Salim Miguel é o convidado do último Círculo de Leitura de 2008
Desde que começou a dominar a língua, por volta dos oito anos de idade, Salim Miguel é um leitor contumaz, um devorador de livros, que depois passou a fazer dos outros, por meio de seus contos e romances, leitores de sua própria produção literária. A ironia é que agora, aos 84 anos, seus olhos já não o deixam ler mais nada – mas aí o prazer do contato diário com a literatura é assegurado pelas leituras feitas em voz alta pela companheira Eglê Malheiros e por um neto que ajuda a manter em dia sua rotina de apego aos livros, seus contatos, sua correspondência e, naturalmente, suas leituras.
Por isso, nada mais justo que o projeto Círculo de Leitura, coordenado pelo poeta Alcides Buss, feche o ano de 2008 com Salim Miguel no centro das atenções. Ele estará na livraria Saraiva do Shopping Iguatemi, às 17h desta quinta-feira, dia 4, para falar de leituras, do que está lendo agora, dos autores que admira e da fantástica convivência com os livros ao longo da vida. Nascido no Líbano, ele chegou ao Brasil aos três anos e, após morar em São Pedro de Alcântara e Antônio Carlos, em Santa Catarina, sua família fixou residência em Biguaçu, onde se estabeleceu com um pequeno comércio.
Desde cedo, Salim lia tudo o que lhe caía nas mãos, dos folhetins de Michael Zevaco a Eça de Queiroz, passando por Arthur Schopenhauer (As dores do mundo) e Machado de Assis. Na venda do pai, conheceu figuras que mais tarde viraram personagens de seus romances, e na livraria de João Mendes, poeta cego de Biguaçu, passava horas lendo em voz alta para manter o livreiro ligado ao mundo da literatura.
De lá para cá, a vida foi uma sucessão de eventos que acabaram por tornar Salim Miguel o decano das letras catarinenses. Ele foi um dos líderes do movimento conhecido como Grupo Sul, que agitou a vida cultural de Florianópolis de 1947 e 1958. Entre 1957 e 1958, ajudou a escrever o argumento e o roteiro do primeiro longa-metragem catarinense, O preço da ilusão. Em 1964, foi preso (“para averiguações”) pelos militares e retido no quartel da Polícia Militar por 48 dias. Libertado, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na Agência Nacional, nas revistas Fatos e Fotos e Tendências e na adaptação de livros para roteiros de cinema (casos de A cartomante, de Machado, e Fogo morto, de José Lins do Rego), ambos com Eglê Malheiros e Marcos Farias.
Ainda no Rio, Salim editou, ao lado de Eglê, Cícero Sandroni, Fausto Cunha e Laura Sandroni, a revista Ficções, que se tornou referência no jornalismo literário brasileiro. De volta a Santa Catarina, em 1980, ajudou a organizar, para o governo do Estado, o Prêmio Nacional Cruz e Souza, o mais importante do País à época. De 1983 a 1991, dirigiu a Editora da UFSC, e em 1996 assumiu a superintendência da Fundação Franklin Cascaes, onde lutou para criar uma política cultural no município de Florianópolis.
Durante todo esse período, Salim Miguel intercalou uma atividade intensa como animador cultural e escritor. Estreou com Velhice e outros contos, em 1951, e até o próximo livro, o romance Jornada com Rupert, foram mais 23 títulos. Um deles, Nur na escuridão, lançado originalmente pela Topbooks, do Rio de Janeiro, teve a quinta edição revista e lançada há pouco pela Record, com distribuição nacional.
No momento, Salim está lendo Almanaque Machado de Assis, de Luiz Antônio Aguiar, e o Dicionário de Machado de Assis, de Ubiratan Machado, edição da Academia Brasileira de Letras que reúne mais de 2 mil verbetes, quase 500 fotos, alguns episódios inéditos e itens não assinalados na bibliografia do bruxo carioca. Há pouco tempo, ele também leu Os irmãos Karamabloch, de Arnaldo Bloch, sobre a trajetória da família Bloch (Editora Bloch, revista Manchete e TV Manchete).
O CÍRCULO
O Círculo de Leitura é um projeto que permite ao convidado e aos presentes discutirem informalmente sobre os livros que estejam lendo, as leituras do passado e as influências de outros autores sobre o seu trabalho. Escritores e jornalistas como Oldemar Olsen Jr., Fábio Bruggemann, Inês Mafra, Mário Pereira, Maicon Tenfen, Cleber Teixeira, Dennis Radünz, Rubens da Cunha, Renato Tapado, Raimundo Caruso, Nei Duclós, Mário Prata e Zahide Muzart foram alguns dos participantes das etapas anteriores do projeto.
OBRAS DO AUTOR
Velhice e outros contos, Ed. Sul, Florianópolis, 1951
Alguma gente, histórias, Ed. Sul, Florianópolis, 1953
Rede, romance, Ed. Sul, Florianópolis, 1955
O primeiro gosto, contos, ed. Movimento, Porto Alegre, 1973
A morte do tenente e outras mortes, contos, Ed. Antares, RJ, 1979
A voz submersa, romance, Ed. Global, SP, 1984
Dez contos escolhidos, Ed. Horizonte, Brasília, 1985
O castelo de Frankenstein, anotações sobre autores e livros, Ed. Lunardelli/UFSC, Florianópolis, 1986
A vida breve de Sezefredo das Neves, poeta, romance, Ed. Tchê, Porto Alegre, 1987
As areias do tempo, contos, Ed. Global, SP, 1988
O castelo de Frankenstein, volume II, Ed. Lunardelli/UFSC, 1990
As várias faces, novela, Ed. Movimento, Porto Alegre, 1994
Primeiro de abril, narrativas da cadeia, Ed. José Olympio, RJ, 1994
As desquitadas de Florianópolis, contos Ed. Rio Fundo, RJ, 1995
Onze de Biguaçu mais um, contos, Ed. Insular, Florianópolis, 1997
Variações sobre o livro, ensaios, EDUFSCar, São Carlos (SP), 1997
As confissões prematuras, novela, Ed. Letras Contemporâneas, Florianópolis, 1998
Nur na escuridão, romance, Ed. Topbooks, RJ, 1999
Apontamentos sobre meu escrever, Ed. Museu/Arquivo da Poesia Manuscrita, Florianópolis, 2000
Eu e as curruíras, narrativas, Insular, Florianópolis
Mare Nostrum, romance, Record, SP, 2004
As cartas d’África e alguma poesia, Topbooks, RJ, 2005
O sabor da fome, contos, Record, SP, 2007
Minhas memórias dos outros, anotações sobre autores e livros, Unisul, Florianópolis, 2008
Jornada com Rupert, romance, Record, SP, 2008
Contatos com Salim Miguel podem ser feitos pelo telefone (48) 3233-1599.
Por Paulo Clóvis Schmitz / Jornalista na Agecom