Especial SBPC: Antes de gastar e fazer festa, País deveria ter dividido as tarefas do Pré-Sal

30/07/2010 16:36

Mesmo reconhecendo que “este é o momento singular na história do Brasil”, Fernando Galembeck, do Instituto de Química de Campinas (Unicamp), lamentou que o País “tenha feito muita festa e gastado muito dinheiro antes que o petróleo do Pré-Sal aparecesse”. Para ele, que proferiu nesta sexta (30), na 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Natal (RN), a conferência “Prever para prover: necessidades de uma era de oportunidades”, o Brasil deveria, antes de mais nada, ter repartido as tarefas para enfrentar os desafios da exploração. ”São problemas novos, que envolvem riscos e incertezas; estamos entrando no desconhecido e não podemos contar com os ovos da galinha antes do tempo”, respondeu à provocação do ex-pró-reitor de Pesquisa da Universidades Federal de Santa Catarina (UFSC), César Zucco, encarregado de apresentar o conferencista ao público. ”Não possuímos as ferramentas mínimas para enfrentar as demandas do Pré-Sal”, alertou Zucco.

Ligado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inovação em Materiais e Complexos Funcionais, o professor titular da Unicamp, embora indignado com o desperdício de energia e recursos, considerou o cenário brasileiro bastante favorável. ”Com o Pré-Sal, o Brasil pode se tornar em 2015 o 6º produtor mundial de petróleo, ultrapassando a Venezuela. É uma riqueza para investir e não desperdiçar”, sublinhou. Preocupado com a sustentabilidade, que é uma condição global, Galembeck advertiu que a empreitada exige enorme investimento, não só em ciência e tecnologia, mas também na questão ambiental. “A exploração do Pré-Sal não pode deteriorar o mar nem agredir o litoral”. A tragédia do Golfo do México, assinalou, serviu para acender a luz amarela.

A “posição privilegiada do Brasil”, de acordo com o pesquisador, também está respaldada pela agricultura. “Estamos nos consolidando como um dos maiores produtores de alimentos, energia e matérias-primas de fonte renovável”. Levando em conta a abundância de biomassa, geradora do combustível verde, e a camada do Pré-Sal, Galembeck compara o Brasil a um atleta quase imbatível. “É um atacante que chuta tanto com a esquerda como com a direita”.

O pesquisador, sempre se dirigindo ao público jovem da SBPC, não deixou de chamar a atenção para as carências diante do cenário otimista. No campo da infraestrutura, listou questões relacionadas a energia, água, saneamento, estradas, portos e ferrovias. Citou igualmente os problemas de segurança física e legal, indagando: “polícia e justiça funcionam”?

Outra carência grave diagnosticada pelo conferencista refere-se ao “apagão” de gente qualificada e motivada para atender aos desafios da sociedade e do País. “A chave são vocês”, procurou estimular os jovens presentes.

Na mesma linha, criticou a falta de bons planos, programas e projetos. “Os recursos existem, até em abundância, porém as idéias não estão à altura do que a nação requer”, constatou. “Assim”, concluiu, “os belos sonhos não se tornam realidade”.

Ele afirma que, para “o país chegar lá”, precisa fazer as escolhas certas, “decidir o que queremos e o que não queremos”. Os cidadãos, por sua vez, “têm que compreender o seu ambiente, as possibilidades e as limitações”. O leigo, na sua opinião, deve ser informado para desenvolver senso crítico. Já no campo da profissionalização e da geração de recursos humanos, Galembeck torce por “profissionais criativos e inovadores, capazes de criar conhecimento”. Para formar gente com “visão global” e qualificada em várias áreas do saber, é preciso “corrigir o despreparo desigual” e “cobrar critérios de qualidade”. O conferencista observou que alguns cursos universitários se parecem como uma gincana. “Fez as provas, passou, deleta tudo”. A boa formação só é possível, salientou, através do acúmulo do conhecimento.

Dirigindo-se à comunidade universitária, revelou que a maioria dos estudantes nunca leu um único documento de patente, o que significa que “desconhece a informação científica primária”. Outro apelo é no sentido de que os ex-alunos não abandonem as universidades após a formatura. “A falta dessa tradição, sedimentada nos EUA e na Europa, faz uma tremenda falta no Brasil”, asseverou.

Ainda como recomendação aos jovens, frisou que o profissional inovador, além de cultivar os seus talentos, deve “procurar compreender contextos e não apenas repetir paradigmas”. E acrescentou: “seja um intelectual rebelde, mas um trabalhador disciplinado”.

Galembeck reconheceu, finalmente, que o momento brasileiro é singular. Mas isso, ao seu ver, não basta. “As mudanças exigem pessoas qualificadas, infraestrutura adequada e investimentos bem feitos. Enfim, além de sinergia, é necessário foco para alcançar os resultados”.

Por último, novamente respondendo à uma provocação do professor César Zucco, que é diretor de Pesquisa da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina (Fapesc), fez ponderações sobre a futura crise de fosfato, essencial na fabricação de fertilizantes utilizados na agricultura. Galembeck estima que as reservas brasileiras se esgotem em cem anos. “Se não quisermos importar de Marrocos e China, os únicos detentores de grandes reservas, teremos que desperdiçar menos e partir imediatamente para a reciclagem”.

Encerrou a resposta com uma brincadeira de fundo sério: “alguém de vocês sabe para onde vão os dois gramas de fosfato que urinamos hoje pela manhã?” Reciclar, repetiu, é a única saída.

Por Moacir Loth/ Jornalista na Agecom

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