ARTIGO

29/10/2008 09:26

No dia 26 de outubro de 2008, não só a Universidade Federal de Santa Catarina, mas a sociedade catarinense, em especial a indígena, perdeu um de seus ardorosos defensores: o intelectual Antropólogo Sílvio Coelho dos Santos (1938-2008). Sua trajetória antropológica é amplamente divulgada e conhecida, entretanto, sua contribuição à demarcação e consolidação do campo educacional catarinense, especialmente na década de 1960, formulando idéias sobre o sistema de ensino, que culminou com a elaboração do primeiro Plano Estadual de Educação, continua circunscrita àquela época. É desse intelectual que termina clamando por mais e mais educação, em sua obra “Tempos oportunos” (2007), que desejamos lembrar aqui.

Seu percurso acadêmico tem inicio quando, em 1960, se licenciou em História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da UFSC, e desde 1961 exerceu a mestria na instituição, como colaborador do Professor Osvaldo Rodrigues Cabral, na cadeira de Antropologia. Santos acumulou experiências também na educação básica.

A década em questão traz à tona um tempo no qual Santa Catarina estava envolta com o Plano de Metas do governo I/II, um plano global de modernização proposto e colocado em prática pelos governadores Celso Ramos, na primeira etapa, e Ivo Silveira numa segunda. Pela aplicação de recursos ao homem, ao meio e à expansão econômica, objetivava-se modernizar, industrializar o Estado. Modernização que tinha como marca a necessidade de planejar, de buscar o conhecimento científico para colocá-lo a serviço da administração pública, tarefa impensável sem enfrentar a questão educacional.

Nessa odisséia modernizadora a educação foi tida como um fenômeno fundamental para a concretização das propostas. Para fomentar esse setor foram criadas principalmente três instituições: o Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais (CEPE), a Faculdade de Educação (FAED) e a então Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Na primeira é que a presença de Sílvio Coelho dos Santos foi fundamental, desde sua criação em 1963, desenvolvendo pesquisas em educação balizadas pelos parâmetros das Ciências Sociais, tônica de sua formação, até 1970, quando dela se afastou. Concomitante às atividades de ensino que desenvolvia na Cadeira de Antropologia, realizava pesquisas educacionais contribuindo para a organização do CEPE, da FAED, e da UDESC.

Os primeiros movimentos para a criação do CEPE se constituíram ambiente de renovação, que tinha como fundamento as metas de governo, e contava com recursos centrados para esse projeto “e uma vontade de um bocado de gente nova” (Santos, 2004). Santos, no contexto, era o sangue novo que liderava no CEPE um grupo que desenvolvia pesquisas sobre as condições da educação no Estado.

A criação do CEPE na sua concepção foi vital na ampliação do conhecimento sobre a população e a escola catarinense, o que se efetivou por meio das pesquisas em educação e da política de formação docente dentro das políticas públicas para a educação. Santos percebe que a criação do CEPE fez parte de uma estratégia dentro de uma proposta global de desenvolvimento, que a posteriori contribuiu para “quebrar aquela inércia de tradicionalismo”.

Sob sua tutela foram realizados estudos e pesquisas que permitiram aprofundar os conhecimentos sobre a realidade da educação e construir planejamentos para o setor educacional com vistas à política de desenvolvimento de modo amplo. Na direção dessa instituição Santos, como mentor intelectual, por cerca de nove anos trabalhou com pioneirismo no aspecto referente ao campo da pesquisa educacional, num contexto no qual a UFSC emergia, recém-nascida e a UDESC estava ainda em germe.

Não existia para o setor educacional a institucionalização do emprego da sistemática de métodos científicos na ação e no processo de educar. A pratica educativa era pautada na autoridade tradicional, na experiência pessoal e havia uma grande resistência à introdução de procederes científicos, que eram relegados à segundo plano e onde os valores que fundamentavam a educação eram silogísticos, morais e políticos.

No CEPE foi diretor (1966/1970), pesquisador, assumiu funções de técnico, além de ser responsável pela ministração de cursos de Metodologia de Pesquisa Educacional e Sociologia Geral, contribuindo de modo significativo para a configuração e autonomização do campo educacional catarinense, por meio de suas produções teóricas sobre o fenômeno educacional, principalmente com duas obras referenciais: “Educação e Desenvolvimento em Santa Catarina” (1968) e “Um esquema para a educação catarinense” (1970), dentre outras escritas. Nelas, Santos defende a interferência coerente como um modo de racionalizar os investimentos feitos pelo Estado e sugere transformação nos padrões tradicionais da administração pública.

Seu esforço de conhecer a situação educacional no Estado por meio da pesquisa científica se concretizou com a elaboração do primeiro Plano Estadual de Educação (PEE), que vigorou nos 1969-1980. No exercício de suas funções, participou ativamente de todos os estudos, seminários ligados à elaboração do PEE, e seu objetivo era que refletisse uma nova política educacional no Estado, corrigindo distorções administrativas e técnico-pedagógicas.

Suas contribuições ao campo educacional possibilitaram os primeiros passos na direção de colocar em desuso o acaso e as inspirações particulares segundo as diretivas e as concepções de educação de quem se encontrasse à frente das instituições educacionais de modo turbulento e paliativo. Seus “escritos de educação” daquele contexto, ainda se constituem numa leitura respeitável e estimulante para se repensar a escola pública em Santa Catarina nos dias atuais.

Esse intelectual, agora silencioso em voz, torna-se audível por meio de suas produções como intelectual. Concluímos essa fala lançando mão de suas próprias palavras, no que se refere a sua função de pensador social:

Entendo que um intelectual é um sujeito comprometido com sua sociedade e com seu tempo. Ninguém poderá ser considerado um intelectual se não tiver obra expressiva. Assim, a produção escrita é fundamental para a afirmação de qualquer pessoa que deseja fazer uma carreira profissional. Se vai ser reconhecido como um intelectual só o tempo dirá. A coerência conceitual e teórica é outro ponto fundamental. Enfim, um intelectual é (ou deveria ser) um crítico de sua sociedade e ao mesmo tempo um inovador em idéias, conceitos e teorias (Santos, 2008).

Sílvio Coelho dos Santos em sua trajetória acadêmica se afirmou comprometendo-se com a sociedade catarinense e com o seu tempo. De modo coerente por meio da produção de uma vasta obra se colocou contra os desrespeitos aos desprivilegiados, e o tempo, sem dúvida já o reconhece, por sua postura social crítica e coerente.

Sílvio Coelho dos Santos é figura central da pesquisa desenvolvida por Marilândes Mól Ribeiro de Melo, no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFSC, Linha Educação, História e Política, orientada pela Prof. Dra. Maria das Dores Daros, defendida em abril de 2008.

Por Marilândes Mol Ribeiro de Melo

Mestre em Educação pela UFSC

marilandesmel@gmail.com