Fazendas marinhas diversificam produção em Santa Catarina

30/07/2007 09:14

Uma nova fonte de renda pode ajudar a quem antes dependia só da pesca a ganhar mais e ainda preservar o meio ambiente. O cultivo de uma espécie nativa de vieira em fazendas marinhas tem vantagens adicionais: estimular a gastronomia e até o turismo em Santa Catarina, pois somente neste estado e no Rio de Janeiro cultivam-se os moluscos internacionalmente conhecidos pela denominação “coquille de Saint-Jacques”.

Os franceses não só o batizaram, como fizeram dele um quitute – incluindo também a ova em seus pratos. Por sua vez, os japoneses consomem todas as partes internas das vieiras, enquanto os norte-americanos preferem somente um músculo que se resume a menos de 10 gramas do peso total do molusco (entre 70 e 200 gramas). Além de pequeno, o animal existe na natureza em pontos isolados do planeta, geralmente em pouca quantidade, e coletá-lo para venda poderia causar sua extinção.

O único modo de aproveitamento econômico dessa iguaria é a aqüicultura. No ano passado foram produzidas quase 24 mil unidades, principalmente nos arredores de Florianópolis (11.508), Porto Belo (8 mil), Penha (2.250), São José (1.500) e Balneário Camboriú (480). “A atividade de cultivo de vieiras está apenas iniciando em Santa Catarina, e de acordo com os resultados que temos até agora, as perspectivas são as melhores possíveis”, analisa Guilherme Sabino Rupp, pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri). “Os produtores estão entusiasmados”.

É o que confirma o dono da empresa Ostraviva Comércio de Mariscos, Rafael Westphal. Ele emprega oito trabalhadores no Ribeirão da Ilha, em Florianópolis, e fala da empolgação da equipe: “A gente está vendo que a produção é viável”. Westphal entrega aproximadamente 180 vieiras por semana para compradores paulistas, ao custo de 50 reais por dúzia – 15 a 30 reais a mais do que o preço obtido por competidores limitados às vendas locais.

A longo prazo, sua ambição é exportar o produto industrializado – in natura não seria possível, por causa da legislação que proíbe importar ou exportar qualquer animal vivo. “Congelado, ele é bem aceito no mercado”, pondera, lembrando que diversos viajantes pagam 82 reais para levar, do aeroporto da capital, bandejas com três vieiras importadas do Chile pré-cozidas e congeladas. “Elas são muito apreciadas pelos chefs de cozinha e têm tudo para ser um diferencial da gastronomia local.”

Pioneirismo

A exemplo do que ocorreu com a ostra, cujo cultivo na Ilha de Santa Catarina originou inclusive um festival gastronômico anual, a Fenaostra, as fazendas marinhas de vieira podem crescer e se multiplicar, caso prossiga a aplicação de verbas em estudos, como os conduzidos pela Epagri, Univali (Universidade do Vale do Itajaí) e UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

“É interesse da Fapesc apoiar esse projeto pois é uma atividade que ainda há aspectos tecnológicos não totalmente dominados”, explica Zenório Piana, diretor de Pesquisa Agropecuária da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina.

A Fapesc investe não só em pesquisas sobre cultivo de vieiras, mas também de mariscos e ostras, por meio do projeto Geração e Transferência de Tecnologia em Malacocultura (produção de moluscos), em parceria com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Finep (Financiadora Nacional de Estudos e Projetos). “Temos de aplicar recursos em atividades que tragam retorno social”, diz Piana.

Tal suporte econômico resultou na produção de 14.900 toneladas de ostras, mariscos e vieiras no Brasil em 2005, segundo dados da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP). Quase 95 % deste volume veio de Santa Catarina. O estado inclusive foi pioneiro na malacocultura brasileira em escala empresarial. Atualmente, 14 municípios litorâneos geram moluscos, por meio de 767 produtores, organizados em 18 associações e quatro cooperativas, de acordo com a Epagri.

O mexilhão Perna perna continua sendo a espécie mais comum nas fazendas marinhas locais, porém a UFSC também pesquisa a produção de sementes de ostras e vieiras. O estado dispõe de baías e regiões protegidas de fortes ondas, correntes e marés, o que propicia a instalação de estruturas a custos relativamente baixos. Além disso, o território catarinense fica perto da região mais populosa do país, o sudeste – com quase 100 milhões de habitantes –, o que representa um grande mercado consumidor em potencial. A isso se soma a proximidade com nações do Mercosul, atualmente atendidas pelas vieiras cultivadas no Chile.

Em âmbito mundial, há que se vencer a competição com a China, maior produtor do molusco no planeta, ganhando até do Japão, segundo Guilherme Búrigo Zanette, engenheiro de aqüicultura com mestrado na mesma área, realizado na UFSC. “O Brasil chegou a exportar outra espécie nativa de vieira, mas pela intensa extração, os bancos ficaram escassos e ocorreu o colapso total da atividade.”

