Entrevista: Elizete Kayo Kozuma Ishikawa analisa o comportamento dos jovens japoneses
Elizete Kayo Kozuma Ishikawa participou da Semana da Cultura Pop Japonesa, abrindo o evento com a palestra ´Moda e comportamento dos Jovens de Harajuku`. Graduada em Estilismo em Moda pela Universidade Estadual de Londrina e mestre na cultura de Harajuku pela Universidade de Tóquio, a pesquisadora analisa, nesta entrevista, o comportamento dos jovens que frequentam a ponte Meijijinguubashi e também fala um pouco da cultura nipônica em geral.
Quando e por que surgiu essa manifestação em Meijijinguubashi?
Este encontro dos jovens de Harajuku iniciou-se nos início dos anos 90, quando a Banda Visual Kei “X”, posteriormente chamada de “X-Japan” estava no auge da carreira. Meijijinguubashi era o local de encontro dos fãs das bandas Visual-Kei, que de lá se direcionavam para os shows musicais. Dessa forma, foram se juntando os fãs de variadas bandas Visual-Kei, e formando vários grupos. Era possível identificar através do Cosplay (cópia idêntica da roupa dos integrantes), a banda favorita de cada grupo. A roupa auxiliava na procura do grupo de sua preferência, para que pudessem trocar informações e idéias a respeito da banda favorita.
Você falou que Harajuku aceita melhor as diversidades que outros lugares do Japão. A que você atribui essa melhor aceitação?
Na época em que Harajuku surgiu, havia várias lojas de produtos japoneses destinadas aos turistas. O local então acabou se tornando o ponto de encontro de várias culturas. Dizem que desde essa época Harajuku tinha um ar diferente, ar de país diferente.
Após um tempo, muitos designers, músicos e artistas começaram a abrir seus escritórios em Harajuku. E, posteriormente, o próprio bairro começou a fazer projetos com o objetivo de torná-lo o bairro de moda.
Lojas eram abertas e, quando a grife começava a crescer, a marca saía de Harajuku , migrando para locais maiores, instalando-se em ambientes também maiores, deixando assim o local para novos criadores. Diziam que, se o criador tivesse sucesso em Harajuku, ele faria sucesso em qualquer outro lugar do Japão. Harajuku é como se fosse a escada para subir ao palco. Por essas razões é que Harajuku se tornou um bairro que acolhe os jovens. Lá os jovens podem experimentar, apresentar as novas criações ou composições. O interessante é que os jovens criam e o bairro apoia esse movimento. O bairro dá essa liberdade a eles.
Existe preconceito dos nativos mais conservadores em relação a esses encontros?
Há preconceitos da parte dos conservadores sim, de alguns. Mas não que isso seja criticado a ponto dos jovens não poderem mais se reunir ali. Acho que isso vem da cultura japonesa; eles olham com os olhos de preconceito, mas não ficam criticando ou tentando impedir. Olham, mas fazem de conta que não estão olhando, o tempo vai passando e isso acaba se tornando normal.
E entre os diferentes grupos, encontra-se algum tipo de discriminação?
Entre os grupos também há um certo preconceito em relação aos estilos. Percebe-se que estilos muito diferentes dos que são vistos em Meijijinguubashi, não são aceitos tão naturalmente. Mas eles não chegam a brigar por essas coisas. Só deixam de se relacionar entre eles. Se essas pessoas continuarem frequentando Meijijinguubashi, mostrando o quanto quer fazer parte dos frequentadores de Meijijinguubashi, com o tempo são aceitas.
Você também falou sobre a discriminação que eles sofrem na escola. Em que esse encontro contribui para que esses alunos enfrentem o problema?
Esses jovens que sofrem ijime – ato de excluir alguém de um grupo social e não tratá-lo com respeito, que em muitos casos leva a pessoa ao suicídio – são aqueles que têm algo de diferente em relação aos outros. Mesmo os que não sofrem de ijime, pelo fato de ter que viver sempre numa certa linha, de sempre ter que se preocupar com as opiniões dos outros, já têm um motivo para estarem descontentes com a sua vida cotidiana.
Entrevistei vários jovens que diziam sofrer esse preconceito. Um fotógrafo amador que conheci frequenta aquele lugar há 10 anos. Ele tem um bom relacionamento com os jovens, e por isso descobriu que há muitos que já tentaram suicídio, ou que saíram de casa porque brigaram com os pais.
