Tornar compatível o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente é o grande desafio de O mito do desenvolvimento sustentável – meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias, livro de Gilberto Montibeller-Filho publicado pela Editora da UFSC (EdUFSC) com apoio da Fundação de Estudos Sócio-Econômicos da UFSC (Fepese).
Montibeller-Filho costura teorias, disseca argumentos e constrói idéias e proposições de autores e pesquisadores selecionados das correntes de pensamento da chamada Economia Ambiental, procurando vislumbrar chances para a aplicação ou não do desenvolvimento sustentável em escala global num mundo cada vez mais capitalista.
Enfoca igualmente a politização e o voluntarismo, este, aliás, muito freqüente na busca de soluções ambientais”. -Isso implica, por exemplo, em ações individuais diante de um problema de alcance coletivo. “O comportamento ambientalista individual é uma espécie de resistência passiva”, adverte e é cético em relação ao futuro. “Conclui-se pela impossibilidade de que no mundo capitalista venha a atingir-se o desenvolvimento sustentável, com suas dimensões básicas de eqüidade intrageracional (garantia de qualidade de vida a todos os contemporâneos) “(…).
O mito do desenvolvimento sustentável – Meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias
Gilberto Montibeller-Filho
EdUFSC, 3ª edição revista e ampliada (Apoio: Fepese)
318 págs; R$ 35,00
Segue entrevista com autor:
P – (AN) Como e por que surgiu o livro? Como foi viabilizado (parcerias etc)?
R – O tema e o enfoque contidos no livro derivam de tese de doutoramento defendida pelo autor em 1999 junto ao Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas/Sociedade e Meio Ambiente, CFH/UFSC. A questão socioambiental, além de adequar-se ao programa do doutorado, tem sido preocupação constante do autor, estando presente em trabalho de dissertação anterior intitulado Industrialização e Ecodesenvolvimento (Biblioteca UFSC).
Além disso, durante mais de dez anos o autor coordena o Núcleo de Economia Ambiental e Desenvolvimento Regional-NUDER no Centro Sócio-Econômico da UFSC, que vem realizando, principalmente através de inúmeras monografias e dissertações de alunos, trabalhos importantes de pesquisa na área.
A publicação do livro pela EdUFSC contemplou a intenção do autor em prestigiar, assim como está sendo por ela prestigiado, a editora da Instituição a qual está vinculado – sendo professor há mais de 25 anos, atual chefe do Departamento de Ciências Econômicas e presidente do colegiado do Curso de Economia.
P – (AN) Por que o moto do desenvolvimento sustentável?
R – O desenvolvimento sustentável é hoje o paradigma do movimento ambientalista e por esta razão de per si deve estar no centro de pesquisas científicas. A preocupação das sociedades em geral com as questões ambientais encontra no conceito de DS um referencial normativo hoje adotado nos mais diversos países, independentemente, inclusive, de conotações político-ideológicas, isto é, tanto está presente no Brasil como em Cuba, por exemplo.
Por esta razão, questionar acerca da possibilidade ou não do DS em escala planetária, como se faz no livro é relevante, inclusive por que faz aflorar de novo e plenamente a questão da desigualdade entre os povos e nações.
P – (AN) Poderia conceituar, em poucas palavras, desenvolvimento sustentável, economia ambiental neoclássica, economia ecológica e ecomarxista?
R – Definições: Desenvolvimento Sustentável pode ser conceituado como um padrão normativo ou paradigmático que se fundamenta na busca da melhoria das condições de existência das pessoas com nível de vida precário (equidade sincrônica), independentemente de onde se encontrem (equidade internacional), sem comprometer o meio ambiente inclusive para as próximas gerações (eqüidade diacrônica).
Economia ambiental é o campo de conhecimento que trata de incorporar ao pensamento econômico – e ações e políticas públicas decorrentes – as questões relacionadas ao meio ambiente, quais sejam basicamente, o problema do esgotamento de recursos naturais e a degradação da natureza.
Isto não é novo para a economia, estanto esta preocupação já presente na primeira metado do século XX, em autores como Roland Coase, Prêmio Nobel de Economia à época por sua contribuição ao tema. Porém a preocupação estava mais na academia do que na sociedade como um todo.
Com a força atual do movimento ambientalista colocando, através da criação de leis e regulamentos, restrições ambientais à Economia, assim como abrindo a esta um leque de oportunidades (ecomarketing, fabricação de produtos, processos e equipamentos anti-poluentes, por exemplo), a questão ambiental está efetivamente desafiando o pensamento econômico.
Economia ambiental neoclássica: ramo da economia ambiental que se fundamenta na imputação de valor econômico aos bens e serviços ambientais, que não são valorados normalmente pelo mercado.
Economia Ecológica: ramo da economia ambiental que se baseia essencialmente na consideração dos fluxos físicos de energia e de materiais nos processos produtivos e demais atividades humanas.
Nota: observar que a definição adotada aqui e no livro trata a economia ecológica em seu sentido restrito ao que se poderia denominar “economia ecológica propriamente dita”. A maior parte dos autores e economistas ambientalistas utilizam o conceito de economia ecológica em seu sentido amplo. Lato senso, incorpora a economia ecológica propriamente dita e a economia ambiental neoclássica.
