UFSC publica ensaios cinematográficos do genial Rogério Sganzerla
Conjunto de ensaios críticos sobre cinema e cultura publicados em grandes jornais na época da Ditadura Militar compõem a caixa Edifício Rogério, que será lançado dia 12 de julho, na Ocupação Sganzerla, promovida pelo do Itaú Cultural, com a homenagem do ex-ministro e músico Gilberto Gil.
O jovem e ousado Rogério Sganzerla não foi apenas um dos cineastas brasileiros mais brilhantes e originais. Foi também um pensador de espantosa precocidade, que ajudou a reposicionar a história do cinema brasileiro no mundo. Ainda adolescente, morando em Joaçaba, no interior de Santa Catarina, começou a fazer no papel reflexões críticas sobre estética cinematográfica e política cultural que gestariam, oito anos mais tarde, seu célebre “faroeste do terceiro mundo”, “O Bandido da Luz Vermelha”, paradoxalmente clássico e vanguardista. No ano em que o cometa Sganzerla tem sua reaparição no cenário cultural brasileiro, a UFSC publica a tão esperada edição de seu legado crítico em dois volumes de 294 páginas, reunidos em uma superproduzida caixa-presente sob o sugestivo nome de “Edifício Rogério”.
Para um livro de significado histórico, cultural e afetivo tão grande, nada mais justo do que um grande lançamento. “Edifício Rogério”, com os volumes Textos críticos 1 e Textos críticos 2, será lançado pela Secretaria de Cultura e Arte, Pró-reitoria de Pós-Graduação e Editora da UFSC no dia 12 de julho, durante a megaexposição Ocupação Rogério Sganzerla, que o Instituto Itaú Cultural promove em sua sede, em São Paulo, de 9 de junho a 19 de julho. No evento, o cineasta e pensador catarinense será homenageado pelo ex-ministro e músico, parceiro de tropicalismo, Gilberto Gil, que cantará no lançamento paralelo do CD com a trilha sonora que fez para um dos filmes do Rogério, “Copacabana mon amour”.
O nome, sugerido pelo poeta e assessor da Edufsc Manoel Ricardo Lima, faz alusão ao alicerce teórico e político que engendram o artista e sua filmografia. A Editora fará ainda um lançamento para Florianópolis, nos dias 9,10 e 11 de agosto, quando promoverá também a Mostra Sganzerla, com o “edifício cinematográfico” do diretor, composto pelos filmes: “O Bandido da luz vermelha” (1968), “A Mulher de todos” e “Carnaval na lama” (1970).
Nos “Textos”, o crítico Sganzerla enfatiza a discussão sobre questões de política cultural cruciais para a existência do cinema. Em “Razões de Estado”, faz duras críticas à Embrafilme e ao Cinema Novo-Rico, denunciando “o favorecimento desigual de uma casta arqui-prioritária”. Em “Zero abaixo de zero, se isto é possível”, mostra que a abertura política chegou, mas “o cinema independente não foi anistiado em nada. Se não, onde estão os filmes de valor? Na tela, vídeo, festival? Não, estão exilados em seu próprio território, guardados a sete chaves, porquê? Porque são obras-primas…”.
Além das críticas, celebra a independência criativa e as experiências estéticas mais radicais, em que se destacam a colagem de gêneros aparentemente díspares, como o erudito e o cafona, à citação a outras obras e a apropriação antropofágica e o encadeamento inusitado da narrativa. Quadrinhos, programas radiofônicos popularescos, imagens grotescas da então incipiente e subdesenvolvida sociedade de consumo em que se formou entram na reciclagem criativa do lixo cultural devorado e recriado por Sganzerla, como anota Jair Tadeu da Fonseca.
Os textos são constituídos por análises profundas, que buscam a estrutura da obra cinematográfica e não apenas o enredo e os personagens, como nas críticas a “Os cafajestes”, de Ruy Guerra e o “Padre e a Moça”, de Joaquim Pedro de Andrade. O ensaísta mostra sua admiração por Godard e Orson Welles, a quem dedicou uma tetralogia, mas também pelos brasileiros Humberto Mauro e Glauber Rocha, para quem escreveu o emocionado ensaio “Necrológio de um gênio”, em que discorre sobre o significado de sua morte. Enaltece também a trindade popular composta por Noel Rosa, João Gilberto e Jimi Hendrix, na qual reconhece o exercício de uma nova gramática musical.
Mesmo depois de sua morte, em 2004, contando apenas 57 anos, a extensa obra cinematográfica desse rebelde continua causando perplexidade em todo mundo por seu experimentalismo radical. Só no ano de 2009, Sganzerla foi protagonista de quatro mostras internacionais, mas no Brasil seus filmes ainda são de difícil pra não dizer dificílimo acesso. As críticas cinematográficas, publicadas pelos jornais “O Estado de S. Paulo” e “Folha de S. Paulo” durante mais de duas décadas, e agora reunidas nesta obra, eram até então privilégio de preciosas coleções de cinéfilos, segundo o diretor da Edufsc, Sérgio Medeiros.
Com a publicação do “Edifício Rogério”, ”Divagações”, de Mallarmé e “Poesia Herege”, de Evaristo Carriego, Medeiros inaugura uma nova política editorial. “Edifício” é, segundo ele, uma homenagem da universidade ao cinema escrito de Sganzerla e a um dos mais importantes artistas de vanguarda nacionais, que diante da dificuldade de fazer filmes no Brasil não os fez apenas com a câmera e a película, mas inscreveu sobre o papel uma espécie de cinema mental. “Sempre quis mesmo foi dirigir. Mas gosto do que faço, porque enquanto pude, fiz cinema com a máquina de escrever. Não diferencio o escrever sobre o cinema do escrever cinema”, diz o cineclubista em um dos artigos.
Além da produção crítica do diretor, os livros trazem orelha, comentários, apresentação e ensaios sobre sua obra dos pesquisadores Jair da Fonseca, José Geraldo Couto, Luiz Zanin Oricchio e Samuel Paiva. O final do segundo volume ostenta uma série de fotografias do cineasta em vários momentos de sua vida, atuando, dirigindo, descansando com a esposa e atriz Helena Ignez e as filhas. Nos textos reunidos encontram-se lado a lado as duas faces mais marcantes do auto-intitulado cineasta marginal: “O Sganzerla cinéfilo-crítico, erudito da história e da estética do cinema, e o Sganzerla militante, que vocifera contra as mazelas de nossa política cultural com o desespero de quem clama no deserto”, como descreve José Geraldo na orelha, lamentando que o Brasil tenha desperdiçado por tanto tempo o grande artista que produziu no século XX.
Edifício Rogério – Rogério Sganzerla
Textos críticos 1, 166 páginas
Textos críticos 2, 128 páginas
Florianópolis: Editora da UFSC, 2010
R$ 69,00
Raquel Wandelli/jornalista na Secarte
raquelwandelli@yahoo.com.br
www.secarte.ufsc.br
99110524 37219459