Hidroponia se expande no Brasil
Com pouca literatura disponível, cursos superiores focados no plantio tradicional e um mercado ainda restrito, especialmente no sul do País, os encontros periódicos de hidroponia são o principal instrumento de reciclagem e atualização de que dispõem muitos produtores pelo Brasil afora. “É aonde o setor vai avançando”, diz o professor Jorge Barcelos, coordenador do 3º Encontro Brasileiro de Hidroponia, realizado em novembro em Florianópolis. O evento trouxe ao Estado produtores, consultores, pesquisadores e empresas fornecedoras de insumos e equipamentos para discutir aspectos como a produtividade, comercialização, redução de custos e manejo de pragas no cultivo hidropônico. A organização ficou sob a responsabilidade da Projecter Consultoria, Idéias e Projetos (www.projecter.com.br, fone (48) 4052-9052).
A hidroponia é definida como uma técnica alternativa de cultivo em ambiente protegido, na qual o solo é substituído pelas soluções nutritivas, onde estão contidos todos os nutrientes essenciais ao desenvolvimento da planta. Existem vários sistemas de cultivo – que contemplam também forragem e plantas ornamentais e frutíferas –, que se diferem quanto à forma de sustentação da planta (meio líquido e substrato), ao aproveitamento da solução nutritiva e ao modelo de fornecimento dessa solução. Na maior parte dos casos, as plantas ficam suspensas, sendo alimentadas por nutrientes na medida certa, de forma a permitir seu correto desenvolvimento.
Atividade ainda pouco expressiva no sul do Brasil, onde há água em abundância e poucos técnicos ou agrônomos com conhecimento sobre a atividade, a hidroponia ganha cada vez mais espaço em outras regiões do país. Trata-se de um cultivo que se impõe pelo caráter familiar do negócio, baixo consumo de água, pequeno impacto sobre o meio ambiente, maior durabilidade em relação ao produto convencional, maior resistência da planta a pragas e doenças, uniformidade da produção e a possibilidade de fornecer à planta todos os elementos de que necessita para se desenvolver num ciclo curto, limpo e rentável.
No encontro de Florianópolis, havia gente de todos os Estados e até de países vizinhos, cada um dando seu testemunho sobre conquistas e percalços, resultados e técnicas refinadas ou empíricas que aplicam no dia-a-dia. Há produtores no país fornecendo 3.000 maços de alface por dia a restaurantes e empresas com cozinha industrial. Por outro lado, o setor não é organizado, o que reduz o seu poder de barganha e a tabulação de dados e estatísticas mais precisas sobre a sua participação do bolo do agronegócio.
Para fornecer subsídios aos produtores e interessados em entrar na atividade, o Centro de Ciências Agrárias da UFSC realiza três cursos por anos – em março, junho e novembro – e mantém uma horta hidropônica no bairro Itacorubi, na capital catarinense. Assim como o professor Barcelos, o consultor Pedro Furlani, um dos grandes especialistas em hidroponia no País, destaca as vantagens do segmento, entre os quais o fato de não poluir as águas subterrâneas, a resistência das plantas às intempéries e o alto valor nutricional do produto.
Novas fronteiras – Presente no congresso, o agrônomo e produtor gaúcho Carlos D’Agos-tini qualifica a hidroponia como a “horticultura moderna” e diz que ela vai instituir a “agricultura urbana” no Brasil, pelo tipo de mercado que atende e pela possibilidade de trabalhar com áreas diminutas – vantagens logísticas que não contemplam outras atividades ligadas à produção de alimentos. Estabelecido em Rio Branco, no Acre, ele já vendeu 7,5 milhões de maços de alface, abriu uma central de distribuição em Manaus, trabalha com funcionários formados ou cursando a faculdade e com um sistema informatizado de planilhas que agiliza seu processo de produção e vendas.
Depois de vencer numa região pouco habituada ao consumo de verduras e hortaliças, D’Agostini acumulou conhecimento suficiente para dizer que a hidroponia reúne “pelo menos 17 vantagens” em relação aos sistemas convencional e orgânico (ver parte delas no quadro). Como ele, Weber Antonio Velho e Adauto Venério, há 13 anos no ramo, abriram fronteiras em Porto Velho, Rondônia, onde as doenças da população relacionadas a amebas caíram na mesma proporção da troca das hortaliças convencionais pelas hidropônicas. A demanda é tão grande que o investimento inicial – cerca de R$ 60 mil, em média – pode ser recuperado em poucos meses.