Cultivo contribui para limpeza do mar

Também conhecida como “pata de leão” ou “concha da Shell” – devido à forma similar ao logotipo da multinacional –, a espécie Nodipecten nodosus aparece naturalmente em pontos isolados da Colômbia, do Brasil, da Venezuela e do Caribe, na maioria em ilhas costeiras. A despeito de sua raridade, o animal é caçado e vendido a preços exorbitantes. O problema é ainda pior quando criminosos coletam vieiras nos ambientes que mais precisam ser mantidos intactos.

Esse é o caso da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, localizada a 11 quilômetros da Ilha de Santa Catarina, onde está vedado qualquer tipo de caça ou pesca. Isso não impede a captura clandestina de vieiras. Como inexistem estudos e ações eficientes de fiscalização, ninguém se atreve a dizer quantos indivíduos sobraram na região. “O que posso afirmar é que em outras ilhas, como o Xavier, encontrávamos vieiras no passado. Entretanto, em mergulhos recentes para avaliação da população, não encontrei nenhum exemplar”, afirma Guilherme Rupp, que também é membro do Conselho Consultivo da Reserva do arvoredo.

“Se parar a extração logo, os estoques devem se recompor, ainda que estejam bem reduzidos”, acredita o produtor Rafael Westphal, cujo trabalho final no curso de aqüicultura da UFSC analisou a taxa de sobrevivência de vieiras na baía sul de Florianópolis e descobriu que ela morre menos do que as ostras, por exemplo, porque é nativa da área e está bem adaptada às condições ambientais do lugar. Posteriormente, abriu uma empresa no Ribeirão da Ilha e incluiu a vieira no cardápio de novidades gastronômicas. “Hoje tenho mil dúzias prontas para o comércio e mais alguns lotes em desenvolvimento”, comemora.

Esgotos

O Instituto de Ecodesenvolvimento de Ilha Grande (Rio de Janeiro) já havia alertado no seu site que várias populações nativas de vieiras têm sido inteiramente dizimadas. Para evitar essa catástrofe ecológica, o órgão situado em Angra dos Reis tenta conscientizar pescadores sobre os benefícios da malacocultura, cujo negócio depende da saúde ambiental do mar. No primeiro sinal de poluição da água, eles reagem e denunciam ao poder estabelecido na região que algo está errado, além de exigir das autoridades iniciativas no sentido de implantar sistemas de tratamentos de esgotos. A preservação do meio ambiente aumenta na mesma proporção da implantação do número de fazendas marinhas, pois elas funcionam como atratores de peixes e camarões, os quais procuram os locais de cultivo para se protegerem, na opinião do Instituto.

Mais de uma década de pesquisas

O êxito que 50 produtores comemoraram em 2006, quando o cultivo comercial da vieira teve início em Santa Catarina, deve-se a estudos iniciados há mais de 13 anos. Anteriormente pesquisadores de outros países só tinham investigado a viabilidade econômica de se produzir outras espécies, geralmente em águas frias, mas nada tinham feito sobre a espécie tropical que ocorre em nossas águas.

“Na verdade, as pesquisas em relação à produção de sementes da vieira

Nodipecten nodosus em laboratório, começaram como parte da minha dissertação de mestrado, em 1993″, diz Guilherme Rupp, do Centro de Desenvolvimento em Aqüicultura e Pesca da Epagri (CEDAP). “Nesse trabalho, pela primeira vez foi obtido sucesso na produção de sementes em laboratório, abrindo belas perspectivas em relação ao cultivo dessa espécie. A partir daí, temos realizado várias pesquisas em diversas etapas do ciclo reprodutivo.”

O cultivo integral da vieira compreende várias etapas: obtenção e maturação e reprodutores, desova, larvicultura, assentamento e metamorfose, cultivo berçário, cultivo intermediário e cultivo final ou engorda. “Enquanto não tivéssemos conhecimentos sobre todas estas etapas e uma produção de sementes em quantidades adequadas, tratamos de não estimular o desenvolvimento da atividade, para evitarmos frustrar expectativas dos produtores”, pondera Rupp.

Muitos produtores têm apostado na diversificação de suas atividades, mesmo que continuem vendendo mais mariscos que qualquer outro molusco.”Hoje o carro-chefe é o mexilhão, pelo volume de produção que alcança”, explica o chefe do CEDAP, Francisco Manoel de Oliveira Neto. O passo seguinte é conseguir exportar parte da produção, mas isso não depende apenas dos pesquisadores. “É uma prioridade do governo federal e do estadual garantir a segurança do consumidor e a competitividade a nível exterior. Temos todo um mercado aberto.”

Mais informações:

Pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), Guilherme Rupp – 48 3239 55 00

Chefe do CEDAP, Francisco Manoel de Oliveira Neto – Epagri 48 9967 7972

Chefe do Laboratório de Moluscos Marinhos da Universidade Federal de Santa Catarina, Prof. Jaime Ferreira 3232 3279, 3335 0224 ou 3271 5474

Chefe do Laboratório de Aqüicultura da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Prof. Gilberto Caetano Manzoni, 47 3345 5980

Por Heloisa Dallanhol / Fapesc