Artigo: Uma Universidade boa pra cachorro!

29/07/2009 10:20

Acho que foi na semana passada, à tarde. Eu estava passando com alguém pela Concha Acústica da UFSC e vi aquele cachorro de sempre, que alguns chamavam de Catatau e outros tantos de outros nomes. Presença constante no campus, freguês assíduo nas quartas-feiras artísticas do Projeto 12:30.

Comentei com quem me acompanhava que aquele cachorro era muito especial, pois vivia pelo campus e tinha uma atitude que parecia compreender o propósito da universidade e lutar por ela.

Lembrei de um fato que ocorreu há alguns anos, num intervalo das programações artísticas da Sepex de 2005, quando um grupo de estudantes realizou uma manifestação em defesa do ensino público, gratuito e de qualidade. Como queriam fazer a manifestação utilizando-se da arte, bolaram um sketch teatral e organizaram um cortejo fúnebre, um cortejo com caixão de defunto e tudo.

Na hora marcada, o cortejo adentrou solenemente a lona da Sepex, percorreu os vários corredores da mostra e dirigiu-se ao palco, onde grupos artísticos da universidade e da comunidade se apresentavam durante o evento.

O som do bumbo, compassado e triste, profundo e solitário, anunciava com pesar o cortejo que vinha e pedia passagem. O público presente, numa respeitosa curiosidade, abria caminho e silenciava suas conversas e, condescendente, como quem dá um último adeus a alguém querido, acompanhava com os olhos o caixão do morto que passava. O morto era a educação brasileira, que agonizante morria de descaso.

Adiante do caixão, jovens universitários tristes – moças e rapazes – carregavam velas acesas nas mãos, como que postas em oração, e davam ao séquito mortuário um ar de sagrada seriedade. As moças, com lenços pretos na cabeça e a expressão desolada no rosto, afligiam a todos de compaixão.

O cortejo passava e distribuía cartas de manifesto conscientizando e clamando a todos, num clamor mudo, que pedia a adesão da população.

As pessoas se amontoavam para ver o cortejo passar, e espreitavam naquela curiosidade ansiosa de quem quer saber quem morreu.

E à frente de todos, como se fosse um universitário em passeata, um ator desse cortejo teatralizado, vinha o Catatau. Estava tão garboso, de cabeça altiva e cola empinada, como se nem cachorro fosse. Parecia uma personagem treinada especialmente para a ocasião. Sua performance causava admiração, sua postura impunha respeito, tinha uma atitude que parecia comprometido com a causa em luta.

O grupo chegou ao centro da lona, subiu ao palco, posicionou-se ao fundo da cena e, como que ensaiado, Catatau seguiu o seu roteiro, também subiu ao palco, tomou o seu lugar diante de todos, acomodou-se de frente para o público, sem tirar os olhos da platéia, e segurou entre as patas a carta manifesto que o grupo carregava. Estava montada a cena. Durante toda a manifestação Catatau ficou atento, como se entendesse as falas que lutavam por uma educação pública, gratuita e de qualidade.

Semanas atrás, quando vi o Catatau perto da concha, com satisfação lembrei desse ocorrido. Por um lapso de tempo pensei nesse cachorro tão presente na vida do campus, tão disposto e ativo, mas que um dia partiria e deixaria saudades. Hoje vejo uma foto dele na homenagem póstuma publicada na página da UFSC e de novo me vem a história que lembrei há poucos dias. Uma história de um momento tão singular que na ocasião cheguei a registrar em fotografia. Nem imaginava que a foto também pudesse servir para prestar a minha homenagem a essa figura simpática que participou de tantas lutas.

Que a UFSC continue sendo uma universidade excelente, “boa pra cachorro”!

Por Clóvis Werner / DAC: SECARTE: UFSC

Leia mais sobre o Catatau:

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