Especial Pesquisa: estudo da UFSC destaca potencial e desafios do “gelo inflamável” como fonte de energia alternativa

O hidrato de gás: durante a queima, na natureza e em esquema
O hidrato de gás é formado por moléculas de gás metano encapsuladas em “gaiolas” de água congelada. O composto ocorre em extensas camadas no fundo dos oceanos e foi identificado em reservas naturais com ampla distribuição geográfica.
Vem sendo estudado com maior atenção a partir da década de 90. As estimativas indicam que o metano acumulado em sua estrutura contém mais carbono do que a atmosfera e todas as reservas conhecidas de petróleo e carvão. Cada metro cúbico do combustível pode gerar a energia equivalente a algo entre 160 e 180 metros cúbicos de gás natural. Diante desse potencial, o hidrato de gás é visto como maior recurso energético do planeta, quando comparado a outros combustíveis fósseis como carvão e petróleo.
A dissertação sobre o tema foi desenvolvida pela geógrafa Cláudia Xavier Machado, sob orientação do professor Luiz Fernando Scheibe, do Departamento de Geociências da UFSC. O trabalho descreve o que são os hidratos de gás, quais são suas propriedades, condições ideais de gênese e estabilidade, onde estão as reservas naturais, volume e potencial de exploração no mundo e no Brasil, além de métodos de aquisição de dados para quantificação e cálculo de concentração das acumulações de HG. Apresenta programas de pesquisa, instituições e países que se encontram mais avançados no que se refere à produção de conhecimento sobre o assunto, incluindo a pesquisa sobre o hidrato de gás no Brasil.
O estudo aborda ainda questões sobre clima e mudanças climáticas, possíveis alterações advindas de liberações constantes de metano na atmosfera e a possibilidade de um novo ciclo energético a partir da exploração do hidrato de gás. De acordo com Cláudia, a sistematização do conhecimento sobre o HG comprova que esse composto natural representa um importante potencial como fonte de energia alternativa e como mecanismo de redução de emissões de gases de efeito estufa. Mas no Brasil são escassas referências sobre HG, sendo a maioria artigos publicados em periódicos e anais e algumas poucas dissertações/teses.
Desafios e potencial
Cláudia aborda também em sua dissertação a preocupação com a exploração dessa nova fonte de energia e o aumento do efeito estufa. Lembra que a liberação do metano contido no hidrato de gás dos oceanos pode ocorrer de maneira lenta e constante, ou abrupta e violentamente, desencadeada por alterações ambientais como temperatura e nível dos oceanos. E alerta que outros pesquisadores já descrevem cenários catastróficos “possíveis”, decorrentes de eventos do gênero, como a acidificação dos oceanos, extinções em massa, a alteração no regime de chuvas.
A geógrafa lembra que até a década de 1990 o hidrato de gás era um assunto pouco explorado no mundo. As primeiras pesquisas sobre o assunto abordaram os prejuízos que este composto causa ao formar “plugs” em dutos de extração de óleo e gás, e as tentativas de solucionar problemas relacionados a isso.
O volume das reservas e o fato de produzir mais energia gerando menos CO2 (a relação entre a produção de energia e o CO2 gerado na queima do metano é mais eficiente do que quando comparado a outros combustíveis fósseis), justificam o interesse atual neste composto. “O risco de ocorrer grandes liberações do metano pela dissociação do hidrato, revertendo seu papel para um “intensificador” do efeito estufa é um dos grandes desafios envolvidos na exploração do hidrato de gás”, lembra a geógrafa em sua dissertação.
Mas a produção insuficiente de combustíveis convencionais, a perspectiva de esgotamento destas fontes de energia, o fato das reservas de HG apresentarem grandes volumes de maneira dispersa em todo o mundo e estas conterem um gás cuja queima é mais limpa do que a dos combustíveis convencionais (comparado com os combustíveis fósseis, o metano libera naturalmente menos dióxido de carbono), contribui para que diversos países o vejam como uma interessante alternativa para o futuro.
“Há alguns anos o potencial do metano como fonte de energia tornou o desenvolvimento de pesquisas sobre os hidratos de gás questão de alta prioridade, principalmente para países com baixa segurança energética”, destaca Cláudia na dissertação, complementando, no entanto, que atualmente a exploração do hidrato de gás anda é tecnicamente difícil e de alto custo.
Em sua opinião, o levantamento mostra que o metano do hidrato representa uma interessante alternativa para países sem produção de hidrocarbonetos, ou nos quais a produção não supre a demanda interna, como é o caso do Japão, China, Índia.
Na pesquisa foram consultados livros, artigos e sites de programas e centros de pesquisa de todo mundo. Segundo Cláudia, o pequeno número de dissertações e teses entre as referências se deve à escassez de pesquisas sobre o assunto no Brasil, principalmente por parte de instituições acadêmicas, com estudos concentrados em centros de pesquisa vinculados a empresas petrolíferas.
No Brasil as pesquisas ainda são principalmente voltadas para o desenvolvimento de inibidores de HG, a fim de evitar os prejuízos causados pela formação de “plugs” deste composto em dutos de óleo e gás. Entretanto, algumas delas, publicadas na forma de artigo em periódicos e anais, já indicaram a existência de reservas no país.
