“Jovem pesquisadora” usa berbigão como parâmetro de controle ambiental da Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé

19/10/2009 10:19

Um estudo com o berbigão busca parâmetros para colaborar com o acompanhamento da qualidade ambiental da Reserva Extrativista do Pirajubaé, em Florianópolis. Desenvolvida pela estudante Danielle Ferraz Mello, do Curso de Ciências Biológicas da UFSC, a pesquisa será apresentada na quinta-feira, durante o 19º Seminário de Iniciação Científica da universidade, integrado à 8ª Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão (Sepex).

O trabalho avaliou o sistema hemato-imunológico dos berbigões, o mais importante recurso pesqueiro da reserva. Os resultados indicam que a qualidade ambiental ainda é boa, mas está ameaçada por pontos de despejo de esgoto, que se aproximam da área de proteção.

“Devido a essa poluição o sistema hemato-imunológico dos berbigões apresentou diferença”, explica a estudante, que fez uma comparação entre moluscos coletados na reserva e em locais próximos a seus limites. Segundo ela, até o momento os berbigões coletados na Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé estão em boas condições, mas é claro o alerta obtido com o estudo.

Estresse ambiental

O trabalho de Danielle é inovador no uso do berbigão (Anomalocardia brasiliana) como objeto de análise. A escolha do animal se deu por sua importância como um dos tradicionais alimentos da cidade e pelo fato de apresentar três características fundamentais para a pesquisa: o berbigão é um molusco bivalve (formados por duas conchas de calcário), filtrador de água e séssil (não se locomove por conta própria). Portanto, sem a possibilidade de fuga, fica sujeito aos diferentes estresses ambientais da área onde se encontra. Como filtrador, tem grande capacidade de acumular toxinas.

Danielle coletou berbigões em quatro pontos. Dois dentro da Reserva Extrativista Marinha Pirajubaé e dois em áreas próximas, onde são despejados efluentes sanitários domésticos. Obtidos com a ajuda de um pescador, os berbigões foram levados para o laboratório, para análise de seu sistema hemato-imunológico.

Essa avaliação funcionava como um exame de sangue. Se o número de células responsáveis pela defesa do organismo estiver acima, ou abaixo do grupo de controle, significa que o animal sofre algum tipo de estresse. Acima ou abaixo porque logo que um patógeno ameaça um organismo, o sistema imunológico aumenta consideravelmente o seu trabalho na tentativa de combatê-lo. Contudo, se o agente agressivo é persistente e o animal não consegue eliminar o agente agressivo, ou outros novos agentes, o sistema entra em “fadiga”, o que caracteriza a imunodepressão do animal.

Segundo Danielle, quase todos os berbigões coletados na área poluída encontravam-se imunodeprimidos, ou seja, já estavam lutando há algum tempo contra patógenos. Já os berbigões retirados da área protegida apresentavam o sistema imune estável.

Tanto para a pesquisadora, como para sua orientadora, a professora Margherita Anna Barracco, do Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética, o curioso foi que alguns berbigões coletados na área poluída mostraram-se até 40% mais resistentes aos testes em anóxia (submissão a pouco oxigênio). De acordo com Margherita, essa diferença de resistência indica que os berbigões conseguiram se adaptar ao ambiente contaminado, mas isso não significa que estejam clinicamente saudáveis.

As coletas de água também mostraram que em dois pontos próximos à reserva extrativista, onde ocorre o despejo de esgoto, a quantidade de coliformes fecais está até quase quatro vezes acima do permitido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). No primeiro ponto foi encontrada a incidência de 3.000 coliformes fecais a cada 100ml, e de 9.000 no segundo ponto. Segundo o Conama, na resolução nº 274, de 29 de novembro de 2000, a água é considerada imprópria quando as amostras coletadas apresentarem incidência de 2.500 coliformes ou mais por 100ml.

Ciência e visão profissional

É a terceira vez que Danielle participará de um Seminário de Iniciação Cientifica. Ainda este ano, ela esteve na França, onde apresentou um estudo sobre a floração da alga Dinophysis acuminata, responsável pela maré-vermelha. Segundo a aluna, o desenvolvimento de pesquisas colabora muito para desenvolver a visão prática sobre sua área de atuação. “Nós temos que fazer tudo desde o início, e é muito mais que apenas coletar dados e analisá-los em laboratório. Elaborar os relatórios também é um grande

aprendizado”.

Ela ainda destaca que enquanto esteve no exterior, percebeu que no Brasil os alunos começam a realizar pesquisa muito antes. “Lá eles só começam a fazer (pesquisas) depois de formados”, conta. Na opinião da orientadora do projeto, a professora Margherita Barracco, o Seminário de Iniciação Científica qualifica o aluno. Segundo ela, o estudante que realiza e apresenta pesquisas ganha expressão, renome, e tudo isso vai para seu currículo.

Saiba Mais:

A Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé:

Criada em 1992 é uma unidade de conservação federal, sob cuidados do Ibama. Compreende 740 hectares de manguezal, mais 700 hectares de baía. Foi implantada para conservar o estuário do Rio Tavares e o desenvolvimento sócio-econômico da população que tradicionalmente explorava os recursos naturais da região. A principal atividade exercida no local é a coleta do berbigão, que na época da criação estava com a reprodução ameaçada pela extração desordenada.

Atualmente cerca de 100 famílias coletam berbigões tanto para o consumo próprio quanto para a venda. Nas proximidades da área protegida estão localizados os bairros da Costeira do Pirajubaé e do Saco do Limões. Parte do esgoto dessas comunidades é despejado no mar, o que ameaça a sustentabilidade da reserva.

19º Seminário de Iniciação Científica terá recorde de trabalhos

A UFSC realiza na quarta e na quinta-feira ( 21 e 22 de outubro) a décima nona edição de seu Seminário de Iniciação Científica. No encontro alunos que desenvolveram projetos de pesquisa no último ano apresentam suas descobertas e constatações. É a oportunidade que os “jovens cientistas” universitários têm de mostrarem seus trabalhos à comunidade e divulgarem conhecimentos científicos. O evento faz parte da programação da 8ª Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão (SEPEX) que é realizada de 21 a 24 de outubro, além de integrar a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.

Com cerca de 740 trabalhos, o seminário deste ano estabeleceu novo

recorde, ultrapassando a marca 712 projetos, em 1996. As pesquisas estão divididas em três áreas: Ciências Exatas e da Terra, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Vida. Ao todo são 480 bolsistas inscritos pelos programas de pesquisa da UFSC que se somam aos alunos voluntários e de outras instituições.

Todos os trabalhos inscritos no Seminário de Iniciação Científica são

avaliados por uma comissão interna de professores da UFSC, e também por analistas indicados pelo CNPq. Os seis melhores trabalhos, dois de cada área, recebem o prêmio Destaque da Iniciação Científica. Além do reconhecimento, os alunos premiados têm todas as despesas pagas para participar da Jornada de Iniciação Científica, evento que acontece durante a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Mais informações com a estudante Danielle Ferraz Mello pelo email

danifmello@gmail.com ou no telefone (48) 3721-8951 / 9904-3192.

Por Erich Casagrande / Bolsista de Jornalismo na Agecom