Painel debate o sagrado e o profano nos Museus Religiosos

09/07/2008 17:08

Na programação do 3º Fórum Nacional de Museus além de três grandes conferências foi prevista a apresentação de oito painéis. Nesta quarta, dia 9, um deles tinha como tema “ Museus: Entre o Sagrado e o Profano.” Respeitando a diversidade de credos brasileira participariam do debate: Manoel Papai (Associação de Amigos do Museu da Abolição); Tânia Neumann Kaufman (Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco); Silmara Carvalho (Museu Nacional do Espiritismo) e Mari Marino (Museu de Arte Sacra de São Paulo). Manoel e Mari não puderam comparecer.

O painel foi conduzido por Gelci Coelho, o Peninha, ex-diretor do Museu Universitário da UFSC, que abriu com uma oração contra o bruxedo.

Sinagoga Kahal Zur Israel - Primeira das Américas, Recife/Pe

Sinagoga Kahal Zur Israel - Primeira das Américas, Recife/Pe

A professora Tânia contou o processo de reconstrução e restauração da primeira sinagoga das Américas, aberta à visitação em dezembro de 2001, além de ministrar uma aula sobre judaísmo.

Os judeus portugueses de Amsterdã vieram para Pernambuco junto com os holandeses na busca de um local em que pudessem exercer mais livremente sua fé e não houvesse uma predominância católica. Eram originários da península Ibérica e tinham migrado, no século XVI, para outros países da Europa. Vieram para Pernambuco no rastro da Companhia das Índias Ocidentais.

Fundaram no Recife, por volta de 1637, a primeira sinagoga das Américas. Em 1654, quando os holandeses foram expulsos, seguiram para a América do Norte. No local que hoje é Nova Iorque fundaram, com outros holandeses, a Nova Amsterdã. Nova Iorque tem hoje a segunda população judia do mundo, só perdendo para Israel.

Para se fazer a reconstrução da Sinagoga Kahal Zur Israel (a do Recife), usou-se como modelo arquitetônico e organizacional a sinagoga Shearith Israel, de Nova Iorque, fundada pelos judeus que haviam fugido de Pernambuco. Também serviu de modelo outra sinagoga construída à época, a de Curaçao ( Antilhas Holandesas), para onde fugiu, por volta de 1659, outro grupo de judeus, ao tempo da expulsão dos holandeses.

Como só restaram paredes e marcas de tijolos, houve uma intensa pesquisa arqueológica e histórica para a reconstrução da sinagoga. O projeto foi de grande amplitude e só se tornou viável pelo apoio da Fundação Banco Safra.

A rua, onde se localiza a sinagoga, que atualmente se chama do Bom Jesus, já se chamou Rua dos Judeus, tendo sido também chamada Rua do Bode.

O fator principal para determinar o local exato da sinagoga foi que nas escavações foi encontrado um poço (bor) e um tanque de purificação (micvê) que fazem parte dos rituais ortodoxos judaicos. Foi convocado um conselho rabínico para verificar se as medidas correspondiam às padronizadas e a conclusão foi positiva.

Os portugueses também deixaram um inventário sobre as construções deixadas pelos holandeses e havia a descrição do prédio da sinagoga, divergindo, porém a numeração do prédio que não coincidia com a atual. Mas a superposição de mapas confirmou o local.

A reconstrução da sinagoga teve como finalidade, também, incorporar ao patrimônio de Pernambuco um monumento à outra cultura. No andar térreo se encontram painéis com os principais momentos da chegada dos judeus a Pernambuco, parte da parede original, sem reboco, sendo que o piso original era 70 cm abaixo do atual. Há também uma grande exposição de fragmentos encontrados nas escavações.

Depois que os holandeses foram expulsos os judeus que sobreviveram se tornaram marranos, cristãos novos – judeus convertidos ao cristianismo, e cripto-judeus. Esses últimos apesar de convertidos, mantinham-se, clandestinamente, judeus. Gerando o fenômeno da marranidade que até hoje pode ser observado em atos que as pessoas repetem porque seus ancestrais assim o faziam.

Tânia conta que um de seus alunos, afrodescendente, relatou que seu pai antes de dormir cobria a cabeça com um pano e dizia uma oração numa língua que ele não entendia. Fazia o mesmo ao acordar e o fazia por repetir um rito que seus ascendentes praticavam. Esses costumes foram verificados em muitos atos do cotidiano de várias famílias, mostrando como o sagrado e o profano se misturam.

A pesquisadora explicou que o judaísmo não é só uma religião, mas uma filosofia de vida que vai sendo internalizada, junto com as tradições, desde que se começa a socialização da criança.

A professora falou dos inúmeros desdobramentos que aconteceram a partir da reconstrução da sinagoga. Foram capacitados artesãos, não judeus, através de um curso do SENAI, com a orientação da pesquisadora e que passaram a produzir peças para serem comercializadas na sinagoga-museu.

Também foram realizadas exposições sobre pessoas que se destacaram na preservação da memória judaica em Pernambuco e se traçou uma “Rota judaica em Pernambuco”, que passa pelo Engenho de Branca Dias em Camaragibe e a Casa de Branca Dias, em Olinda. Esta rota ultrapassou os limites das ações do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, integrando currículo de cursos de história e fazendo parte dos roteiros turísticos. Outros pontos relacionados à história judaica também foram resgatados. A Casa de Guarda da Milícia de Soldados Judeus – que pagavam uma taxa para não trabalharem aos sábados e a Ilha Cheira Dinheiro, que Tânia pesquisou achando que o nome “cheirava” a judeu. Descobriu que a ilha pertencera a Andre Gomes de Pina, que a comprou para ficar perto da sinagoga e se dirigir a ela de barco.

As ações educativas se multiplicaram através de minicursos, compartilhando a cultura judaica com outras culturas. Construiu-se, ainda, um banco de dados, imagens e depoimentos da memória judia no local. Para a professora o resultado foi plenamente alcançado porque a população se apropriou da história como se fosse também dela. Exemplificou com o entusiasmo de uma amiga, não judia, que a saudou na volta de uma exposição que tinha acompanhado a Nova Iorque: – “Você, Tânia, mulher, nordestina e judia, contou aos americanos de onde eles vieram”.

Para saber mais acesse: www.arquivojudaicope.org.br

Museu Nacional do Espiritismo

Silmara Carvalho falou sobre o Museu Nacional do Espiritismo, localizado no Paraná. Fundado em 1965 numa história que se confunde com a da Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas. O museu abriga mais de 3.000 produtos mediúnicos como as luvas de parafina e as peças produzidas nas décadas de 1960 e 1970 a partir de experiências em que espíritos materializados produziam moldes de partes de seu corpo. Compõem também o acervo mais de 6.000 pinturas produzidas através da psicopictografia, que não podem ser vendidas e que além da função estética têm uma função social.

Integram, também, o acervo documentos bibliográficos e arquivísticos relativos à história do movimento espírita brasileiro, particularmente do Paraná, e de seus principais médiuns, como psicografias e gravações em meios magnéticos. O Museu é desenvolvido dentro de um projeto político-pedagógico e sua grande limitação é o horário de visitação, por funcionar apenas graças ao trabalho voluntário.

Endereço do Munespi: Rua 29 de junho, nº 504 – Tingüi, Curitiba, Paraná.

Por Alita Diana/jornalista da Agecom

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