A dissertação recupera trabalhos que registraram a presença do hidrato de gás na foz do Amazonas e evidências geofísicas na Bacia de Pelotas. Há também trabalhos que consideram grandes as probabilidades de que seja encontrado nas bacias sedimentares de Campos (que se estende do estado do Rio de Janeiro até o sul do Estado do Espírito Santo), Espírito Santo e Cumuruxatiba (Bahia).
Na Foz da Bacia do Amazonas, o volume estimado de metano no HG é de 1.415 trilhões de metros cúbicos. No cone de Rio Grande na Bacia de Pelotas, o volume, calculado a partir de área, espessura e concentração, é de 135 bilhões de metros cúbicos. Em superfície, o volume de gás seria de 13 trilhões de metros cúbicos de gás no Amazonas e 22 trilhões de metros cúbicos na Bacia de Pelotas. Estes valores colocariam o Brasil entre os países com os maiores depósitos do mundo.
Saiba Mais:
– Os hidratos de gás:
Foram descobertos por Faraday em 1823. São conhecidos como clatratos, do latim clathratus, que significa “aprisionado pelas barras de uma grade”, ou seja, quando pequenas moléculas são completamente aprisionadas nas cavidades formadas pelo componente hospedeiro. No caso dos hidratos, o componente hospedeiro é a água, e o gás “convidado” é, mais comumente, o metano. Possuem aparência semelhante à do gelo, motivo pelo qual também são chamados de “gelo que queima”.
– Hidratos e pesquisa:
O HG é objeto de estudo em diversos centros de pesquisa no mundo, tanto por seu potencial como fonte de energia, quanto pelos prejuízos que causa na indústria de óleo e gás. Cientistas já o conhecem há quase um século, quando se formava em gasodutos que se estendiam em áreas de clima frio. Nesta época o composto era visto como “inimigo”, pois sua formação nos dutos causava entupimentos interferindo no fluxo do gás.
Países da América do Sul, União Européia, Indonésia, México, Noruega, Nova Zelândia, África do Sul, Coréia do Sul, Taiwan, Turquia, Ucrânia e Oeste da África começaram, a partir de 2006, a demonstrar interesse no HG. Países como Japão, Canadá, Estados Unidos e Índia, entre outros, mantêm programas de pesquisa e parcerias internacionais focados não apenas na caracterização e quantificação, mas também no desenvolvimento de tecnologias de produção comercial do metano extraído do hidrato de gás.
Reservas de hidrato de gás
O HG já foi encontrado no Ártico, em terra e em águas rasas do oceano e sob o talude de plataformas continentais em todas as latitudes. Apesar de ser mais escasso, o hidrato de gás ártico é mais concentrado e mais acessível. Por este motivo, pesquisadores consideram que estas áreas serão as primeiras a serem exploradas e são as mais sensíveis às mudanças no clima.
Já foram produzidos alguns mapas apresentando a distribuição destes depósitos no mundo, entretanto muitas destas informações ainda são
inferências. De acordo com o inventário global de ocorrência de HG, os locais de onde este foi coletado são as fossas oceânicas da América Central (Costa Rica, México, Guatemala), bacia do Rio Eel, na Califórnia, Bacia Cascadia, no Oregon, ilhas do mar de Okhotsk (Rússia), mar do Japão, fossa oceânica Peru-Chile, Golfo do México, Blake Ridge, vulcão de lama Haakon- Mosby (Noruega), delta do rio Níger (Nigéria), mar Negro, mar Cáspio e lago Baikal na Rússia, Mar Mediterrâneo, delta do rio Mackenzie, no Canadá.
Métodos de detecção de reservas
A técnica mais amplamente utilizada para detecção das acumulações de HG é a de reflexão sísmica, que se baseia no princípio de que ondas sísmicas se propagam em diferentes velocidades de acordo com o tipo de rocha. O método consiste em captar e interpretar o tempo de resposta de ondas sísmicas geradas por um transmissor em diversos pontos de uma dada área. O produto final é uma imagem (seção sísmica) na qual as descontinuidades do assoalho oceânico podem ser observadas e interpretadas.
Fonte: Dissertação ´A importância do hidrato de gás como fonte de energia alternativa e como possível agenda as mudanças climáticas`
Mais informações: Claudia Xavier Machado, e-mail: claudia.machado@pucrs.br; fone: 51 3320 3689 (Ramal: 8362) / Luiz Fernando Scheibe, e-mail: scheibe@cfh.ufsc.br; fone: (48) 3721 8813 / 9963 7208.
Por Arley Reis / Jornalista da Agecom
Imagens retiradas da dissertação: 1 – Hidrato de metano durante a queima (Steacie Institute for Molecular Sciences – National Research Council Canada) / 2 – amostra de sedimento do fundo do oceano contendo camadas de HG (Modificado de Centre for Gas Hydrate Research – Heriot Watt University) 3 – Esquema demonstrando a estrutura cristalina do clatrato (Modificado de Hydratech, 2004).
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Hidratos de Metano
<a O combustível do futuro ou uma ameaça à humanidade?
(Revista QMCWEB / Departamento de Química da UFSC)
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