Marlene de Fáveri fala quinta-feira no Círculo de Leitura

28/09/2010 10:52

A professora Marlene de Fáveri, autora do livro “Memórias de uma (outra) guerra – Cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em Santa Catarina”, é a convidada da 52ª. edição do Círculo de Leitura de Florianópolis, marcada para o dia 30, quinta-feira, às 18h, na sala Harry Laus da Biblioteca Universitária da UFSC. Ela é professora do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e responde atualmente pela direção do Centro de Ciências Humanas e de Educação da instituição. Suas pesquisas se concentram na história da América Latina, no papel das mulheres na história e nas relações de gênero.

Nascida na localidade de Vila Maria, interior de Nova Veneza (sul de Santa Catarina), Marlene teve na biblioteca da escola o primeiro contato com os livros e fez de volumes sobre o integralismo, movimento defendido pelo avô, a leitura “proibida” da infância, à luz da lamparina, escondida da mãe. Depois, descobriu José de Alencar e Machado de Assis, e já na faculdade começou a publicar suas poesias em coletâneas. Graduou-se em Sociologia e em História e passou a se dedicar às questões de gênero, descobrindo “a feminista que sempre fui”, segundo suas palavras.

O livro “Memórias de uma (outra) guerra” (UFSC/Univali, 2004) fala do duro tratamento imposto aos descendentes de imigrantes alemães e italianos em Santa Catarina durante a ditadura Vargas. Usando uma linguagem literária, próxima da ficção, Marlene fala da censura, das prisões, da tortura e do medo que tomou conta de famílias cujo crime era não dominar o idioma português. Na época, o governo brasileiro perseguiu os imigrantes sob o argumento de que queria evitar o surgimento de um Estado alemão no sul do Brasil.

O CÍRCULO

Criado pelo poeta Alcides Buss, o Círculo de Leitura é um projeto que permite ao convidado e aos presentes discutirem informalmente sobre os livros que estejam lendo, as leituras do passado e as influências de outros autores sobre o seu trabalho. Escritores e jornalistas como Salim Miguel, Oldemar Olsen Jr., Fábio Brüggemann, Inês Mafra, Mário Pereira, Maicon Tenfen, Cleber Teixeira, Dennis Radünz, Rubens da Cunha, Renato Tapado, Raimundo Caruso, Nei Duclós, Marco Vasques, Zahidé Muzart, João Carlos Mosimann, Mário Prata, Rogério Pereira, Rosana Bond e Tabajara Ruas foram alguns dos participantes das etapas anteriores do projeto.

BREVE ENTREVISTA

Como foram seus primeiros contatos com a leitura? Havia em sua casa um ambiente propício para o convívio com os livros?

Marlene de Fáveri – Comecei a ler tomando emprestados os livros da biblioteca da escola, em Nova Veneza, e lembro muito bem de “A Branca de Neve e os Sete Anões”. Depois, sem entender do assunto, lia escondido a única coisa que havia em casa, obras sobre o integralismo que pertenciam ao meu avô, além da revista “Família Cristã”. Mais tarde, já morando em Turvo, pegava os livros de autores brasileiros na Biblioteca Municipal. Lia até a madrugada, tapando as frestas de madeira do meu quarto, porque minha mãe não queria que gastássemos a querosene que alimentava as lamparinas da família.

Depois disso, na adolescência, que leituras chamaram mais a sua atenção?

Marlene – Minha preferência era pelos romances de Alencar e Machado de Assis. Ficava imaginando lugares, pessoas e situações a partir do que estava nos livros. Escrevo poesia desde os sete ou oito anos, e bem depois, entre 1987 e 1991, publiquei textos em coletâneas editadas pelo Grupo de Poetas e Escritores Mário Quintana, em Itajaí.

Como os livros influenciaram a sua carreira e a escolha da profissão?

Marlene – A literatura foi fundamental para a minha carreira profissional. Ela me levou para a Sociologia e depois para a História, que é uma paixão da infância. Com o tempo, fui derivando para uma literatura mais sociológica e feminista. Seja na leitura, seja na pesquisa, seja nos contos e poesias que escrevo, passei a focar os direitos e lutas das mulheres e as relações de gênero.

O que está lendo no momento?

Marlene – Acabei de ler “Os Catadores de Conchas”, da escritora inglesa Rosamunde Pilcher, e “Camilo Mortágua”, de Josué Guimarães. Também gosto de Isabel Allende e de outros autores latino-americanos. E, como não poderia deixar de ser, aprecio obras de mulheres, literatura feminista e livros que tratam das questões de gênero no Brasil. Só fico preocupada com o baixo índice de leituras entre os jovens, que estão mais ligados à internet e muitas nem lêem o que é pedido pelos professores em sala de aula.

Seu livro “Memórias de uma (outra) guerra” rompe o silêncio dos descendentes de imigrantes alemães e italianos sobre as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra em Santa Catarina. Como foi o trabalho que resultou na obra?

Marlene – A pesquisa que redundou no livro rompe silêncios há quase 60 anos guardados na memória, porque recupera experiências vividas por homens e mulheres, principalmente estrangeiros e descendentes. Foi uma surpresa encontrar campos de concentração em Santa Catarina, pessoas que foram torturadas, e tantas reprimendas e prisões por conta da língua estrangeira. O livro revela faces desta guerra que estavam silenciadas, esquecidas quase que voluntariamente por aqueles que viveram a repressão. É significativo como de uma hora para outra as pessoas tiveram que trocar de língua para escapar da prisão, o que gerou silêncio e táticas de sobrevivência, quer entre as crianças, quer nas relações de sociabilidade, quer nas escolas. Os processos-crime abertos naquele período mostram que foi uma “guerra de nervos”, de denúncias e revanchismos entre vizinhos.

A autora temeu represálias por mexer em feridas cicatrizadas, citando nominalmente as vítimas da repressão?

Marlene – Encontrei processos que trazem uma versão completamente diferente da que foi narrada depois pelos familiares. Porém, foi uma decisão consciente citar as fontes na íntegra, sem omitir nomes e relações, pois acredito que o historiador tem compromissos com uma historiografia cuja ética é não inventar, mas interpretar e construir uma narrativa a partir do que as fontes dizem, ciente de que cada leitor faz sua própria representação do que lê.

Mais informações com Marlene de Fáveri pelos fones (48) 3321-8546 e 9933-7028.

Por Paulo Clóvis Schmitz / Jornalista na Agecom