A meu ver, esses jovens sofrem porque a imagem que eles construíram de si mesmos não estão sendo aceitas, ou imaginam que não serão aceitas pelas pessoas ao seu redor. Esse encontro contribui para que os jovens se sintam mais seguros e tranquilos em relação a si mesmos. Lá não há ijime; reúnem-se pessoas com os mesmos objetivos, gostos (banda) ou problemas, elevando, assim, sua autoestima. Eles se ajudam, um compreendendo o outro.
Você contou que muitos deles se sentem mais naturais e sinceros quando estão lá. Por quê?
Porque lá eles se sentem em casa. Não têm a necessidade de “fazer de conta”. Podem se vestir, conversar, se expressar como quiserem. A maioria dos jovens não conta às suas famílias e amigos que são os frequentadores de Meijijinguubashi, por medo de serem rejeitados. Outros jovens não têm um bom relacionamento com os amigos e familiares, por isso não conseguem se expressar da forma como querem diante dessas pessoas. Portanto, em Meijijinguubashi, eles encontram indivíduos com os mesmos problemas. Assim, se sentem bem à vontade para se expressarem.
Essa necessidade de autoafirmação por meio de roupas e por aceitação em tribos não pode ser entendida como falta de personalidade ou futilidade?
Pode haver esse tipo de opinião sim. Para muitos pode até ser. Pois esta autoafirmação pode ser realizada de outras formas; não há necessidade de usar aquelas roupas extravagantes. Mas, no caso deles, foi representada por meio de roupas porque eles se identificaram com as Bandas Visual-kei (roupa, música, letras de música) e é muito mais fácil e prazeroso realizar a autoafirmação com algo com que se identifica.
Para os japoneses esse comportamento não representa só estilo ou moda. Essa é uma manifestação do psicológico deles?
Sim, a moda está servindo como um instrumento importantíssimo para se entender, se expressar, para descobrir a própria identidade ou imagem. A moda facilita a criação de laços de amizade com pessoas de mesmo interesse e gostos, pois isso também auxilia na busca da identidade. Em Meijijinguubashi reúnem-se jovens que querem se expressar através da moda.
Como esses jovens se sentem sendo tratados como um ponto turístico?
O que eles buscam naquele local é a atenção dos espectadores. Mesmo que sejam criticados por algumas pessoas, eles ficam felizes só das pessoas olharem e prestarem atenção neles. Muitos pedem para tirar fotos, conversam com eles, o que contribui para elevar sua autoestima e aumentar a autoconfiança.
Como a moda avalia e absorve essa cultura?
Acho que cada pessoa teria uma opinião diferente quanto a isso, mas no meu ponto de vista, tudo isso é moda. A moda tem um papel importantíssimo na sociedade. Ela reflete a cultura, a sociedade, o dia a dia das pessoas que vivem cada época. Eu acho que o comportamento dos jovens de Meijijinguubashi revela a situação atual da sociedade japonesa. Ou seja, a moda é utilizada como um instrumento para transmitir o interior dos jovens.
O que poderia se aplicar dessa moda aqui no Brasil?
Eu acho que o estilo Visual-Kei Fashion ou Style seria mais fácil de ser aplicada aqui no Brasil, como um estilo e não como cosplay, por ser semelhante ao estilo punk. Já podemos ver uns adeptos deste estilo em Curitiba, integrantes de bandas de rock de músicas japonesas.
Também acho que o estilo Lolita não seria difícil de ser aplicado, mas não completamente da forma como ela é no Japão, e sim com a inserção de alguns elementos desse estilo na composição. Por exemplo, fazer umas saias com rendinhas ou laços de cetim, um estilo mais “menininha”. Nesse ponto, acho que o Estilo Gothic & Lolita Fashion seria mais fácil de ser aceito, também por ter um pouco do estilo punk.
Mais informações pelos sites www.nipocatarinense.org.br ou www.secarte.ufsc.br, ou então pelo telefone (48) 3224-4982, com Elidio Yocikazu Sinzato, presidente da Associação Nipo-Catarinense.
Por Maria Luiza Gil / Bolsista de Jornalismo da Agecom
Fotos: Elizete Kayo Kozuma Ishikawa
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