O Círculo de Leitura, projeto criado pelo professor e poeta Alcides Buss em 2004, chega à edição número 40 na próxima quinta-feira, dia 26. A convidada do mês é Regina Brasil, professora de literatura, que a partir das 17h vai falar de seus primeiros contatos com os livros, dos títulos e autores que a marcaram desde cedo, da forma como seleciona suas leituras e como vê a relação das novas gerações com o ato mágico de ler. “Muitas vezes o jovem não está preparado para o prazer solitário que a leitura traz, e compartilhar a informação parece ser, em alguns casos, mais importante que a própria informação”, diz Regina, que dá aulas em cursos pré-vestibulares e, portanto, conhece os gostos e comportamentos da juventude.
Desta vez, o Círculo acontece na Livros & Livros, livraria localizada na rua Jerônimo Coelho, centro de Florianópolis, que está comemorando seu 20º aniversário. O projeto foi concebido de forma a permitir ao convidado e aos presentes discutirem informalmente sobre os livros que estejam lendo, as leituras do passado e, no caso dos escritores, as influências de outros autores sobre o seu trabalho. Além da possibilidade itinerar, a principal mudança em 2009 foi a transferência do Círculo da primeira para a última semana de cada mês.
Nesta edição, o Círculo terá um pequeno show do tecladista Hermano Buss e da cantora Julie Philippe, uma das finalistas do programa “Ídolos”, do SBT, em 2007. Embora tenham a mesma paixão pela Bossa Nova, eles vão mostrar músicas menos conhecidas da MPB (incluindo a Bossa) e vêm ensaiando há cerca de dois meses para esta apresentação. “Vi alguns shows dela, ela viu um meu, houve uma apreciação mútua no jeito de cantar e tocar que resultou nessa parceria”, conta Hermano. “Temos gostos extremamente parecidos, o que facilitou a formação do repertório do show”, diz ele.
A CONVIDADA
Regina Brasil graduou-se em Letras Italiano-Português em 1983 pela UFSC, mas leciona desde antes de se formar. Passou pelo inglês, pelo italiano e pela gramática, mas a paixão maior é a literatura, com quem tem grande intimidade há mais de 20 anos. Sobre isso, ela diz: “Sou apaixonada pelo que faço, ‘dar aulas’ parece ser uma expressão muito reducionista para a magia que acontece em sala, quando alguém descobre o valor da arte – pintura, música, literatura, cinema… –, quando se apercebe parte de um mundo de novas emoções e sensações, ou seja, quando, saído de uma espécie de egotismo social, alguém abre, finalmente, os olhos para o universo maior que o cerca”.
Atualmente, Regina atua no ensino médio, na preparação para o vestibular e em alguns cursos de Comunicação e Arte, em duas instituições que lhe permitem trabalhar a literatura com “a seriedade, a realização, o empenho e a liberdade inerentes à arte do escrever”.
40 EDIÇÕES DO CÍRCULO
Alcides Buss conta que o Círculo surgiu da idéia de reunir pessoas envolvidas com a leitura – escritores, professores, estudantes e leitores anônimos, gente aficionada por literatura e por todos os tipos de contatos com os livros. Na Sala Cruz e Sousa da Editora da UFSC, elas se encontravam uma vez por mês para falar e trocar idéias e impressões, a partir do depoimento de um convidado especial que expunha o início de sua relação com a leitura, os livros prediletos, os autores com que mais se afinava, o que estava lendo no momento. No final do ano passado, uma edição especial do Círculo foi realizada na livraria Saraiva do Shopping Iguatemi, com a presença do escritor Salim Miguel, e agora o evento acontece na Livros & Livros.
“Sempre foi uma conversa prazerosa, quase um bate-papo de botequim, onde as pessoas falavam do que estavam lendo, sugeriam leituras e trocavam informações sobre bons títulos”, diz o mentor da iniciativa. Com o tempo e a ressonância na mídia, mais gente foi aderindo e comparecendo às reuniões. “Houve depoimentos fantásticos, permitindo ver como se deu a formação do leitor através do escritor”, afirma Buss, que forma com outras seis pessoas o núcleo que coordena o Círculo desde sua criação, na EdUFSC.
Um dos grandes momentos, relata Buss, foi o Círculo com o poeta e bibliófilo Cleber Teixeira, que deu “detalhes maravilhosos sobre escritores que nunca são lidos”. Outro poeta, Rodrigo de Haro, passou aos presentes “uma visão de mundo absolutamente peculiar”. E o cronista Mário Prata se destacou pela “maneira irreverente com que se relaciona com o mundo das letras”. Nesses cinco anos, também passaram pelo Círculo escritores e leitores como Fábio Brüggemann, Sílvio Coelho dos Santos, Oldemar Olsen Jr., Regina Carvalho, Suzana Mafra, Salim Miguel, Mário Pereira, Maicon Tenfen, Dennis Radünz, Rubens da Cunha, Renato Tapado, Raimundo Caruso, Nei Duclós e Zahide Muzart, entre outros.
