Chris Dunn revisita contracultura brasileira
Com uma pesquisa entusiasmada e cuidadosa sobre os desdobramentos da contracultura na sociedade brasileira e várias publicações sobre o assunto, o professor norte-americano Christopher Dunn, tornou-se um grande divulgador atual do movimento Tropicália, de aparição emblemática no Brasil dos anos 70, de onde saíram canções originais e representativas de um novo modo de encarar a relação com a cultura estrangeira e de fazer arte sob a égide da opressão, como em “Sobre a cabeça os aviões Sob os meus pés os caminhões Aponta contra os chapadões Meu nariz Eu organizo o movimento Eu oriento o carnaval Eu inauguro o monumento no planalto central Do país”, de Caetano Veloso.
Doutor em Estudos Luso-Brasileiros pela Brown University, Dunn deu uma mostra do seu trabalho em duas conferências proferidas esta semana, no auditório da Reitoria da UFSC, nos dias 24 e 25 de maio, que atraíram especialistas na cultura pós-golpe militar de diversas áreas (música, literatura, cinema, artes plásticas, sociologia, antropologia) e culminaram em ricos debates refutando a tese da passividade política dos tropicalistas em oposição ao engajamento da música de protesto encabeçada por Chico Buarque. As palestras “Eu expliquei pro polícia tudo: Waly Salomão e a contracultura brasileira” e “A arte é uma extensão do corpo e Três Modernidades Tropicalistas” integraram o ciclo O Pensamento no Século XXI, promovido pela Secretaria de Cultura e Arte da UFSC com apoio da Pró-reitoria de Pós-Graduação.
Autor de “Brutalidade Jardim: A tropicália e o surgimento da contracultura brasileira”, publicado pela editora da Unesp, Dunn veio a Florianópolis pela primeira vez, na sequência de uma série de conferências e minicursos no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador e também nos Estados Unidos para jovens e estudiosos interessadíssimos nas manifestações culturais brasileiras do período ditatorial e da última grande e influente movimentação artístico-cultural do modernismo no Brasil, já impregnada pela dispersão, apreço pelo efêmero e fragmentação da pós-modernidade.
Morando na Bahia desde agosto com a mulher e os dois filhos, Dunn prepara um novo livro sobre contracultura, no qual enfoca a posição singular de Waly Salomão, autor da metáfora: “A memória é uma ilha-de-edição” e do Programa Fome de Livro, como reforço do programa Fome Zero ao participar da gestão do Ministério da Cultura sob o comando do também tropicalista Gilberto Gil. Para o professor dos cursos de Cinema e Literatura da UFSC, Jair Fonseca, que este semestre ministra um curso sobre Tropicalismo e foi debatedor da conferência, a grande contribuição de Dunn está em revisitar e iluminar os aspectos inauditos, inéditos e mesmo malditos da Tropicália quando relacionados a elementos da cultura marginal e da África pós-diáspora, sobretudo em Wally.
Durante o encontro com a secretária de Cultura e Arte da UFSC, Maria de Lourdes Borges e o diretor da Editora da UFSC, Sérgio Medeiros, Dunn anunciou o conteúdo do seu livro, que poderá ser publicado pela universidade: estão previstos capítulos sobre Waly e Hélio Oiticica; imprensa alternativa; poesia marginal; Bahia, como referência da contracultura; as relações com o movimento Black Hill enquanto contracultura negra e as relações da contracultura com outros movimentos sociais. Essa ligação entre a experimentação estética do tropicalismo e a experimentação social, política e comportamental é, segundo Dunn, o que faz do tropicalismo um movimento ainda ressonante e fundamental para compreender a sociedade e a cultura brasileira hoje. “Não podemos esquecer que no caldeirão da contracultura se engendrou o feminismo, o movimento ambientalista, negro, gay, enfim, uma série de movimentos emergentes que vieram desse contato dos tropicalistas com a cultura estrangeira”.
O argentino Alan Pauls é o convidado da próxima conferência do ciclo O Pensamento do Século XXI, marcada para o dia 14 de junho, sob a consultoria do professor Raul Antelo.
Por Raquel Wandelli/ Jornalista na SeCarte
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