Professor da UFSC questiona a confiabilidade dos exames de DNA

09/10/2006 15:15

“Freqüentador assíduo” de programas de TV, o exame de DNA já faz parte do vocabulário dos brasileiros. Apesar da maioria não saber exatamente o que é o tal ácido desoxirribonucléico (DNA), é opinião unânime dizer que se trata de um exame infalível. Promete causar polêmica, portanto, a participação do professor do Departamento de Patologia da UFSC, Zulmar Coutinho, na mesa-redonda “Anatomia aplicada à Medicina Forense”, que será realizada nesta quarta-feira, 11/10, às 14h30min, no auditório da reitoria. A mesa-redonda integra o XXII Congresso Brasileiro de Anatomia, que ocorre de 8 a 12 de outubro na UFSC.

Coutinho é autor do livro “Exames de DNA: Probabilidades de falsas exclusões ou inclusões: 100%?”, onde afirma provar que os resultados de exames de DNA não são seguros e que, por isso, não deveriam ter validade legal.

Marketing

“Você repete uma mentira várias vezes e ela acaba se tornando uma verdade”. É com a máxima atribuída ao chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, que o pesquisador explica a causa do senso comum formado acerca da segurança transmitida pelos exames de DNA. Segundo ele, a mística em torno dos exames foi criada pelo marketing dos grandes laboratórios e dos fabricantes de kits de reagentes e aparelhos. Os meios de comunicação, por sua vez, passaram a louvar o santo, sem saber realmente como funciona o milagre. “Hoje a mídia reproduz uma inverdade. Não que os jornalistas sejam culpados, mas eles foram envolvidos e ajudaram a divulgar essa falsa infalibilidade”.

Coutinho passou a estudar os exames de DNA em 1995, quando foi procurado por um ex-aluno que enfrentava um processo de reconhecimento de paternidade. O primeiro exame ao qual o rapaz havia sido submetido confirmava que ele era o pai da criança, o que ele questionava. Após analisar o caso, o professor emitiu um parecer solicitando que fosse feito um novo exame em um laboratório diferente, o que foi acatado pelo juiz. Algum tempo depois, veio o resultado: o novo exame acusava a exclusão da paternidade. Três meses depois, outro caso semelhante lhe caiu em mãos, agora de um rapaz de Curitiba. Novamente o exame foi refeito e a paternidade excluída. Os dois casos com resultados diferentes, em quatro laboratórios de reconhecida competência, intrigaram o médico, que passou a pesquisar o assunto.

Marcas, como impressões digitais

O DNA é o responsável pela transmissão das características hereditárias dos pais para os seus filhos e é organizado em estruturas chamadas de cromossomos. As subunidades que compõe o DNA são denominadas nucleotídeos e as ligações entre eles formam a seqüência do DNA. Assim como as impressões digitais, a seqüência do DNA de uma pessoa tem um padrão único, o que faz com que ela possa ser usada para fins de identificação. Como uma pessoa recebe metade dos cromossomos de sua mãe e metade dos cromossomos de seu pai, o exame de paternidade consiste em uma comparação de trechos dessa seqüência, chamados locos, entre a mãe, o filho e o suposto pai. Sempre que existir um padrão de DNA no filho que não encontrar correspondente na mãe, esse padrão terá que ter vindo, obrigatoriamente, do pai. Caso também não exista esse padrão no suposto pai, é descartada a possibilidade da paternidade.

O professor, no entanto, explica que, na prática, as coisas não correm tão bem assim. Antigamente, o problema estava na verificação de um insuficiente número de locos. Quanto menor o número de padrões analisados, maior é a chance de ocorrerem coincidências, o que, em muitos casos, gerava falsas inclusões. Atualmente, com a verificação de um grande número de locos, Coutinho concorda que a possibilidade de falsas inclusões está praticamente descartada. O problema, de acordo com ele, está nos casos de falsas exclusões.

A exclusão de paternidade ocorre quando o filho apresenta padrões de DNA não encontrados nem na mãe e nem no suposto pai. Coutinho afirma que os casos de falsa exclusão ocorrem devido à técnica utilizada para a fragmentação do DNA, a eletroforese. O professor afirma que o processo, criado em 1939, não é totalmente confiável. Trabalhando com a comparação de diferentes exames feitos no mesmo indivíduo, o médico percebeu que a eletroforese, muitas vezes, divide o que deveria ser apenas um padrão, em dois, criando falsos padrões que não terão correspondente em nenhum dos outros dois indivíduos analisados.

Danos

As conseqüências destes erros, de acordo com Coutinho, são terríveis. “Não é só o aspecto financeiro, de danos morais, existe também o dano afetivo. Da criança, da mãe, que passa por uma série de pressões como se fosse uma vigarista, e do pai mesmo, que acha que está sendo enganado por aquela mulher com quem ele teve um relacionamento e que está deixando de ter um vínculo afetivo com o filho”. Segundo o professor, estes casos se arrastam na justiça durante anos e acabam causando danos morais irreparáveis nas pessoas envolvidas.

Apesar das provas apresentadas, a pesquisa de Coutinho ainda não encontrou eco nos meios científicos. “Qual o perito de laboratório que, depois de já ter emitido vários laudos, vai dizer que eu tenho razão? Qual o fabricante de Kits de reagentes, de aparelhos, que vai dizer que eu tenho razão? Ninguém quer assumir, ninguém vai assumir nada”. O médico afirma, no entanto, que não tem pressa. “Esse problema vai ser reconhecido mais cedo ou mais tarde”.

Mais informações: Zulmar Coutinho, e-mail: medforense@medforense.med.br ou 9982 8515

Sobre o Congresso: Mais informações: www.cba2006.ufsc.br

Por Daniel Ludwich / Bolsista de Jornalismo na Agecom

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