Resenha: O datilógrafo e o digitador
Ainda hoje, apesar de toda intimidade que adquirimos, a internet (ou melhor: as discussões sobre ela) tendem a não fugir de dois paradoxos: ou ela é vista como uma quimera transcendental e domesticável (mistura de computador com biblioteca de Babel) ou é entendida como esfinge contemporânea, pronta para corromper, antes de devorar, viajantes e navegadores.
Raros são os trabalhos que se preocupam em desmistificá-la, em tentar entendê-la como um meio (mais um) de produção escrita individual e coletiva. Um super meio, para ser honesto, pois concentra em si todas as etapas: da escrita à divulgação. Tudo que ainda é novo costuma ser debatido principalmente como corruptor para depois – quando surge uma outra novidade – ser entendido como mecanismo, ferramenta, processo.
Foi, sem dúvida, a internet que ressignificou o computador, permitindo que este deixasse de ser uma máquina de escrever melhorada para ser tornar um dos ícones do fim e do início deste novo milênio. Ressignificando o computador, ela acabou ressignificando a escrita.
É este processo o tema do livro Da Olivetti à Internet: políticas e técnicas da notícia. Organizado por Laudelino José Sarda (que já foi responsável pela Agecom – UFSC), a obra conta com o depoimento (expresso em artigos, crônicas, memórias) de 22 jornalistas, seus anseios e problemas durante os anos 70 e 80, suas perspectivas e críticas aos anos 90 e depois. Da Olivetti à Internet faz um itinerário da máquina de escrever (nota aos novos leitores: Olivetti não foi à única máquina de escrever, mas foi a marca mais comum no Brasil, daí a ser tomada como genérico) até a imaterialidade virtual do computador e da própria internet.
É uma leitura incontornável. Debatendo a produção escrita do jornalismo, acabamos debatendo os outros tipos de produção escrita por extensão: debater como o jornalista, ao menos no Brasil, escreve é debater como escrevem os brasileiros. Sem contar que aqui está sendo discutido um dos assuntos que estão em pauta: a formação do profissional do jornalismo deve se dar pela prática ou pela academia?
O livro contém duas falhas. A primeira, e mais discutível, é uma diferença gritante entre a qualidade dos textos: relatos muito bons estão ao lado de queixas ressentidas e sonolentas. Claro que esta falha, se podemos chamar assim, depende muito do leitor, sendo sutil a sua validade ou não. Já a segunda não é tão sutil: trata de um apego quase romântico à máquina de escrever: uma musa de marteletes. Um saudosismo memorialista que reduz, não raramente, a máquina de escrever à única máquina que permitia pensar: relegando às novas gerações a decadência do novo.
Mas por trazer opiniões tão fortes e assinadas que este livro tem um diferencial: é impossível passar por suas páginas sem sentir-se convidado a debatê-las e, por que não, a escrever sobre o que se leu. É uma obra que vem preencher uma grande lacuna: traz experiências que servem de base para as discussões entre as perspectivas e necessidades de escritas das gerações que se sucedem. E, ao menos no Brasil, debater a escrita é debater o jornalismo.
Da Olivetti à Internet. Laudelino José Sarda (org). Tubarão: Ed. Unisul, 2007. 156 p.
Por Jonas Tenfen/ Professor de Jornalismo