A projeção das editoras universitárias é a maior novidade do mercado livreiro nacional. Pesquisa mostra que a produção do livro universitário, voltado para a formação cultural do brasileiro, foi a que mais cresceu em qualidade no ano de 2010. É nesse cenário otimista e desafiante que a Editora da UFSC (EdUFSC) retorna ao mundo da 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que abriu no dia 12 de agosto e vai até o dia 22, no Centro de Exposições Anhembi, em São Paulo. Representando Santa Catarina na terceira maior feira de livros do planeta, a EdUFSC integra, na condição de sócio-fundadora, o grupo seleto das sete instituições públicas agrupadas em torno do estande da recém-criada Liga de Editoras Universitárias (LEU), de onde expõe para um público de aproximadamente um milhão de pessoas seu novo padrão gráfico e editorial.
Dissidência da Associação Brasileira de Editoras Universitárias (Abeu), que durante mais de 20 anos agregou as instituições públicas e privadas de ensino, a LEU estreia na megaexposição com o propósito de afirmar uma política pública de promoção do chamado livro de conhecimento. E ainda tem o desafio de potencializar uma tendência favorável do mercado: durante a feira, os editores universitários comemoraram divulgação recente de pesquisa do jornal Valor Econômico, segundo a qual quatro integrantes da Liga ocupam as seis melhores posições entre as editoras brasileiras eleitas por um grupo de críticos e professores de ensino superior: a Editora da Universidade Federal de Minas Gerais (EdUFMG), a da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a da Universidade de São Paulo (EdUSP), que empatou com a da Universidade de Brasília (UnB) figuram no pódio de qualidade logo atrás das poderosas Cosac Naify, em primeiro, Companhia das Letras, em segundo, e, emboladas no terceiro lugar, a Zero, Martins Fontes e Record.
A pesquisa demonstra o espaço representativo e único que as editoras acadêmicas ocupam no cenário cultural brasileiro. “Ao contrário das empresas comerciais, que se guiam pelo sucesso de vendas, só as nossas editoras, porque recebem subsídios de órgãos de pesquisa, podem se pautar exclusivamente pelo interesse universal das obras, sem se preocupar com o retorno financeiro”, analisa o presidente da LEU Wander Melo Miranda, intelectual que há 20 anos dirige a EdUFMG. “Estamos unindo esforços entre editoras afinadas com o propósito de produzir livros relevantes para o avanço do conhecimento no país nas mais diversas áreas”.
Além das já citadas, integram a Liga que acaba de se registrar como entidade sem fins lucrativos as editoras da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), além da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (IOESP). A criação de uma entidade alternativa à Abeu e específica das instituições públicas busca um diferencial em relação às universidades privadas, justifica Miranda. “Temos conselhos editoriais rigorosos e uma afinidade maior com a qualidade dos catálogos”, pontua Paulo Franchetti, diretor da Unicamp Editora. Outras instituições de peso estão pedindo filiação à entidade, como a Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mas Miranda garante que essa aproximação é espontânea. “Não vamos sair à caça de filiados. A única política que nos interessa é a do livro”.
No segundo dia da mostra, os sócio-fundadores se reuniram para definir Florianópolis como a sede da terceira reunião da entidade sem fins lucrativos e do primeiro seminário da LEU, a ser organizado em outubro pela EdUFSC, que em dezembro completa 30 anos de fundação. O diretor Sérgio Medeiros, responsável pela virada editorial, aproveitou a ida à Bienal para acertar com o poeta, tradutor e crítico literário Augusto de Campos, a publicação do livro de poemas de Pagu, organizado por ele, marcando a programação alusiva à data. Depois de ficar de fora da última Bienal e de outros eventos desse porte, a EdUFSC retorna à exposição com o propósito de seguir um padrão de excelência.
Dentre um total de cem títulos e mil exemplares figuram como cartão de visitas do estande da UFSC Divagações, de Mallarmé, Edifício Rogério, de Sganzerla, Breves Notas, de Gonçalo Tavares, Poesia Herege, de Evaristo Carriego e A chave do armário, de Miguel Almeida. E ainda A Batalha de Papel; a charge como arma na Guerra contra o Paraguai, de Mauro César Silveira, Economia e Sociedade, de Max Weber e Atualidade em Hegel, de Maria de Lourdes Borges, todos da nova coleção. A aposta em um padrão gráfico artístico e em uma seleção de títulos definidos pelo critério de relevância do conteúdo e não pela origem do autor foi logo percebida pelo público visitante.
