Autora de grandes reportagens e agora videodocumentarista, Eliane Brum abriu a 9ª Semana do Jornalismo

Fotos: Rodolfo Conceição/ Agecom
A Semana de Jornalismo da UFSC está na 9ª edição e tem como objetivo aproximar alunos e profissionais. Por que você decidiu participar do projeto?
Acredito profundamente na reportagem e no poder da reportagem quando ela é feita com ética e com verdade. Então, sempre que posso, aceito os convites para palestras. Acho um grande privilégio poder falar sobre o que eu amo para pessoas que também amam. Um professor, Marques Leonam, mudou a minha vida e permitiu que eu descobrisse que era repórter quando estava no último semestre da faculdade de jornalismo da PUC/RS. Se eu não o tivesse encontrado e se ele não tivesse tido a generosidade de ser um professor que honra o nome, eu possivelmente não seria repórter e teria perdido muitas vidas. Tento retribuir o que recebi fazendo palestras e oficinas. Infelizmente, nem sempre é possível aceitar os convites, porque vivo às voltas com as histórias que conto. Que bom que deu certo de vir para a semana de jornalismo da UFSC!
Em março você deixou o cargo de repórter especial da revista Época para se dedicar a projetos pessoais. O que a motivou a tomar essa decisão?
Depois de quase 22 anos sendo repórter numa redação (onze anos na Zero Hora, em Porto Alegre e dez na Época, em São Paulo) achei que estava na hora de me reinventar. Eu não gosto de conforto. Quero dizer, adoro ficar no sofá azul da minha casa assistindo a filmes, seriados, lendo livros e comendo leite condensado de colher, mas não gosto do conforto que faz com que a vida ganhe muitas certezas.
Aprendi na reportagem que as certezas são bichinhos ilusórios, muitas vezes danosos. A reportagem, como a vida, só se faz no espanto e no risco. Achei que estava na hora de usar tudo o que construí para me lançar no vazio novamente. E descobrir outras maneiras de ser repórter e de viver, outras maneiras de contar histórias. Deve ter a ver também com algo que está muito distante de quem tem 20 anos e está na faculdade. Quando você chega aos 40 e poucos, percebe que a vida não é para sempre – mesmo. Que o seu tempo com saúde e possibilidade de pegar malária na África ou na Amazônia sem morrer por lá mesmo vai se escasseando. Ao mesmo tempo você aprendeu, se prestou atenção, que a coisa mais valiosa que tem é o seu tempo. Para mim se tornou fundamental me reapropriar do meu tempo, o que ainda venho construindo, porque para que isso seja realmente consumado é necessário fazer uma mudança interna muito grande. E mudar é muito difícil, exige todas as nossas energias. Hoje, estou aprendendo a viver com cinco vezes menos dinheiro do que ganhava e com uma liberdade só limitada pela condição humana. Estou, como escrevi numa coluna recente no site da Época (“Desconhece-te a ti mesmo”), me desconhecendo. Se interessar, conto as minhas razões em outra coluna, chamada “Escrivaninha Xerife”. Estas colunas que citei podem ser acessadas no meu arquivo, no site epoca.com.br
No seu livro ´A vida que ninguém vê` você fala que “Não existem vidas comuns, existem olhos domesticados.”. Quando surgiu esse interesse por histórias particulares?
Eu me considero uma repórter de “desacontecimentos”. Não me interesso pelo que é a matéria mais definidora do jornalismo, que é a quebra da rotina, os acontecimentos que supostamente surpreendem. Meu interesse sempre foi por aquilo que se repete, pela matéria supostamente ordinária dos dias. Do mesmo modo, não me interesso pelas supostas celebridades ou importâncias, me interesso pelas pessoas consideradas comuns. Acredito que não existem vidas comuns, só isso mesmo: olhos domesticados. Ao domesticar nossos olhos para obedecer a uma lógica que para mim não faz o menor sentido, aniquilamos a vida dos outros e também a nossa. Perdemos o sentido da singularidade, que é da nossa condição. Podemos ser poeira, mas como dizia o Carl Sagan, somos poeiras de estrelas. Somos um fenômeno único e irrepetível. Precisamos perceber isso para entender que o que não fizermos não será feito, que nossa vida é preciosa. E que, ao mesmo tempo, todos somos assim. Esta é a importância e a “desigualdade” que nos iguala. Então, me interesso em contar como cada um dá sentido à sua vida usando tudo o que é. Isso é o que me interessa e são estas as histórias que eu conto como repórter. Desde que me lembro de mim é isso que me interessa. Cresci ouvindo histórias dos meus parentes da roça, das empregadas domésticas que passavam lá por casa. Prestava atenção ao que ouvia na rua. E era isso que buscava nos livros que lia.
Em tempos de jornalismo segmentado e twitter você ainda é adepta da grande reportagem que não poupa caracteres. Ainda há espaço para esse tipo de jornalismo?
