Livro faz leitura psicanalítica da violência entre casais
Quando se fala em violência familiar, a primeira idéia costuma ser a de pais batendo em crianças e adolescentes, ou a da agressão de homens destemperados contra mulheres passivas e conformadas. No entanto, o problema pode ser menos visível e dar-se por meio da humilhação, da desvalorização do outro, do comentário eivado de cinismo, das reclamações sem fim, da estimulação do ciúme. É isso que mostra o livro O casal violento – Uma leitura psicanalítica, de Domingo Caratozzolo, que acaba de sair pela Editora da UFSC, com tradução de Regina Maria Mattos Abreu.
Como indicam o subtítulo e a condição de psicanalista do autor, o livro se detém na análise da questão sob o ponto de vista da teoria freudiana, fixando seu foco na relação entre homens e mulheres em diferentes sociedades, dentro do ambiente familiar. O papel do inconsciente, a emergência de componentes sadomasoquistas e do ciúme possessivo, a violência como arma para possuir o outro – tudo é esmiuçado tendo a psicanálise como fio condutor. “Os partícipes da relação violenta querem terminar com sua vida individual, desaparecer como entidades independentes, eliminar todos os vestígios de vida própria, fundir-se em um só”, diz o autor.
O primeiro capítulo trata da dinâmica do casal violento, tomando por base casos de relações heterossexuais ou homossexuais em que as agressões “esquentam” o relacionamento e incitam os parceiros a continuar juntos. Nesses casos, quase sempre, as pessoas próximas parecem compreender o estado de excitação masoquista e não intervêm. O que o autor chama de “vínculo excitante”, próprio da relação passional, depende do componente sadomasoquista. Para ilustrar o assunto, Caratozzolo transcreve depoimentos de pessoas que analisou e que não raro vinculam as práticas violentas a traumas do passado, na relação com os pais e na observação do comportamento destes entre si.
Na seqüência, o autor analisa a gênese do amor e da paixão, identificando no rompimento da unidade narcisista do bebê com a mãe a origem dos dilemas futuros, sobretudo entre casais. A progenitora que cuida, alimenta, asseia, brinca e faz a criança dormir se converte em seu objeto de amor, numa experiência de satisfação que determina seus primeiros impulsos sexuais. Neste sentido, a mãe cumpre o papel que lhe corresponde: “despertar e tornar erógeno o corpo do filho, de modo que este, dotado de uma sexualidade que busque energicamente sua satisfação, possa cumprir com o destino também a ele designado”. Das etapas posteriores, que incluem a presença do pai a disputar o amor da mãe, a existência de irmãos e as relações conflituosas no seio da família, dependerá, e muito, o comportamento da pessoa com seu parceiro futuro, dentro do casamento.
Caratozzolo também se demora na análise do casamento na pós-modernidade, marcada pela transformação do papel da mulher e por novas demandas profissionais e de consumo. Ao mesmo tempo, as pessoas tendem cada vez mais a se unir a outras fora do círculo social a que pertencem, portadoras de diferentes convicções e traços de raça ou credo. Esse quadro gera conflitos que em geral envolvem as famílias de onde vieram, com sua estrutura estática e tradicional. Por outro lado, a falta de ideologias e de projetos para a humanidade, a ameaça crescente do desemprego e da violência e a implosão de instituições como igrejas e sindicatos alteraram as expectativas pessoais e os níveis de exigência relativos ao parceiro, minando a estabilidade das relações que era regra geral em tempos passados.
O autor – Domingo Caratozzolo formou-se em Psicologia, é psicanalista e exerceu a docência universitária na Faculdade de Psicologia de Rosário, na Argentina, como professor titular na cadeira de Técnicas de Psicoterapia e Orientação Psicológica, além de lecionar em outras cátedras na Faculdade de Ciências Médicas da mesma instituição.
De 1976 a 1985 residiu em Barcelona, na Espanha, onde participou da cátedra de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da cidade. Também foi assessor psicológico da Obra de Integración Social (Obinso), instituição dedicada à reinserção de delinqüentes sociais. Entre outros, publicou os livros Los destinos sexuales de la mujer: mito y modernidad, Parejas em crisis e La pareja pasional em la posmodernidad. Del desinterés a la violencia.
Contatos com a Editora da UFSC (EdUFSC) podem ser feitos pelos telefones (48) 3721-9408 e 3721-9605.
Por Paulo Clovis / Agecom