Simpósio aproxima argentinos e brasileiros por meio da literatura

29/09/2010 13:10

Conferência de abertura: aproximação é essencial

Conferência de abertura: aproximação é essencial

A jornalista e professora Liliana Reales, do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC, é uma das organizadoras do Simpósio Internacional de Literatura Argentina em seu Bicentenário – As Bibliotecas Insaciáveis, que vai de hoje (29/09) a 1º. de outubro no auditório Henrique Fontes, no campus da Trindade. Ela diz que o evento será uma boa oportunidade de discussão da produção literária do país vizinho envolvendo argentinos que moram no Brasil e brasileiros interessados da cultura latino-americana. Embora ressalte a importância de todos os convidados, Reales destaca as presenças de Noé Jitrik, 82 anos, um dos grandes mestres da crítica literária portenha e formador de gerações de ensaístas e críticos naquele país, de Gabriela Nouzeilles, catedrática da Princeton University, e do escritor Daniel Link.

Com o simpósio, o Núcleo Onetti e o Núcleo de Estudos Literários & Culturais (Nelic), vinculados ao CCE, pretendem diminuir a distância entre a literatura argentina e o público brasileiro. Segundo os organizadores, é a primeira vez que um evento deste porte acontece no Brasil, com a proposta de discutir a criação literária argentina e seu papel tanto no âmbito latino-americano quanto sua projeção universal. O colóquio Tempo e Movimento – Imagens Argentinas (4 a 6 de outubro) e a exposição O Que é um Autor? (29 de setembro a 6 de outubro) são atividades paralelas ao evento central.

O professor Raúl Antelo, crítico do distanciamento dos brasileiros em relação à produção literária argentina, adverte que a recíproca não é verdadeira. Enquanto a literatura brasileira é cadeira específica na Universidade de Buenos Aires desde a aproximação entre Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón, em meados dos anos 40, o que se escreve na Argentina ainda é pouco evidenciado no Brasil. “Há 60, 70 anos, o brasileiro urbano tinha uma informação muito mais acurada do que acontecia na Argentina”, diz ele. “Instigado pela indústria cultural, hoje esse conhecimento se limita ao esporte e a estereótipos paupérrimos”.

Leitura do “outro” – Para Liliana Reales, o Brasil é referência para qualquer país da América hispânica, cujos destinos jamais estiveram desvinculados do destino e do porvir do vizinho territorialmente mais aquinhoado. “Isso esteve claro desde Simon Bolívar, que convocou o Brasil a se unir à utopia da Pátria Grande”, recorda ela. O fato de estar de costas para os demais países sul-americanos – crítica que se faz ao Brasil, sobretudo no aspecto cultural – deve-se, segundo a professora, a questões políticas, no melhor dos casos, e à intolerância, no pior, a partir da ação de “setores bem definidos e que historicamente mantiveram o poder”. Hoje existe, ainda que de forma tímida, uma reaproximação do Brasil com o resto da América Latina.

“Os escritores, professores, pesquisadores, jornalistas e críticos brasileiros conhecem essas literaturas e em muitos casos têm produzido ensaios, comentários e textos memoráveis sobre a produção dos vizinhos – sem os quais, aliás, jamais se completaria o mapa que dimensiona tais literaturas”, afirma a professora. Para ela, a ausência de disciplinas específicas de literatura argentina, uruguaia ou paraguaia nas universidades brasileiras “nada tem a ver, absolutamente, com incapacidades de avaliação da qualidade dessas literaturas”.

Brasileiros e argentinos discutem produção literária

Brasileiros e argentinos discutem produção literária

Ela explica o que os organizadores pretendem com o simpósio na UFSC: “Trata-se de se ler, na leitura do ‘outro’, um outro sem o qual não ‘sou’. Trata-se, para os argentinos que aqui estarão, de se escutarem na leitura do outro e, para os brasileiros, a mesma coisa. Quando os argentinos estiverem falando de sua literatura, aqui isso lhes exigirá, certamente, um deslocamento, um certo remanejamento de suas pautas e chaves de leitura. Eles falarão para uma escuta que lhes exige uma dicção outra, a qual, desde logo, produz um efeito de auto-estranhamento, sem o qual nunca se enriqueceria aquilo que consideramos próprio, singular. A singularização se produz nas respostas do outro. Já para os brasileiros, será uma oportunidade rara de re-armar suas figurações e representações daquilo que se chama cultura argentina. E, nesse movimento, re-figurar as suas relações com essa cultura e com a própria”.

Em relação às “bibliotecas insaciáveis”, Liliana Reales informa que se trata da apropriação de uma metáfora já presente em “Veinte poemas para ser leídos em el tranvía”, de Oliverio Girondo, de 1922, e antes, em 1913, em “Um libro saturniano”, de René Zapata Quesada, que reivindicam à literatura argentina o mesmo “estômago eclético” que Borges lembraria mais tarde, em sua conferência de 1951, publicada primeiro em “Sur” e mais tarde nas “Obras completas”, onde aludia à capacidade dos latino-americanos de triturar e digerir todos os temas para daí fazer o próprio. Ressalta Liliana: “Digeri-los (os temas) sem superstições, o que significa sem vassalagem, transgressiva e irreverentemente, com uma mescla de conhecimento e desvio. Isso é o que nos une. Isso se acentua por uma conduta que nos caracterizou fortemente, sobretudo durante o século XX: uma profunda desconfiança nas pautas herdadas da tradição”.

O primeiro dia – Na abertura do Simpósio Internacional de Literatura Argentina, na manhã desta quarta-feira, o professor José Antonio Bellini de Cunha Neto, que representou o reitor Alvaro Toubes Prata e a pró-reitora de Pós-graduação, Maria Lúcia de Barros Camargo, destacou a importância e o ineditismo do evento e opinou que ele deveria ter acontecido há mais tempo, promovendo uma integração com a Argentina que pode ter desdobramentos na literatura, na música e em outras artes. Ele disse que a própria universidade pode aproveitar o encontro para ampliar o intercâmbio com o país vizinho em outras áreas do conhecimento. Já o professor Felício Margotti, diretor do Centro de Comunicação e Expressão, deu boas-vindas aos participantes e enumerou as pesquisas feitas no CCE envolvendo a produção literária argentina. O professor Raúl Antelo fez uma rápida palestra antes da conferência de abertura do crítico Noé Jitrick, da Universidade de Buenos Aires.

PROGRAMAÇÃO

Simpósio Internacional de Literatura Argentina “As Bibliotecas Insaciáveis”

29 de setembro a 1º de outubro de 2010

Mostra de Fotografia “O que é um autor?”

29 de setembro a 6 de outubro de 2010

Colóquio Internacional “Tempo e Movimento: Imagens Argentinas”

4 a 6 de outubro de 2010

A programação completa pode ser vista em http://www.onetti.cce.ufsc.br/simposio/index.html

Mais informações podem ser obtidas com o jornalista Edson Burg pelo fone (48) 9944-9825 e pelo e-mail edson157@gmail.com.

Por Paulo Clóvis Schmitz / Jornalista na Agecom

Fotos: Paulo Roberto Noronha/Agecom