Projeto da Farmacologia da UFSC estuda cafeína contra Déficit de Atenção

01/07/2005 15:16

Imagine tratar com café os pacientes do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, o TDAH. É o que sugere um recente estudo do Laboratório de Psicofarmacologia, do Departamento de Farmacologia da UFSC. Chamado de “O sistema adenosinérgico como alvo farmacológico na terapêutica do prejuízo atencional em um modelo animal do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade”, o projeto é coordenado pelo professor Reinaldo N. Takahashi e realizado pelos estudantes de pós-graduação Rui Daniel S. Prediger e Fabrício A. Pamplona. Os estudos iniciaram no segundo semestre de 2003.

O TDAH é caracterizado por uma falha na captação do neurotransmissor dopamina pelos neurônios. Em uma pessoa normal, a dopamina é liberada por um neurônio com o intuito de estimular outro neurônio. Após esse processo ela volta ao neurônio original, em um ciclo ininterrupto. No cérebro de quem sofre com o transtorno esse processo acontece mais rapidamente. Como conseqüência, a dopamina tem pouco tempo para ativar os neurônios vizinhos. Doença diagnosticável a partir dos cinco anos de idade, o TDAH, se não tratado desde cedo, persiste em 75% dos adultos que apresentaram sintomas na infância.

Atualmente o tratamento para esta doença é feito a partir do metilfenidato, uma substância psicoestimulante, princípio ativo do medicamento Ritalina. Esse composto químico bloqueia a recaptação da dopamina, cortando o ciclo. Com isso, a dopamina fica por mais tempo disponível entre os neurônios, aumentando suas chances de ser absorvida por algum deles. O problema é que o metilfenidato age no cérebro da mesma forma que a cocaína, podendo produzir dependência química nos seus usuários. Por conta disto, todos os medicamentos que possuem esse composto em sua formação têm a venda controlada e levam uma tarja preta do Ministério da Saúde.

O que os pesquisadores da UFSC verificaram é que a cafeína, substância presente em várias bebidas, entre elas o café, também age como estimulante da dopamina. Mas, ao contrário do metilfenidato, que bloqueia o ciclo desse neurotransmissor, a cafeína aumenta a liberação da dopamina que, em maior quantidade, pode atingir e ativar mais neurônios vizinhos. As grandes vantagens do uso da cafeína são de que além de ser uma substância mais barata que o metilfenidato, apresenta um menor risco de causar dependência química.

Esse resultado foi obtido após seis meses de testes em cerca de 150 ratos de duas linhagens distintas: uma normal, chamada Wistar, e outra hipertensa, conhecida pela sigla SHR (spontaneously hypertensive rat, em português, “rato espontaneamente hipertenso”). Essa linhagem foi usada porque se sabe que além de ser hipertensa, ela apresenta uma série de características semelhantes as dos pacientes de TDAH.

Como parte da pesquisa, os ratos foram avaliados em uma espécie de ‘piscina’ cheia de água chamada de “labirinto aquático”. Com dimensões de 1,7 metro de diâmetro por 0,8 metro de altura, essa piscina contém uma plataforma transparente e submersa (invisível aos ratos). O experimento consistia em treinar os ratos a achar essa plataforma. Era dado um minuto para eles atingirem esse objetivo, que foi repetido por dez sessões consecutivas com cada animal. Em média os ratos Wistar aprenderam a achar o caminho já na terceira tentativa, enquanto que os SHR demoraram mais: só na sétima vez eles conseguiram encontrar a plataforma.

Uma quantidade pequena de cafeína, equivalente à contida em uma xícara de café, foi aplicada em outros ratos hipertensos cerca de meia hora antes dos experimentos. Após essa injeção, eles foram submetidos aos mesmos testes. Sob influência da cafeína, viu-se que eles achavam a plataforma já na terceira sessão, de maneira semelhante aos ratos Wistar. Por esta razão, os pesquisadores da UFSC propõem, com as devidas ressalvas, que a cafeína pode representar no futuro uma nova alternativa para o tratamento do TDAH.

Eles destacam o fato da cafeína já ter sido estudada em crianças com transtorno entre os anos 70 e 80, apresentado resultados muito promissores. Para Prediger, que coordenou os testes deste projeto, as pesquisas com a cafeína podem ter sido interrompidas no passado em virtude da descoberta do metilfenidato pela indústria farmacêutica, que teria criado um lobby pela substância, importante matéria-prima de medicamentos mais rentáveis.

Outra descoberta importante deste estudo é que a cafeína não alterou os níveis de pressão dos ratos hipertensos, demonstrando que estas duas características parecem não estarem correlacionadas. “Estamos dando para os ratos uma substância que melhora sua atenção sem alterar a sua pressão”, comemora Prediger.

Essa é a primeira fase das pesquisas. Para se tornar um medicamento disponível em farmácias, a cafeína precisa ser testada em humanos, o que não deve acontecer nos laboratórios da UFSC. “No Brasil é difícil achar um banco de dados confiável de portadores de TDAH para aplicar essa pesquisa”, lamenta. Para um estudo como este, seriam necessárias mais de cem pessoas dispostas a passar por um prolongado cronograma de testes.

Os resultados das pesquisas com a cafeína em ratos SHR foram apresentados pela primeira vez no Congresso do Colégio Internacional de Neuropsicofarmacologia (CINP), realizado em Montreal, no Canadá, em setembro de 2004. A revista inglesa International Journal of Neuropsychopharmacology apresentou as conclusões deste estudo recentemente. No segundo semestre deste ano, o estudo será apresentado pelo Prof. Reinaldo Takahashi e o doutorando Rui Daniel S. Prediger durante a Semana da Biologia na UFSC.

Mais informações no Laboratório de Farmacologia da UFSC, com o professor Reinaldo N. Takahashi ou com o doutorando Rui Daniel S. Prediger, pelo telefone 331-9764.

Por: Leo Branco / Bolsista de Jornalismo / Agecom