Especial SBPC: Cidades devem se preparar para revolução com Pré-Sal
Depois de historiar os processos de ocupação, urbanização e de modernização de capitais como Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre, Vitória e São Paulo, que têm em comum a intervenção radical do colonizador no meio ambiente (desmontes de morros, aterros, destruição de mangues etc), a pesquisadora Maria Cristina Leme, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi incisiva ao anunciar uma revolução na vida das cidades e das populações litorâneas a partir da exploração das potencialidades das camadas do Pré-Sal. Maria Cristina proferiu nesta quarta, 28/07, a conferência ´Cidades brasileiras: interação com o mar`, realizada dentro da programação da 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal.
A arquiteta, que foi apresentada ao público pelo professor Elson Manoel Pereira, do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foi coordenadora de uma rede brasileira de pesquisa sobre a formação do urbanismo, que resultou no livro Urbanismo no Brasil 1895-1965. A conferência é uma iniciativa da Associação Nacional de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Anpur) com vistas a “contribuir na reflexão sobre o passado, a herança, e as possibilidades, o futuro, que o espaço localizado próximo ao mar, o litoral, pode oferecer ao conhecimento científico e tecnológico brasileiro”.
Secretário executivo da Anpur, Elson Manoel Pereira substituiu na mesa a presidente da entidade, Leila Christina Dias (UFSC), ausente por problemas de saúde. A Anpur, que já foi presidida por Maria Cristina Leme, fez um reconhecimento público à decisão da SBPC em eleger o mar como centro das suas atenções. “A escolha do tema é adequada e oportuna; olhar o mar não significa ficar de costas para o Brasil, como dizia a canção de Milton Nascimento; olhar o mar hoje no Brasil significa olhar o Brasil em sua integridade. É preciso reconhecer o mar como continuidade do território brasileiro e campo de possibilidades para o desenvolvimento”.
Doutora em Arquitetura e Urbanismo, a conferencista Maria Cristina Leme lembrou que as cidades brasileiras sempre foram mediadas pelos conflitos com o mar. Citou que a construção dos portos foi determinante na formação e modificação dos espaços urbanos. “A relação entre porto e cidade definiu praticamente a modernização das cidades a partir do século XX”, exemplificou.
A intervenção do homem, segundo ela, levou em conta fatores econômicos, sociais e políticos que desprezaram qualquer preocupação com a preservação do meio ambiente. Nesse sentido, a derrubada de morros, os aterros e a destruição dos mangues foram comuns nos processos de urbanização.
A pesquisadora observou que as ações do homem se deram de forma bastante radical. Avançou-se sobre o mar numa espécie de experimentação, isto é, sem amparo de conhecimentos científicos e sem levar em consideração os riscos embutidos nessa operação. Os aterros, informou Maria Cristina, têm servido para o desenvolvimento de novas formas de se exercer a arquitetura, o urbanismo e o paisagismo. Ela também constatou a desvalorização gradativa dos centros históricos urbanos. “A centralidade das cidades vai se deslocando com a perda do poder político e econômico”. Os desafios comuns, sublinhou, passam pela renovação e revitalização desses espaços, privilegiando, sobretudo, opções para o entretenimento e a cultura. O mesmo fenômeno ela nota nas zonas portuárias.
Embora fugisse um pouco da temática proposta pela conferência, a pesquisadora colocou lenha na polêmica do Pré-Sal, prevendo uma revolução urbana decorrente da exploração das suas potencialidades. “O volume de dinheiro é impressionante e os impactos e conflitos serão inevitáveis”, alertou. Além dos impactos econômicos e sociais, Maria Cristina prevê reflexos sérios na pesca e nas reservas ecológicas. Afora a briga na partilha dos royalties, os conflitos passam pela infraestrutura urbana e pela adequação dos portos e rodovias à nova realidade. Ou seja, as polêmicas e desafios transitam, como no passado, pelos conflitos e identidades que banham os doces e salgados mares brasileiros.
Considerando ser um tema estratégico e caro para o momento vivido pelo país, a Anpur, que é uma entidade científica e reúne hoje 53 programas universitários de pós-graduação, não se limitou à Conferência. Promoveu também na SBPC uma mesa redonda sobre as formas de apropriação do território com a urbanização do litoral. Coordenada por Elson Manoel Pereira, secretário executivo da entidade, contou com a participação de Norma Lacerda, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Paulo Pereira de Gusmão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Rodrigo Valente Serra, da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Elson destacou a importância de uma visão global, de conjunto, no cenário que se vislumbra no horizonte das cidades. “Vimos em muitos períodos da história do Brasil uma irrigação das riquezas do continente para os portos do litoral; usando a mesma metáfora, poderíamos dizer que com as descobertas no Pré-sal veremos uma irrigação das riquezas do mar para o continente”, previu.
Por Moacir Loth/ Jornalista na Agecom
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