Professora da UFSC destaca importância do diálogo intercultural no campo da museologia

Tecidos africanos exemplificam complexidade do tema
Em sua fala a coordenadora do Núcleo de Estudos de Identidade e Relações Interétnicas (NUER) lembrou que grande parte dos museus no Brasil são filhos do movimento folclorista, que alimentou os binarismos tradicional/moderno, autentico/não autentico, situando em pólos opostos os grupos humanos, suas práticas e suas histórias. Este problema, afirma ela, tem sido levantados por diversos estudiosos, necessitando portanto uma problematização e discussão da história, de modo a rever as bases de suas fundações.
Ilka disse que o tipo de capitalismo globalizado que vivemos hoje tem dissolvido esses modelos analíticos binários, trazendo para o centro da análise a instabilidade, os deslocamentos e os conflitos. “Não só os sujeitos não foram intocados, como muitas vezes atuaram invertendo os significados impostos pelo colonialismo.”, argumentou a professora.
“Há coisas que só existem em relação, em movimento”, ressaltou Ilka, lembrando que esta complexidade está também presente nos trabalhos antropológicos, como os desenvolvidos com as comunidades quilombolas. “Sentimos dificuldade na falta de metodologias que permitam um trabalho além da classificação em fichas”. E complementou: “Não adianta tombar a cultura se o sujeito permanece sem direitos, se não dermos a ele condições de continuar a produção desta cultura tombada”.
Ilka destacou também que com a interculturalidade vozes dissonantes podem emergir e questionar as noções de verdade e de autenticidade. Logo no início de sua apresentação, mostrou instalação do artista Yinka Shonibare, recuperando como ele utilizou em suas obras os tecidos africanos para discutir as relações coloniais e a forma como a África foi objeto de rapina dos paises europeus. A professora resgatou passagem relatada pelo artista londrino, nascido na Nigéria, que recebeu como conselho de um de seus professores em Londres: “Bom, você é africano, não é? Por que é que não faz arte tradicional autenticamente africana?”.
A reação do artista foi mais um exemplo usado por Ilka para falar à platéia sobre a importância da visão intercultural. “Evidentemente, dados os meus antecedentes, fiquei muito chocado com a idéia de que tinha de entender o conceito de uma autenticidade africana pura, de que se esperava isso de mim. Negava o meu compromisso com o modernismo e com a modernização. Por isso decidi explorar a noção de autenticidade e do que ela poderia significar”, contestou Shonibare, que usa os tecidos não como uma expressão ingênua, mas conceitualmente, como um significante cultural complexo que lhe permite questionar idéias de autenticidade e africanidade.
A problematização sobre autenticidade e pureza está também presente nas pesquisas que Ilka desenvolve com foco em tecidos africanos. O artista Shonibare lembra eles são um produto inventado na Holanda, inspirado nos batik indonésios de Java, que os holandeses e ingleses começaram a produzir industrialmente para exportar para África no século XIX. E a professora segue mostrando a complexidade desse produto.
“Estes tecidos são emblemas da imbricação social”, destacou Ilka. “São um suporte para se repensar a organização em categorias”, complementou. Seus estudos mostram que esse material assume significados diferenciados nos países, e que vem sendo transformado e revalorizado por diferentes grupos e em diferentes épocas. “São parte da vida africana muito antes da colonização, e os próprios tecidos holandeses são inspirados em tecidos feitos pelos próprios africanos em teares manuais”, contextualizou a professora.
Citando Nestor Garcia Canclini, Ilka disse que museus deveriam levar em conta essa visão de movimento, como uma possibilidade de captar significados em uma proposta mais dinâmica. “Muitas vezes há uma retórica de salvação que impede de perceber os movimentos contrários, que representam resignificações dos seus usos, dos costumes, da cultura”, ressaltou a antropóloga.
Por Arley Reis / Jornalista da Agecom
Imagem retirada do site http://www.biz.colostate.edu/faculty/tedw/Africa2005