Especial Pesquisa: estudo identifica os métodos mais utilizados na preparação do feijão
Quando pensamos qual o prato mais comum na mesa do brasileiro, a imagem do arroz com feijão é a que vem à cabeça da maioria das pessoas que conhecem o país. Porém, ainda há muita divergência sobre a melhor forma de se preparar o feijão que será consumido pelos brasileiros. Na Universidade Federal de Santa Catarina, uma pesquisa buscou identificar as técnicas de preparo e os tipos de feijões utilizados em Unidades Produtoras de Refeições das regiões Sul e Sudeste, e relacionar os resultados com as bibliografias científicas já existentes no meio acadêmico. Os resultados mostraram que é indicado descartar a água usada para deixar o feijão de molho; a maioria dos nutricionistas que realiza o remolho faz exatamente isso.
Tanto cozinhas industriais como comerciais fizeram parte da pesquisa, que contemplou creches, restaurantes populares, refeitórios em asilos e empresas. A mestranda do curso de Nutrição e responsável pela pesquisa, Ana Carolina Fernandes, conta que a iniciativa surgiu na época da graduação, quando realizou pesquisa relacionada à qualidade nutricional do arroz e do feijão.
O projeto foi desenvolvido em colaboração com a professora do Departamento de Nutrição Rossana Proença, que mais tarde se tornou sua orientadora do mestrado. “Tivemos dificuldade em encontrar pesquisas sobre esse tema”, lembra Ana Carolina. Estava aí um bom assunto para estudo depois que a nutricionista recebesse seu diploma. A escolha foi certeira: agora ela terá um artigo sobre a influência do remolho na qualidade nutricional do feijão publicado na International Journal of Food, Science and Technology, periódico da Inglaterra.
A dissertação de mestrado começou em 2008, com a análise de artigos que investigassem os benefícios e os malefícios de se deixar o feijão de molho antes do seu preparo, técnica conhecida como remolho. Essa primeira parte da pesquisa tinha um objetivo específico: saber qual a influência nutricional quando se descarta ou utiliza essa água para o cozimento do grão. Dos 404 artigos rastreados em portais de pesquisa científica, a mestranda selecionou 11 que tratavam especificamente do uso ou do descarte com comparação da qualidade nutricional.
A partir da leitura dos artigos, Ana Carolina conclui que não há uma recomendação unânime de qual procedimento é melhor para a saúde do consumidor. Alguns autores defendem o uso da água do remolho, e outros o descarte antes do cozimento do feijão. Ainda assim, a maioria dos artigos indica que é mais vantajoso descartar a água, uma vez que os antinutrientes – compostos que interferem na absorção dos nutrientes – são removidos, mesmo que não por completo; a quantidade de nutrientes, como carboidratos e fibras, não tem alteração significativa, e aquela sensação de desconforto abdominal e flatulência que muitos reclamam depois de comer o grão, diminui. “Já ouvimos algumas pessoas confessarem que não consomem o feijão preparado fora de casa, porque percebem que o organismo produz mais gases”.
O passo seguinte da pesquisa foi enviar um questionário com uma série de perguntas sobre o preparo do feijão nas Unidades Produtoras de Refeições. O contato foi feito através de endereço eletrônico, para nutricionistas conhecidos, cursos de graduação em Nutrição, grandes empresas que terceirizam refeições e principalmente para os Conselhos Regionais de Nutricionistas. Puderam participar apenas os locais que contavam com nutricionistas na equipe.
“Para responder ao questionário, o nutricionista deveria preencher o número de registro profissional, cujo primeiro dígito indica a região ou estado de atuação. Isso ajudou para que apenas aqueles localizados na região da pesquisa participassem, sem a possibilidade de dupla resposta”, explica a mestranda. A etapa da coleta de dados durou quatro meses e atingiu um total de 445 Unidades Produtoras de Refeições. Através dela é que Ana Carolina pôde quantificar informações relacionadas ao tipo de feijão mais utilizado nas regiões delimitadas, a escolha pela utilização ou não da água do remolho, o tempo em que o feijão ficava de molho, bem como o que motivava os nutricionistas a escolherem uma técnica em detrimento da outra.
Surpresa com os resultados
Os resultados surpreenderam em muitos aspectos. A mestranda não encontrou uma associação entre o tempo de remolho e a localidade em que foi realizada a técnica. Ela acreditava que o feijão poderia ficar mais tempo de molho na região Sul, por ser um local mais frio do que no Sudeste (nesta região há receio de fermentação, em função das temperaturas mais altas). Outro resultado curioso foi a diferença mínima entre aqueles que realizam o remolho e aqueles que não o fazem – 49% contra 51%.
O motivo assinalado pelos nutricionistas abriu espaço para uma crítica na dissertação. Os profissionais que praticam o remolho, o fazem, principalmente, pelos benefícios nutricionais da técnica. Porém, os profissionais que não deixam o feijão de molho justificam especialmente questões operacionais, como a facilidade de preparação (é mais prático, demanda menos trabalho e exige menos equipamentos). “Há uma preocupação quando observamos que as questões operacionais e financeiras da preparação alimentícia superam as questões de saúde na prática da profissão”, alerta Ana.
A pesquisa indica que a maioria dos nutricionistas dispensa a água do remolho antes do cozimento do feijão. “Os profissionais preocupam-se com a contaminação dessa água, mas não encontramos estudos que comprovem que isto ocorra, apenas que não há alteração de micro-organismos”, complementa.
Concluído o mestrado, Ana Carolina tem planos para continuar as pesquisas envolvendo a preparação do feijão. Sua dissertação vai ser adaptada, na forma de artigo, para a revista Nutrição em Pauta, direcionada a profissionais que atuam na área técnica. Também há o interesse de produzir um livro sobre o preparo do grão com gostinho brasileiro.
Sem fugir do tema que a acompanha desde a graduação, Ana também pretende, no futuro, iniciar uma pesquisa sobre a qualidade nutricional e sensorial do feijão industrializado. Nos estudos recentes, esse tipo de feijão já aparece nas Unidades Produtoras de Refeições, ainda que um pouco tímido. Se a nutricionista provar que seus nutrientes são mantidos e não são utilizados conservantes, quem sabe o feijão industrializado mude sua imagem e comece a ser mais frequente na refeição do brasileiro.
Mais informações: Ana Carolina Fernandes, (48) 3721-9784, ramal 31 / pesquisafeijao@ccs.ufsc.br / www.pesquisafeijao.ufsc.br
Por Claudia Mebs Nunes / Bolsista de Jornalismo na Agecom
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