa civilização só restem as torres e chaminés.
* Biólogo, Diretor do CCB – UFSC