Outro produtor presente no encontro foi Márcio Silva, de Criciúma, que cultiva alface, rúcula e agrião para distribuir em restaurantes da cidade. Um dos poucos produtores entre Florianópolis e a divisa com o Rio Grande do Sul, ele chegou a desistir do negócio, pelas dificuldades técnicas e de mercado encontradas, mas voltou seis meses depois e hoje custa a dar conta da demanda na área que atende.
Mesmo que o preço seja maior que o das verduras plantadas na terra – na proporção de R$ 1,25 para R$ 1,00, em média –, os produtores e especialistas ressaltam que há muitas vantagens nutricionais e ambientais na hidroponia. “Ecologicamente, mata a pau”, brinca o agrônomo D’Agostini, para quem o consumo de água é dez vezes maior no cultivo tradicional. “É um trabalho mais limpo, que não mexe com a terra e, por isso, atrai mais os jovens de hoje”, emenda o consultor Pedro Furlani, do Instituto Agronômico de Campinas (SP). “Imune a intempéries, o sistema faculta o preparo da solução mais equilibrada para a planta e o uso do resto da propriedade para outras culturas ou atividades mais perenes”, completa.
No interior da Ilha – Há quatro anos, decidido a trabalhar por conta própria, o engenheiro agrônomo Mário Antenor Coelho Jr. comprou uma área em Ratones, interior da Ilha de Santa Catarina, para implantar uma horta hidropônica. Inicialmente com um sócio, depois sozinho e com apenas um funcionário, ele precisou se recuperar dos prejuízos de um vendaval, em 2005, e enfrentar o pouco interesse do mercado, mas com persistência foi consolidando seu negócio, que hoje abastece 14 restaurantes, lanchonetes e supermercados de Florianópolis. Sua produção é pequena – cerca de seis mil pés de alface e três mil de rúcula –, mas deve ser dobrada em 2009, com a construção de novas estufas e a contratação de mais dois ajudantes.
“Adoro o que faço”, garante o agrônomo, ressaltando que “o sabor das plantas hidropônicas não tem comparação” e que as folhas de rúcula e alface que cultiva “são mais tenras que as outras”. Quem o visita, em Ratones, sai impressionado com a coloração das verduras e com as bancadas bem organizadas, com plantas em vários estágios de crescimento. Há problemas a superar, como a falta de assistência técnica e de financiamentos, a queda da demanda fora da alta temporada e a pouca informação da população sobre os produtos hidropônicos. “Os orgânicos têm marketing e apoio, e no BNDES a hidroponia nem aparece no catálogo das linhas de crédito”, denuncia ele.
Após participar do 3º Congresso Brasileiro de Hidroponia, o produtor Delmar Zimmer, que veio de Fortaleza, foi visitar e trocar experiências com Mário Coelho no interior da Ilha. Ele mudou-se há 13 anos de Novo Hamburgo (RS) para o Nordeste e hoje comercializa entre 90 mil 100 mil plantas por mês. Tem mil metros quadrados de estufas e praticamente ensinou os cearenses a comer verduras, graças à qualidade de suas plantas e aos temperos que levou do Sul. Uma grande vantagem da hidroponia? “Poder trabalhar durante 365 dias por ano, mesmo na chuva e no calor de Fortaleza”, diz ele.
Diferenciais da hidroponia
O produto é uma planta viva (é vendida com a raiz)
A planta é colhida no mesmo dia (na madrugada) em que é vendida
A planta dura mais na geladeira
O cultivo exige dez vezes menos água que o plantio convencional
A planta tem mais resistência a pragas e doenças
A planta recebe os elementos de que precisa sem risco de vir contaminada pelo solo
O trabalho é feito em pé e sob uma cobertura que filtra os raios solares
A distribuição pode ser feita de moto, que é mais ágil e econômica
A mão-de-obra pode ser buscada próximo à área de cultivo
As folhas descartadas podem alimentar peixes e frangos ou servir de adubo
Há maior uniformidade na produção e redução do ciclo de cultivo
A produção concentrada e maximizada reduz o impacto ambiental (desmatamento)
Por Paulo Clóvis Schmitz/ Jornalista na Agecom
Fotos: Jones Bastos/ Agecom