Projeto Larus completa 25 anos
1982, quatro câmeras jogadas no Departamento de Patrimônio da UFSC, uma delas lacrada, prestes a virar sucata. Na mesma universidade, dois estudantes de Biologia, Alcides Dutra e Jorge Freitas. Dos rolos de filme 16mm, formato lançado em 1923 para o mercado de cinema amador, surgem dois documentários de 40 minutos que colocam o Projeto Larus como pioneiro na produção de vídeos de educação ambiental no País.
Antes, só material estrangeiro, principalmente da BBC, sobre ecossistemas estranhos ao Brasil. O fascinante mundo das Ilhas Costeiras (82), e Os seres do mar (84), são transmitidos no horário que a verba permitia pagar: de madrugada.
O primeiro leva ao projeto pesquisa e documentação da fauna das ilhas, iniciado em 1988, que mais tarde serviu como base científica para sustentar a importância da criação da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, aprovada em 90. Já o segundo tem como um dos desdobramentos um telefonema do comandante da base aérea. Ele ligou para informar que estava desistindo da idéia de aterrar todos os mangues que vão da região central da ilha até o aeroporto. O comandante contou que tinha uma visão errada sobre o mangue, e que ela mudou com o programa. O documentário mostrava que o ecossistema mangue só existe até a Ilha de Santa Catarina, mais ao sul ele deixa de aparecer. No Brasil, é uma formação que vai do Amapá até Santa Catarina e é considerado como um grande berçário natural por oferecer condições ideais para reprodução, eclosão, criadouro e abrigo para aves, peixes, moluscos e crustáceos.
As respostas aos documentários deram força à frase que acabou virando o slogan do Larus: – Porque ninguém preserva o que não conhece. A falta de informação gera a desvalorização do meio ambiente. Freitas explica que é difícil provar a importância da conservação, principalmente para as comunidades mais tradicionais, como os pescadores. Porém, “a imagem fala alto”, e muitas vezes quem estava destruindo vira alguém que preserva. “Quando uma rede fica presa no fundo do mar em uma pedra, por exemplo, aquela rede que é feita de nylon vai continuar pescando ali infinitamente; peixes e até lagostas”, que vão tentar se alimentar dos peixes presos. O nylon é um material que demora mais de 500 anos para se decompor. “Nunca partimos do princípio de que tem que proibir. Eles decidem o que fazer com a informação”. E normalmente a decisão é corrigir o erro. Pescadores que viram o programa que tratava do assunto entraram em contato com o Larus para saber o que fazer. Acabaram não trocando o material da rede, por causa da praticidade, mas agora evitam pescar nos locais em que as redes normalmente ficavam presas.
Os estudantes Alcides e Jorge começaram o projeto com financiamento público, foi o primeiro feito por alunos que conseguiu aprovação através de um ministério no Brasil. Hoje, completando 25 anos, o Larus, que, depois de deixar de ser vinculado à estrutura de Comunicação Social da UFSC (Agecom), passou a instituto em 93, é uma ONG que se mantém com as próprias pernas. “Faz 12 anos que não é usado nenhum dinheiro público”, ressalta Dutra, que continua servidor da UFSC. De comprador de horários na televisão para transmitir os programas, passou a receber para produzir a série Redescobrindo o mar, transmitida pela RBS aos sábados, entre setembro e novembro. Para esse ano serão três produções. A única definida até agora enfocará a distribuição de sementes de duas variedades de ostras nativas pelo Laboratório de Moluscos Marinhas da UFSC, para mostrar a importância social do cultivo marinho.
Depois de mais de 12 mil horas de pesquisas, roteirizarão, gravações e edição, em cerca de cem filmes produzidos (com durações de 1 minuto a 1 hora) e nas diversas séries para tevê, o Larus continua com o projeto dentro da universidade, mas em escala menor. De 89 a 90, havia dez pessoas diretamente envolvidas trabalhando no projeto dentro da Agecom/UFSC. Agora, no instituto são cinco pessoas e o convênio entre a universidade e o Larus é feito através da Coordenadoria de Gestão Ambiental. Dutra acredita que essa ligação é importante porque a universidade abre possibilidades de informação fidedigna e de qualidade. “O Larus é filho da UFSC; e a relação materna não se perde por causa da maioridade”.
Além da produção de vídeos, o Larus já realizou outros projetos em conjunto com a UFSC. “Em 1996, cada professor tratava os temas ambientais conforme sua opinião, conforme ele achava. O Estado de SC era uma verdadeira torre de babel, com cada professor tentando transmitir aos alunos coisas que ele em muitos casos nem dominava, mas que achava ser de uma forma ou de outra”, assinala Dutra. Para contribuir com a solução deste problema, o Instituto Larus, em parceria com a UFSC, implantou em Santa Catarina o Programa Estratégico da Capacitação em Educação Ambiental, que recebeu o apelido de Viva a Floresta Viva. Foram capacitados 1.037 professores e técnicos de todo o Estado. Depois, cada professor voltou para sua região de origem e capacitou os professores de lá. O instituto estima que, com o efeito cascata, em torno de um milhão de estudantes tenham sido educados a partir desse método, desenvolvido pelo professor Daniel Silva, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, que também foi coordenador do programa. Com isso, Santa Catarina foi o primeiro estado brasileiro a implantar um programa de educação ambiental, mais de um ano antes do programa nacional liderado pelo MEC, que também contou com a contribuição do Larus em sua implantação.
Outro projeto na área de educação ambiental foi o “desenvolvimento de uma metodologia que possui um nível de mobilização nunca antes alcançado no mundo”. A metodologia, desenvolvida em 99 pela professora Rosemy Nascimento, do Departamento de Geociên-cias da UFSC, consiste em permitir que os estudantes do ensino fundamental produzam seus próprios vídeos sobre o meio ambiente. “De expectador, alunos passam a produtores dos vídeos, que no final passam até no cinema. Claro que em uma sessão às 9h30 da manhã, mas é uma sala de cinema”, salienta Dutra. A eficiência em mobilização, quando aquela pessoa adota alguma atitude visando à preservação do meio ambiente, passou de 2% para incríveis 60% com o novo processo. A iniciativa rendeu ao instituto uma premiação da ONU.
No início da década de 80, quando os catarinenses começaram a ver os mergulhadores do Larus na TV, alguns decidiram começar a mergulhar. Essa demanda era absorvida por empresas pequenas e mal-estruturadas, o que gerava altos riscos de acidentes. O Larus, com a coordenação de Freitas, decidiu montar uma escola de mergulhadores e o mercado passou a ter uma base metodológica nesse ensino. Para poder competir, as empresas passaram a oferecer um produto de melhor qualidade e hoje a escola não é mais necessária. O Larus formou cerca de mil mergulhadores sem nenhum acidente. Alguns mantiveram contato com o instituto e, como conta Freitas, “são muitos desses ex-alunos da escola que fazem as filmagens submarinas para as novas produções do instituto”. Assim como o Larus não deixou de ser filho da UFSC, os mergulhadores continuaram filhos do Larus e vinculados funcionalmente à universidade.
Por Thiago Santaella/ bolsista de Jornalismo da Agecom