Acho que há cada vez mais espaço. Os fatos, as coisas mais superficiais, quem dá hoje são os blogs, o twitter, os sites de notícias, estas coisas todas. Só faz sentido comprar uma revista ou um jornal se for para ler algo que vá além disso, algo que dê ao leitor todas as nuances de uma realidade onde ele não esteve. Sempre se olha muito para a falta de espaço na imprensa para a grande reportagem – e é verdade que é um problema. Mas se percebe pouco que é difícil encontrar quem faça direito e esteja disposto à entrega – e não raro ao sofrimento – que uma grande reportagem exige, tomando a tua vida durante semanas, te exigindo um desprendimento quase absoluto. E também uma grande dedicação na hora de escrever, na busca da palavra exata. Vejo editores que procuram repórteres capazes de dar conta e não encontram. Por isso é muito importante que se perceba que precisamos aprender para fazer. E que não é fácil fazer. Para isso serve também a faculdade.
Hoje em dia tenho uma coluna no site da Época e faço nela entrevistas que, se fossem publicadas na revista impressa, exigiriam cerca de 15 páginas. As pessoas lêem, contradizendo aquela balela de que leitor não gosta de ler. Leitor não gosta de ler texto ruim, tenha ele cinco linhas ou 50 mil caracteres. A internet, para mim, é exatamente isso: uma possibilidade única de escrever textos imensos, contar histórias cheias de detalhes e ouvir a opinião dos leitores no ato. Adoro.
Por Patrícia Cim/ Aluna do curso de Jornalismo da UFSC
Leia mais sobre a Semana
Eliane Brum, Xico Sá, Palmério Dória, Alberto Gaspar, André Kfouri, Nina Lemos e outros quinze jornalistas estarão reunidos em Florianópolis entre 13 e 17 de setembro para a 9ª Semana do Jornalismo da UFSC, que terá cinco dias de palestras, mesas de discussão, minicursos e exibição de documentários. O evento é totalmente organizado pelos alunos do curso e gratuito.
Convidada da palestra de abertura, Eliane Brum é um dos destaques da Semana e já venceu mais de 40 prêmios jornalísticos, entre eles Esso, Vladimir Herzog, Ayrton Senna, Rey de España e Sociedade Interamericana de Imprensa. Na palestra de quarta-feira, Palmério Dória, que concorre este ano ao prêmio Jabuti de Melhor Livro Reportagem com Honoráveis Bandidos – um retrato do Brasil na era Sarney, falará sobre sua experiência de mais de 40 anos de profissão. E para encerrar, a Semana contará com as histórias da carreira do jornalista e escritor Xico Sá, que neste ano lançou o livro Chabadabadá.
O evento será realizado no Auditório Henrique Fontes, no Centro de Comunicação e Expressão da UFSC. As palestras acontecerão entre as 20h e 21h30, e as mesas, entre as 17h30 e 19h. Na quinta-feira, também haverá mesa redonda às 15h. Os temas das discussões são variados: cobertura de escândalos políticos, jornalismo esportivo, crítica cultural, salvação do jornal impresso, cobertura em situações de risco e jornalismo para públicos específicos. Entre os convidados, o editor da Playboy Jardel Sebba, o ex-correspondente internacional da Rede Globo Alberto Gaspar, e o criador do site Cinema em Cena, Pablo Villaça.
Durante as manhãs de segunda a quinta-feira, serão oferecidos nove minicursos: produção de perfis, jornalismo de humor, adobe premiere avançado, jornalismo de moda, jornalismo investigativo, videoclipe, radioteatro, fotorreportagem e charge. Serão disponibilizados certificados pela Pró-Reitoria de Extensão da UFSC no dia 17.
A 9ª Semana terá transmissão ao vivo pela internet, no site do Estúdio de Videoconferência da UFSC. Os internautas que assistirem as mesas e palestras online também poderão participar enviando perguntas para o e-mail semanadojor@gmail.com. Matérias e fotos das mesas, palestras e minicursos serão disponibilizadas em www.semanadojornalismo.ufsc.br e poderão ser utilizadas por qualquer meio de comunicação mediante aviso prévio. Também será feita a cobertura pelo twitter @semanadojor.
Histórico
Pensando na interação entre aluno e profissional, a Semana do Jornalismo foi criada e realizada pela primeira vez em 2000. Já participaram do evento profissionais como Ricardo Kotscho, Marcos Uchôa, Marcelo Tas, Ruy Castro, Rubens Valente, Marcos Sá Corrêa, Daniela Pinheiro, Clóvis Rossi, Juca Kfouri, Eliane Cantanhêde, Marcelo Canellas, Ricardo Noblat, Antero Greco, Sônia Bridi, Fred Melo Paiva, Ruy Castro, Jaguar, Cassiano Machado, equipe do Profissão Repórter e vários outros. Mais de 50 oficinas e 40 palestras foram realizadas.
O quê: 9ª Semana de Jornalismo da UFSC
Quando: 13 a 17 de setembro
Onde: Centro de Comunicação e Expressão
Quanto: gratuito
Mais informações: semanadojor@gmail.com ou www.semanadojornalismo.ufsc.br
Por Felipe Machado