“Se prosseguir nesse padrão, logo a EdUFSC será em breve uma referência nacional das mais significativas na área”, prevê Plínio Martins Filho, diretor executivo da EdUSP e vice-presidente da Leu. Paulo Franchetti, diretor da Editora da Unicamp, destaca a importância da publicação de Divagações, único livro de ensaios de Mallarmé traduzido por Fernando Scheibe, pela primeira vez em língua portuguesa. “Trata-se de um livro fundamental, que todo mundo conhecia e citava, mas ninguém havia lido em português porque há muitos anos se esperava por um tradutor heróico. O livro resultou em uma excelente tradução, acrescida de um cuidado gráfico esmerado”, elogia Franchetti. A entrada da EdUFSC, com seu “olho para publicações” é uma aposta na renovação, segundo o diretor. “Uma editora precisa de tempo para consolidar um trabalho, mas o salto de qualidade da UFSC em menos de um ano foi impressionante”, registra Miranda, destacando a repercussão de Poesia Herege, de Evaristo Carriego, na mídia nacional.
A doutora em literatura brasileira e integrante do Núcleo de Pesquisa em Literatura, Linguística e Informática da UFSC (Nupill), Deise Freitas, que foi a São Paulo participar do Fórum Internacional do Livro Digital e acabou adiando seu retorno a Florianópolis para visitar a feira, sinalizou a diferença do padrão gráfico: “Os livros ficaram bem mais atraentes com capas em papel fosco e um layout limpo e moderno”, atestou, elegendo Divagações e Poesia Herege como os exemplares mais belos e importantes da exposição. Deise também aprovou a escolha do papel pólen para as páginas interiores.
Com ênfase na formação cultural do leitor, os estandes das editoras universitárias se diferenciam do restante da feira, marcada cada vez mais pelo apelo comercial. Transitar por uma das 15 avenidas do Anhembi é expor-se ao assédio de um pelotão de “estagiários” contratados à ocasião pelas grandes editoras como Abril, Globo, Três, Larousse com suas iscas e falsos brindes. Sua insistência para persuadir o cliente a assinar uma publicação periódica lembra mais as técnicas agressivas de um vendedor de bilhetes de loteria ou de um guardador de carros do que de um comércio cultural.
A programação adere ao culto à mercadoria, com a predominância de encontros protagonizados por autores de best sellers da onda vampiresca, personalidades excêntricas do cinema, como Zé do Caixão, ou artistas globais, a exemplo de Nívea Stelmann e Regina Duarte, dividindo a cena com autores reconhecidos como Mia Couto e Jost Garden, José Eduardo Agualusa, Benjamin Moser, Azar Nafisi, Miguel Gonçalves Mendes, Dacre Stoker, John Boyne, Rogério Manjate. A isenção da entrada para os visitantes fantasiados também incentivou o desfile de personagens de desenhos animados japonês e outros personagens televisivos muito distantes do universo literário.
Entre o barulho dos caçadores de cartão de crédito e da tietagem a artistas e candidatos políticos que tem passagem obrigatória pelo Anhembi, a Bienal pode ser vista mais como um espetáculo circense em torno do livro do que um evento voltado para o livro em si. “Um modelo com os dias contados”, segundo Franchetti e Plínio Martins, que acreditam mais na eficácia de feiras regionais. Se cada família visitante adquirisse um exemplar, não haveria mais livros nos estoques da Bienal, como lembra Plínio. O público que paga R$ 10,00 por pessoa para entrar no Anhembi e R$ 25,00 para estacionar vai a Bienal ver o livro e não necessariamente comprá-lo. “Considerando uma família com quatro pessoas e o preço da alimentação no local, é provável que não sobre para a compra”, pondera Plínio, crítico mordaz da cobrança de ingresso.
As próprias editoras universitárias empreendem eventos mais eficazes na democratização do acesso ao livro, realizando elas mesmas suas feiras. É o caso da Edusp, que promove em setembro sua tradicional Festa de Livros, com entrada gratuita e descontos vantajosos. “É uma espécie de antibienal”, define. Caso também da UFSC, que até o dia 31 de agosto, na Praça da Cidadania, realiza o Feirão Volta às Aulas, quando os exemplares das novas e antigas coleções serão oferecidos com até 50% de desconto. A liga também já planeja sua participação na Feira do Livro de Frankfurt no próximo ano e no Salão do Livro de Paris.
O peso simbólico do evento supera, no entanto, o resultado em vendas. Durante 10 dias de Bienal o livro se torna objeto de desejo e foco das atenções no país que quer vencer um dos mais baixos índices de leitura do mundo. “Deixamos de ocupar espaço semanal nos suplementos literários para ser a pauta diária da mídia. É só por isso que ainda participamos desta feira”, pondera Plínio. “Na esperança de que um dia esses espectadores do livro se tornem também seus leitores”.