A maioria dos freqüentadores é formada por estudantes de letras, jornalismo, ciências sociais e humanas, além de alunos de pós-graduação e de escritores que, mesmo não estando nos centro das atenções, comparecem para prestigiar um colega ou para trocar idéias com os leitores. Alcides Buss conta que um freqüentador contumaz é o engenheiro Aro Blass, professor aposentado da UFSC que só faltou a uma edição do Círculo. Em 2008, ele acabou sendo convidado para falar de suas leituras e autores prediletos.
ENTREVISTA
Como foram seus primeiros contatos com a leitura? Como era a relação de sua família com os livros e como isso influenciou seu gosto pela literatura?
Regina – Acho que desde sempre ouvi histórias, vi livros e acompanhei imagens e fotos, ganhava livros de presente e adorava tocá-los, senti-los, antes de lê-los. Acredito que a leitura já se faz nessa primeira “viagem” da sensibilidade. Meus pais sempre folheavam alguma coisa, era a revista da época, era um livro só com palavras, sem imagens, mas que parecia interessar tanto… Lembro-me bem da transição das imagens para as palavras, dos quadrinhos para a outra literatura; os primeiros já não eram suficientes, faltava algo para se gerar o deslumbramento que havia antes…
Quais foram as leituras mais marcantes e quais são seus autores e gêneros prediletos?
Regina – Leituras marcantes foram tantas… mas lembro muito, muito antigamente de “Robinson Crusoé”, do Defoe. Acho que só muito tempo depois cheguei a entendê-lo realmente, era realismo demais para meu mundinho pré-romântico… mas a solidão e o engenho humano já me eram temas interessantes. Depois, “Ana Terra”, do Veríssimo, também foi marca, e marca violenta. Lia um pouco de tudo, antes de terminar o ensino médio já conhecia H.G. Wells, Aldous Huxley, George Orwell, Saint-Exupéry, Morris West, Agatha Cristhie e alguma outra perfumaria literária.
Como vê a relação dos jovens com a leitura, num tempo de tantos estímulos e outras formas de ocupação do tempo livre?
Regina – Só falta estímulo! Acho que esquecemos de mostrar como um livro pode ocupar o tempo livre tanto quanto um filme… Muitas vezes o que acontece é que o jovem não está preparado para o prazer solitário que a leitura traz, compartilhar a informação parece ser, em alguns casos, mais importante que a própria informação. Estar em grupo parece valer mais do que o quê se faz em grupo… Só falta um pouco de estímulo, mostrar ao jovem que só ele ainda está em boa companhia. Aliás, se o livro é bom, a companhia é excelente. Falta mostrar, encantar, atrair, ninguém gosta do que não conhece.
Em que medida a Internet e o livro eletrônico podem interferir no destino das formas tradicionais de leitura?
Regina – Para os que como eu precisam “sentir” o livro, tocá-lo, manuseá-lo, é estranho… para a “gurizada” é um estímulo. Acho que tudo o que acrescenta é bem vindo. Seria purismo demais acreditarmos que a boa leitura só acontece quando a palavra está impressa de maneira exata na folha de papel. A força da palavra, anterior à grafada, já existia de forma oral; se agora ela é digital, é apenas variação do mesmo instinto inicial que move o homem a criar, gerar mundos outros, vidas outras, emoções outras, além de revisitar o próprio mundo, a própria vida, a própria emoção…
O que está lendo no momento e como, diante de tantas opções e necessidades pessoais e profissionais, seleciona suas leituras?
Regina – Aí a coisa pega! Todo ano leio, ou releio, as listagens de leituras obrigatórias solicitadas pelos vestibulares de Santa Catarina, além de livros de referência para uma compreensão mais ampla dessas mesmas obras. O Bosi (Alfredo) e o Junkes (Lauro), dentre outros, são condôminos na minha cabeceira há não sei quanto tempo… Depois, e só depois, vem o prazer, no pouco tempo que sobra! Mas sempre dá pra encaixar um Machado, um Umberto Eco, um Jair Hamms, um Amílcar Neves, um Júlio de Queiroz, um Veríssimo (pai e/ou filho) – é tanta gente! Este ano, especificamente, acompanho a leitura de 17 livros, com meus alunos, dentre eles “22 contos”, do genial Machado, “Incidente em Antares”, do Veríssimo, “O presidente negro”, do Lobato, e “Treze Cascaes”, da excelente safra de autores catarinenses do século XX.
Mais informações podem ser obtidas com a professora Regina Brasil, pelo fone (48) 9971-4232 e e-mail regina@brasilefamilia.com.br; com o coordenador do projeto, Alcides Buss, pelos fones 3235-1283 e 9972-3045; com os músicos Hermano Buss, fone 8409-5344, e Julie Philippe, fone 8833-1011; e com o livreiro Daniel, da Livros & Livros, pelos fones 3222-1244 e 9119-9229.