Processos ecológicos da floresta e legislação que regulamenta o uso de remanescentes florestais em estudo na UFSC
Santa Catarina é um dos estados com os maiores remanescentes da Mata Atlântica do Brasil, com cerca de 18% da área original. Apesar disso, os agricultores das regiões onde se encontram esses remanescentes afirmam que não podem utilizar esses recursos de uma maneira sustentável e responsabilizam a legislação florestal brasileira pela redução de suas atividades agrícolas.
Esta foi uma das conclusões do trabalho de mestrado do engenheiro agrônomo Alexandre Siminski, que integra o Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais da UFSC. Em seu trabalho, o agrônomo levantou dados sobre os remanescentes florestais e realizou entrevistas com agricultores da Região de São Pedro de Alcântara, litoral de Santa Catarina, e verificou que em 65% das propriedades houve redução da área de plantio nos últimos 15 anos.
Esse trabalho é parte de uma linha de pesquisa, que está sendo coordenada pelo professor do Departamento de Fitotecnia da UFSC, Alfredo Fantini, sobre a importância das florestas secundárias como reservas de biodiversidade e como fonte de produtos capazes de promover o desenvolvimento regional sustentável. “A dissertação traz importantes contribuições para as discussões sobre processos ecológicos da floresta, sobre a legislação que regulamenta o uso dos remanescentes florestais e sobre a percepção e intenção dos agricultores frente aos recursos presentes em suas propriedades” explica Fantini.
Devido à grande destruição florestal ocorrida nas últimas décadas, a legislação restringiu a utilização de florestas primárias e criou áreas de reserva legal nas propriedades. O Decreto Federal 750, de 1993, proíbe o corte, a exploração e a derrubada da vegetação original (primária) ou nos estágios avançado e médio da regeneração (vegetação secundária) da Mata Atlântica. Os produtores rurais se dizem fortemente prejudicados pela resolução, alegando que ela comprometeu a continuidade do sistema produtivo da região, intensificando o processo de êxodo rural. “De fato a legislação é muito rígida e dificulta a utilização sustentável dos recursos naturais por parte do produtor. Este enfoque da legislação em alguns aspectos pode ser até mesmo ser prejudicial ao meio ambiente. Por exemplo, os agricultores não plantam mais pinheiros araucárias, pois sabem que não poderão cortá-los quando crescerem” conta Fantini.
O início da exploração da Mata Atlântica em Santa Catarina foi caracterizado pela extração predatória de espécies madeireiras. Durante este período, a floresta era vista como um impedimento à colonização e ao uso da terra pela agricultura. Num segundo momento, a floresta dentro das propriedades agrícolas passou a fazer parte do ciclo de cultivo, através da agricultura de pousio. Neste sistema, a floresta é derrubada e o solo é ocupado por culturas anuais, até o declínio da sua fertilidade natural. O solo é então deixado em repouso até que tenha novamente condições de suportar um novo cultivo. Essa forma de exploração do solo ainda é muito utilizada em todas as regiões do mundo.
Mas no litoral de Santa Catarina, o sistema de agricultura de pousio pode estar sendo abandonado. A conseqüência imediata da confirmação desta hipótese é que a área florestal em algumas microbacias da região estaria aumentando, ao contrário do que é verificado em outras áreas. “Por isso mesmo, a sua verificação é importante. Mais do isso, porém, é importante verificar as causas que levaram ao abandono da produção pelos agricultores e compreender este processo para traçar estratégias de uso e de conservação destes recursos” explica Fantini.
De acordo com os pesquisadores, o abandono das florestas como parte integrante do meio produtivo em pequenas propriedades no litoral de Santa Catarina e o conseqüente aumento da área de cobertura florestal foram causados pelo êxodo rural; pela interrupção voluntária do uso do sistema de cultivo de pousio, motivada pela opção por culturas que requerem tratamentos culturais intensos, mas que exigem uma pequena área de plantio; e pelo abandono compulsório do sistema desse sistema, imposto pela legislação vigente.
A Resolução Nº 4 de 1994 do Conselho Nacional do Meio Ambiente estabeleceu os parâmetros de definição dos estádios sussecionais da Mata Atlântica para Santa Catarina. Esses parâmetros devem ser observados mesmo que a derrubada da vegetação tenha como objetivo a implantação de lavoura, como o produtor fazia tradicionalmente. “É indiscutível que essa resolução veio a contribuir para aumentar a probabilidade da conservação dos remanescentes florestais na Mata Atlântica. Entretanto, ela vai comprometer definitivamente a prática do sistema de pousio, uma vez que o impedimento de supressão da vegetação em estágio médio e avançado de sucessão pode inviabilizar o rodízio de áreas disponíveis para lavouras em pequenas propriedades“ conclui Fantini.
Segundo os pesquisadores, há uma carência de normas adequadas de conservação e uso desses recursos naturais. Além da importância ecológica, econômica e social das formações florestais secundárias como recursos capazes de promover o desenvolvimento local e a conservação ambiental, os resultados do estudo demonstram que todo este potencial não está sendo utilizado.
Mais informações com o professor Alfredo Fantini pelo telefone 331-5320 ou afantini@cca.ufsc.br
Por Gutieres Baron/bolsista de jornalismo da Agecom