Crise dos Hospitais Universitários é debatida na 58ª SBPC

25/07/2006 16:26

O hospital da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) atende hoje uma demanda de quase 3 milhões de pessoas, distribuídas em 86 municípios da macro-região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, em Minas Gerais. Com o crescimento populacional na região, aumenta a necessidade de estrutura e pessoal. O déficit orçamentário do hospital torna recorrente a contratação terceirizada pelas fundações de apoio, entidades privadas no ambiente público da universidade. O pagamento do grande número de terceirizados intensifica o déficit, e a crise ganha proporções maiores progressivamente.

O processo descrito acima é histórico e estrutural em todos os 45 Hospitais Universitários públicos do país, tanto que a sua discussão chegou à 58ª Reunião Anual da SBPC, que aconteceu na UFSC de 16 a 21 de julho. Coordenado pelo reitor da UFSC, Lúcio Botelho, vice-presidente da Andifes, o encontro aberto “Hospitais Universitários – Proposta de discussão para a saída da crise” ocorreu a partir das 14h do dia 19, e trouxe o reitor da UFU, Arquimedes Diógenes. Eram esperados representantes dos ministérios da Saúde e Educação, que não compareceram.

Diógenes, que é segundo vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), expôs um raio-x da crise dos Hospitais Universitários Federais no Brasil. Atualmente, os recursos públicos do Sistema Único de Saúde (SUS) – que deveriam custear os hospitais – acabam utilizados para a folha de pagamento do grande número de funcionários terceirizados das fundações de apoio, que chega a quase 20 mil. O panorama gera uma dívida progressiva. A mais grave, com fornecedores de medicamentos e equipamentos, já passa dos 150 milhões, no país.

Fundações de apoio

De acordo com Diógenes, a demanda pelas fundações de apoio foi grande durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, no qual havia uma política de não permitir a ampliação do quadro de pessoal contratado pelo governo federal – através dos concursos públicos. “Essa política mudou com o governo Lula, que inclusive ampliou o fundo interministerial concedido aos HUs, de 60 para 100 milhões. Mas isso ainda não é suficiente”.

A relação com os ministérios é delicada. “Seria melhor para o Ministério da Educação (MEC) que o espaço e o número de leitos do hospital diminuísse. Mas o da Saúde (MS) nunca permitiria isso”, revela Diógenes. Lúcio Botelho, porém, afirma que o ministro da educação atual, Fernando Haddad é favorável ao aumento dos recursos.

Na UFSC, existem 5 fundações de apoio. Relacionada ao HU, está a Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (FAPEU). A polêmica em torno dessas empresas privadas é gerada justamente pelo contraponto que estabelecem, atuando na universidade pública. Um dos coordenadores do Sindicato dos Trabalhadores (Sintufsc), José de Assis Filho, esteve presente no encontro. O sindicalista alega que esse modelo, em vigência, é privatizante. “A nossa luta deve ser contra as fundações de apoio e pela contratação pública através dos ministérios”, defendeu, no encontro. O reitor da UFU, no entanto, afirma que acabar com as fundações de apoio é uma utopia, a curto prazo. “Isso faz parte de um complexo emaranhado jurídico, e nós ainda precisamos delas”, observa Diógenes, cuja universidade possui quatro fundações de apoio.

Discordâncias à parte, foi unânime no encontro a necessidade de regulamentação das terceirizações. Ainda de acordo com Arquimedes Diógenes, a maioria das IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) ainda não regulamentou a atuação das fundações nos Hospitais Universitários, de acordo com o que estabeleceu o Decreto nº 5.205, assinado em setembro de 2004 pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. “Afirmar que a culpa dessa crise é do governo representa uma verdade parcial. Ela vem de nós, também”, salienta.

Hospital Universitário da UFSC

No início do encontro, Lúcio Botelho discorreu sobre o histórico do HU, contando que, desde sua fundação, o hospital, sempre esteve em crise. O HU da UFSC foi projetado e aprovado durante o governo de João Goulart, em 1962. Veio o golpe militar em 1964, e junto com ele uma interrupção no projeto, que durou mais de 20 anos.

A luta pela retomada da construção do HU ganhou força em 1974, no final do governo de Emílio Garrastazu Médici. Em 1976, as reinvidicações de alunos, professores e demais membros da comunidade universitária deu resultado, e o projeto foi adiante. Em maio de 1980 foi inaugurado o Hospital Universitário da UFSC, inicialmente com os leitos e ambulatórios da clínica médica e pediátrica. Depois, foram ativados o Centro Cirúrgico, a Clínica Cirúrgica I, a UTI Adulto e a Maternidade. Além disso, o hospital conta com 13 laboratórios didáticos, 13 salas de aula e um anfiteatro.

Lúcio Botelho possui uma história íntima com o HU da UFSC. Além de ser natural de Florianópolis e formado em medicina pela UFSC, Botelho é professor da universidade desde 1979 e já foi diretor do Centro de Ciências da Saúde (CCS), tendo acompanhado a trajetória do HU desde sua inauguração. “Não me lembro do HU sem crise”, afirmou em suas primeiras palavras no encontro.

De acordo com o reitor, o problema dos HUs é estrutural, e a discussão acerca dele não é de hoje. “É difícil criar uma uniformidade na luta contra a crise, até porque os próprios dirigentes das IFES divergem”. Botelho defende que os Hospitais Universitários são os últimos redutos de defesa do SUS, e devem ser valorizados. Na mesa, também se concluiu que a saúde não pode ser mercantilizada, e que o HU deve ser concebido como parte do conjunto de uma universidade.

Por Gustavo Bonfiglioli / bolsista de jornalismo da Agecom