Editoras examinam com cautela euforia em torno do livro digital
As editoras universitárias também marcam sua posição no momento em que a comercialização dos modelos de livro eletrônico chega definitivamente no Brasil e alvoroça as livrarias. O salão da Bienal tornou-se uma plataforma de lançamento dos novos modelos, com a criação de espaços em que a leitura digital é o grande chamariz da feira, principalmente do público escolar e jovem. Entre atentos e desconfiados, assim pode-se definir a receptividade ao novo suporte entre os editores, que evitam uma adesão eufórica à nova tecnologia, mas também não a desconsideram como ferramenta complementar importante, embora nunca substituta do livro. Em entrevista ao Jornal Universitário, os editores falaram a respeito dos novos suportes de leitura.
Plínio Martins Filho (Edusp):
Eu não vou perder tempo com livro digital. Estão preocupados sómente em vender aparelhos, não em vender leitura. O e-book não incentiva o hábito de leitura para crianças porque elas já têm a televisão. Como instrumento e complemento da leitura é excelente, porque você não vai viajar com cem livros se pode levá-los gravados no aparelho, mas não é um instrumento de leitura prazerosa, de fruição. O I-pad jamais vai substituir o livro. Como diz Umberto Eco, depois que inventaram a roda e o garfo não dá mais para inventar a roda e o garfo. O livro eletrônico é uma imitação do livro, mas não é igual a ele. Pode fascinar as pessoas, mas vai obrigá-las a atualizar a tecnologia todos os anos, porque o objetivo é a venda. A tecnologia do livro impresso ainda é muito melhor. O importante do livro é o conteúdo, não o aparelho. Livro é livro em qualquer suporte. Mercado exagera nas vantagens dos livros eletrônicos para vender aparelho e não livro, e não cultura. Como a internet, são excelentes instrumentos para informação, não para formação cultural, ou para criação de hábito de leitura.
Estão tentando melhorar o e-book e no dia em que conseguirem superar o livro na sua praticidade, ótimo vamos aderir. Por enquanto, o livro serve mais à gente do que o outro. Não enguiça, não quebra, é portátil. Só tem dois inimigos: a água e o fogo. É falácia dizer que o livro ocupa muito espaço e aumenta a degradação ambiental. Imagine se três milhões de pessoas comprarem um e-book? Muito pior o lixo eletrônico que vai gerar. Conte quantos livros são impressos e quantos e-books são comercializados. Provavelmente não se tem no Brasil mais que três mil e-books vendidos. A Saraiva vendeu 1.500 desde que o produto foi lançado.
Paulo Franchetti (Unicamp)
Sou um adepto da tecnologia: trago no meu air fone 101 romances e novelas clássicos, audiobooks que posso ouvir em várias línguas, além de e-reader para fazer downloads de livros comercializados pela Amazon. Não acho que sejam tecnologias concorrentes do livro em todos os aspectos e circunstâncias. Boa parte dos livros de papel exige que você os rabisque ao ler. Isso tem um caráter físico. Não temos a mesma agilidade no e-book; fazer rabisco não é como anotar do lado. Tem que entrar em uma relação mediada pela técnica.
Livro impresso tem qualidade melhor, é mais confortável. Mesmo no caso do i-pad, a tela do computador cansa. Quando surgiu o cinema todo mundo achou que o teatro acabaria e quando surgiu o computador achou-se o mesmo em relação à TV. No entanto, todos esses meios continuam funcionam simultaneamente em sua especificidade. Acho que vai haver uma acomodação. Dicionários e enciclopédias estão fadados a desaparecer. Livros técnicos, obras de referência, títulos que precisam de atualização muito rápida, por exemplo, não serão mais impressos. Imaginem buscar uma jurisprudência entre 40 volumes como os advogados faziam? Tudo que depende de informação de caráter perecível vai migrar para o suporte eletrônico. Acredito que best sellers comerciais também vão migrar para o computador porque são leituras de moda, que não ficam. Obras que exigem maior envolvimento e mais tempo de leitura, no banheiro, na cama, na praia, continuarão sendo impressas, porque ninguém leva um i-pad pra ler na Praça da República, sob a ameaça de ser assaltado. E ninguém vai à praia ou piscina com um i-fone, sujeito a entrar areia, respingar água, cair no chão e estragar.
Wander Melo Miranda – presidente da LEU (UFMG Editora)
Como pesquisador não me preocupo com o e-book. Tenho formação de ler livro em papel. É apenas outro suporte de leitura. Acho que livros impressos e eletrônicos vão conviver por muitas décadas ainda. As universidades, enquanto geradoras de conhecimento e tecnologia, precisam se preocupar com essa inovação não porque está na moda ou porque o mercado lançou e dá lucro. Precisamos refletir com cuidado se vai contribuir antes de investir dinheiro. Acho que a invenção do e-book já colou – os Estados Unidos nos mostram isso – mas embora as universidades devam estar à frente do seu tempo, o Brasil tem tanta carência de bibliotecas de papel que me pergunto se investir no livro digital seria a solução.
Por Raquel Wandelli/Jornalista na SeCarte
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