O Enigma de Sganzerla chega ao Brasil pela UFSC

13/07/2010 15:10

São Paulo viveu no dia 12 de julho uma noite de overdose de Rogério Sganzerla, marcando a retomada e redescoberta da obra do cineasta no país. Caixa-livro Edifício Rogério, com os ensaios críticos do cineasta, foi lançada pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina para todo país no Instituto Itaú Cultural.

Com um indefinível sotaque brasileiro de quem sai da província e chega à metrópole sem se perder na multidão, Rogério Sganzerla (Joaçaba, 1946 – 2004) inscreveu seu projeto de cinema no panorama da arte universal. Misturou gêneros, fundiu o erudito e o pop, foi inconformado e transgressor mantendo um pé fincado na tradição clássica. Criou enfim, uma gramática nova. Na segunda-feira, 12, no Instituto Itaú Cultural, em São Paulo, artistas e intelectuais brasileiros pararam para reverenciar esse cineasta catarinense portador do emblema de, sendo morto, se fazer mais vivo e contemporâneo do que a própria arte contemporânea. E assim, feito um enigma ainda por decifrar, o escritor Sganzerla lançou para o mundo o conjunto de textos Edifício Rogério, sua obra crítica, publicada pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina.

A noite tropical que serviu de palco para o lançamento foi considerada pelos convidados como um banho de Sganzerla, irradiador de uma cultura ao mesmo tempo brasileira e cosmopolita. Músicos, artistas plásticos, escritores, cineastas, produtores culturais, estudantes da sétima arte de várias partes do Brasil agradeceram aos produtores do evento pelo presente em dose tripla: a densa e ilustrada revista Ocupação Rogério Sganzerla, quase um livro, e a própria mostra, promovida pelo Itaú; o lançamento dos Textos Críticos 1 e 2 pela UFSC e o lançamento do CD de Gilberto Gil, composto como trilha sonora para o filme de Sganzerla, Copacabana Mon Amour. Essa overdose de homenagens, um verdadeiro revival, marca a redescoberta no Brasil da obra do cineasta, que tem sido reverenciado como expressão do cinema de vanguarda em toda Europa, mas relegado ao esquecimento em seu país.

E em agosto haverá mais Sganzerla, com o lançamento da caixa-livro Edifício Rogério, desta vez em Florianópolis. Além do livro, a UFSC vai realizar o Ciclo Sganzerla, com os clássicos O Bandido da Luz Vermelha, A mulher de todos e Copacabana Mon Amour, além de lançar para o Brasil, em parceria com a Fundação Badesc, o longa-metragem Luz nas Trevas, que a atriz, diretora e viúva de Sganzerla Helena Ignez está finalizando. A data precisa ainda é objeto de acerto entre o diretor da Editora da UFSC, Sérgio Medeiros, Helena e Djin, filha do casal e responsável e responsável pela memória da obra do pai. Durante o evento, a pró-reitora de Cultura e Arte da UFSC, Maria de Lourdes Borges, também iniciou com o curador da mostra, o crítico Joel Pizzini, a família do cineasta e o Instituto Itaú, as tratativas para levar a ocupação a Florianópolis nesse evento, evitando que as fotografias, os filmes, os textos da exposição multimídia retornem para a produtora no encerramento, dia 18. Sobre a importância do livro, Pizzini diz que se trata de uma iniciativa tão ousada quanto a própria obra do cineasta. “Teremos uma resposta em nível internacional que a gente não pode nem medir”.

Luz nas Trevas dialoga com o filme 1968 e a obra do cineasta, coerente com o que ela chama do único projeto político e espiritual possível, de fazer uma arte crítica e inventiva com um jeito brasileiro de ser cosmopolita. Helena acredita as artes plásticas em geral e o cinema norte-americano aproveitaram mais a herança de Sganzerla do que o cinema brasileiro, que padece de um excesso de aceitação comercial à injustiça social e ao autoritarismo. “É quase o oposto da nossa geração”, diz a diva, agora uma senhora doce e irreverente, que encantou os convidados com sua firmeza serena de não só contribuir para que o Brasil redescubra e compreenda a estética do diretor, como de prosseguir o caminho de uma produção própria e inovadora, através da produtora Mercury, sediada no Rio de Janeiro. Djin, atriz quatro vezes premiada com Loura falsa e Meu nome é Dindi, traz na loirice matreira e cheia de vida, o emblema da mãe, que encenava a maior parte dos filmes do cineasta. Para mãe e filha, o lançamento dos ensaios críticos no coração de São Paulo tem um significado que extrapola o campo do cinema, porque trazem o pensamento de um Sganzerla que formula teses sobre a cultura brasileira e universal.

Desde que saiu do interior de Santa Catarina para estudar Direito na Mackenzie, na metrópole paulista, aos 17 anos, e ganhou espaço nos suplementos de cultura dos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, e Folha da Tarde, Sganzerla manteve a marca do inconformismo e da criatividade. A forma exemplar como enfrentou um câncer cerebral, aos 56 anos, mostrou, contudo, um Rogério maduro e sábio, capaz de pensar com serenidade crítica o próprio processo de deixar a vida, como reflete Ignez. Assim como na arte, sempre se postou diante da vida como criador, nunca como vítima. É por isso que sua obra ainda renasce e se lança para o mundo.

Fonte: Raquel Wandelli/ jornalista na Secretaria de Cultura e Arte da UFSC(SeCarte/Editora da UFSC)

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