Especial Pesquisa: dissertação da UFSC é segunda colocada no Prêmio Brasil de Esporte e Lazer de Inclusão Social

Estímulo à consciência sobre direitos sociais
Unindo a falta de opções de lazer ao sonho de milhares de garotos brasileiros de serem jogadores profissionais, Miguel teve uma idéia: criar uma escolinha de futebol em uma quadra pública semiabandonada do bairro Lagoa, no município de Irati, a cerca de 150 quilômetros de Curitiba. Apesar da má condição física do local, o autor bateu de porta em porta nas residências de quatro ruas próximas e descobriu que havia muito interesse, tanto das crianças quanto dos pais, em ocupar o tempo dos filhos quando não estivessem na escola.
Mas jogar futebol não era a única finalidade. Miguel utilizou a Escolinha de Futebol da Lagoa para, de maio a julho de 2006, trabalhar com as crianças temas como a união sindical, a solidariedade e a consciência dos direitos sociais. Dessa forma estimulou o questionamento sobre a falta de apoio do poder público e a reivindicação de melhorias nas condições de lazer.
“Procuramos romper com a cultura de acomodação, que limita a organização para se enfrentar coletivamente os problemas comuns”, explica Miguel. Para começar, lembra, não havia traves na “cancha” – apelido das crianças para a quadra. Depois de improvisar os gols com pedaços de madeira, o grupo escreveu um ofício solicitando que a prefeitura do município resolvesse o problema, além de montar uma comissão que o entregou pessoalmente ao diretor do Departamento de Esporte e Lazer, ouvindo a promessa de traves novas em 15 dias.
Os alunos também tiveram aulas de primeiros socorros com o Corpo de Bombeiros de Irati, refletindo sobre violência no esporte e solidariedade, e fizeram um mutirão para limpeza da quadra. Já as traves, que não chegaram, deram origem a um abaixo-assinado, tendo a adesão de muitos moradores – até do vizinho que retirou as antigas, depois que algumas bolas foram parar na sua casa (com a condição de ser instalada também uma grade de proteção).
Visão crítica
A partir de sua dissertação, Miguel defende uma concepção crítica de lazer. Segundo ele, a visão tradicional é baseada no pensamento funcionalista, entendendo as atividades esportivas como a solução para o fim da violência e da exclusão social, já que as pessoas estariam integradas e ocupadas além do horário de trabalho. Porém, defende Miguel, os praticantes são vistos como consumidores de eventos esportivos, então não constroem juntos as condições de promoção do lazer, o que refletiria de forma negativa, por exemplo, na participação política do bairro ou mesmo do país. “Pouco valeria mudar o modelo econômico-político, caso não ocorra uma mudança também no modelo cívico”, defende.
A visão proposta por ele – e também por outros pesquisadores – considera que a ação política é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa. Por isso, além de garantir a presença da população nas atividades esportivas, o poder público deve estimular a união em torno de uma causa, o que seria a verdadeira promoção da saúde. No caso de Irati, a falta de opções de lazer é apenas uma destas causas. Ele conta que não há nenhuma escola com ensino médio e nem oportunidades de emprego, além de o único posto de saúde não contar com equipe diária.
O autor do trabalho lamenta, contudo, que os resultados não tenham sido maiores. “As atividades foram insuficientes para romper a cultura do silêncio. No máximo, se conseguiu despertar o espírito de liderança em algumas crianças”, comenta. Segundo ele, muitos fatores dificultam a organização social no bairro Lagoa, como o individualismo, que embora atenuado nas crianças, continuou marcante na associação de moradores.
Para Miguel, um encaminhamento importante seria a alteração dos currículos dos cursos de Educação Física, com mais ênfase em disciplinas sociais. “Apenas com matérias curriculares não se faz uma formação preocupada com a saúde da coletividade, porque dificilmente elas explicariam o que é o sofrimento humano. Por isso, a Educação Física deve se aproximar da população não só para levar o conhecimento científico, mas para produzi-lo em articulação com o saber popular”, considera Miguel.
A dissertação recebeu o título de ´(Re)Significações do lazer em sua relação com a saúde em comunidade de Irati/PR` e foi orientada pelo professor Edgard Matiello Júnior, do Departamento de Educação Física a UFSC.
Mais informações: Miguel Bacheladenski, e-mail miguelsb@brturbo.com.br
Por Julio Ettore Suriano / Bolsita de Jornalismo na Agecom