Discutir a reforma universitária é ótimo
Artigo
ANA LÚCIA ALMEIDA GAZZOLA – Especial para a Folha Online
O projeto referente à chamada Reforma Universitária, mais exatamente Reforma da Educação Superior, vem fazendo parte da agenda
das discussões nacionais. O que é ótimo. Que as temáticas referentes à educação superior no Brasil caiam no campo de interesses de
parcelas mais ampliadas de nossa sociedade é um inequívoco sinal de maturidade social. Políticas de largo alcance, adequadas e
corajosas, para a educação superior constituem, em nosso mundo globalizado, uma questão de soberania nacional. As nações, cada vez
mais, dependerão do acervo de conhecimentos de que dispuserem, seja como produtoras, seja como consumidoras.
Ora, universidades, e isso vale de modo muito específico para o caso brasileiro, são as instâncias institucionais que têm se mostrado
eficazes no cultivo do conhecimento. Procede, portanto, a intensidade dos acalorados debates em curso. As chances para obtermos o desejado desenvolvimento nacional são inseparáveis da consolidação das condições favorecedoras da robustez do parque universitário
nacional.
É preciso, entretanto, que todos nós, defensores de posições algumas vezes contrárias, procuremos dar a merecida densidade às
discussões, evitando cair na cilada agradável, mas totalmente falaciosa, das controvérsias fáceis e ilusórias. Não se trata de evitar o dissenso, característica inafastável de sociedades democráticas, mas de tentar localizá-lo com precisão para, em seguida, examinar a construção de acordos possíveis. A partir desse cenário, gostaríamos de apresentar algumas ponderações.
É defendendo a autonomia como passo inicial indispensável de qualquer reforma universitária que estamos participando do espaço público das discussões. Consolidar a autonomia na amplitude de suas dimensões e, sobretudo, tendo em vista o histórico da universidade pública no Brasil, a autonomia financeira é condição, esta sim, inegociável. Portanto, é necessário avaliar tecnicamente o que está posto
no projeto relativamente à complexidade do financiamento das instituições públicas, de modo a evitar que se comprometa a expansão
pretendida.
Da mesma forma, cabe questionar se o anteprojeto contempla aspectos que colocam a autonomia em risco. Parece, aos olhos de muitas
pessoas, que é o caso, por exemplo, das cotas, da participação da sociedade nos conselhos comunitários e dos processos eleitorais. Aqui
é inevitável o recurso à autonomia. Posto o princípio de uma maior proximidade entre a universidade e a sociedade, meta política mais
geral, cabe ver a proposta de cotas como um dos instrumentos possíveis de democratização do acesso.
Estudos feitos em algumas Instituições Federais de Ensino Superior têm demonstrado a eficácia, até maior, de outros instrumentos de
inclusão. Reduzir os procedimentos de inclusão unicamente ao recurso das cotas parece-nos, de um lado, contraproducente tendo em
vista a diversidade das instituições, e de outro, contraditório em vista da autonomia.
A participação da sociedade em conselhos comunitários deve ser analisada com atenção. É desejável na medida em que, a propósito de
certas temáticas mais gerais, estabelece um canal de discussões entre o que se passa na universidade e a opinião pública. Tais discussões propiciariam, em tese, uma circulação mais democratizada do conhecimento. Não é possível imaginar benefícios decorrentes deste canal de discussões a propósito, por exemplo, de temas relacionados à bioética ou às questões relativas ao meio ambiente?
Entretanto, um tal conselho não pode ter a função de supervisionar as atividades da universidade, como está indicado na proposta
ministerial. Por seu turno, processos eleitorais, desde sua existência até suas formas específicas, devem ser objeto de deliberação de cada instituição. Não existe, e nem é desejável, uma meia autonomia.
É preciso que o texto da Reforma abra a possibilidade da diversidade. Diversidade de cursos, de formações, de duração dos cursos, de composições curriculares. Qualquer padronização curricular, seja ela feita em nome de não importa qual ponto de vista, representaria uma camisa de força contraproducente e de efeitos nefastos na dinâmica de nossas instituições. Estranhamente, as discussões relativas aos conteúdos mais propriamente acadêmicos dos problemas atinentes ao ensino superior estão sendo relegadas a um plano secundário.
Cabe-nos avançar, neste aspecto, e apresentar propostas.
A reforma da legislação é condição e meio para que venhamos a ter uma universidade compatível com o estado do conhecimento no
mundo contemporâneo. Contentar-se com os clichês a partir dos quais os debates sobre a Reforma vêm sendo, muitas vezes, conduzidos
nos desobriga de pensar. Conferem uma impressão de seriedade, mas de fato impedem, entretanto, que pensemos o que de fato está em
jogo.
Ana Lúcia Almeida Gazzola é reitora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e presidente da Andifes (Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior)
Folha Online, 18/3/05
Matéria publicada a partir do Portal da Andifes/ www.andifes.org.br