P – (AN) Quais os caminhos possíveis para cidades como Florianópolis se desenvolverem sem comprometerem o meio ambiente?
R – Questão a respeito de Florianópolis.
As ações visando ao desenvolvimento da Capital de SC com o mínimo de degradação do meio ambiente – deve-se admitir que a presença do homem da sociedade atual sempre terá algum impacto sobre a natureza – segundo os parâmetros da economia ecológica poderia se dar, em linhas gerais, da seguinte forma:
– Zoneamento econômico-ecológico priorizando a dimensão ambiental. – Estabelecimento de limite de ocupação em cada geossistema em função da sua capacidade de suporte. Uma política eficiente neste sentido, para evitar o excesso de aglomeração de pessoas e atividades produtivas, pode ser feita através de um plano diretor concebido com enfoque ambientalista, delimitando através de gabaritos e normas de ocupação restrita de terrenos a possibilidade de construção para fins de moradia e econômicos. Observar que a definição de capacidade de suporte de populações humanas vai além da consideração dos aspectos ecológicos, pois deve levar em conta o meio como um todo, e portanto, inclui as demais dimensões relacionadas, tais como a cultura, a tranqüilidade psicológica, a segurança, a liberdade e facilidade de locomoção, a individualidade e a privacidade etc. O ser humano, além do consumo endossomático ou vital, caracteriza-se pelo consumo exossomático, este definido cultural e socialmente e que deve ser levado em conta para as avaliações de capacidade de carga dos geossistemas. E observar, a respeito da Ilha de Santa Catarina em especial a fragilidade de seu ecossistema, conforme apontado pelos geólogos que a estudaram. – Consideração das condições do espaço socioambiental, implicando na observação das condições ambientais além do seu espaço próprio, daqueles aonde Florianópolis se abastece e elimina seus rejeitos. Assim, por exemplo, as condições nas regiões vizinhas de produção agrícola; por outro lado, a Capital não devendo extravasar poluição para municípios vizinhos como através das baías.
– Criação de legislação ecológica de estímulo a mudanças comportamentais de consumo. Por exemplo: reduzir impostos a habitações ecologicamente corretas (que tem sistema de reutilizar a água, de captar água das chuvas; sistema de compostagem de resíduos orgânicos); estimulo a dimininuição de lixo inorgânico, inclusive do reciclável, pois o custo privado e social para reciclar materiais é elevado – pois exige subsídio, utiliza mais energia e materiais no processo de limpeza, descontaminação, separação e reprocessamento industrial, o qual, por sua vez, dissipa energia e gera resíduos.
Na mesma linha de raciocínio, criar legislação de estímulo a um comércio ecologicamente correto. Por exemplo, priorizando a venda de materiais de limpeza menos agressores ao meio ambiente; redução do uso de embalagens plásticas em geral etc.
Apoio a pequenos produtores ecologicamente corretos, tanto no processo produtivo como em relação ao seu produto.
Uma política pública decorrente de participação democrática dando especial atenção aos representantes do movimento ambientalista – organizações, agências governamentais, cientistas, empresas ecologicamente corretas, grupos de consumidores “verdes” – na elaboração dos planos de ocupação populacional da Ilha e seu entorno, seria a forma mais importante de assegurar uma visão de administração pública segundo os interesses de preservação.
Nota: As ações a nível local normalmente não conseguem abranger dimensões do desenvolvimento sustentável cuja determinação dependem de políticas socioeconômicas definidas em outros níveis – governo estadual e políticas públicas federais.
P – (AN) O Brasil está em 20º lugar no ranking verde realizado entre 142 países. O índice de Sustentabilidade Ambiental foi elaborado pelas universidades de Yale e Columbia (EUA) e o resultado anunciado durante o Fórum Econômico Mundial. A classificação não é ruim. Dê a sua opinião? Qual o significado da pesquisa? Estamos melhorando? (Enquanto isso, no Fórum Mundial Social as críticas ao Brasil em relação ao tratamento dado ao meio ambiente tem sido severas e generalizadas….)
R – Ranking verde e Fórum Social: Não conheço detalhes a respeito da metodologia de avaliação do ranking verde, nem detalhes quanto a posições no forum. Contudo, é possível alguma ilação quanto a conceitos que normalmente norteiam um e outro.
Geralmente, em estudos como o ranking ambiental a posição é bastante ecocêntrica no sentido de que são levados em conta exclusivamente aspectos relacionados ao ambiente físico. Neste ponto, um país como o Brasil, com concentração populacional nas regiões mais próximas do litoral e imensos espaços interiores pouco ocupados, além de industrialização pouco expressiva se comparado com países ricos, pode apresentar na média situação relativamente favorável. Se por exemplo, o critério ponderasse fortemente a emissão per capita de dióxido de carbono, um indicador ambienal importante, a condição brasileira seria extremamente favorável em relação inclusive aos Estados Unidos.
Por seu lado, posições como as do Fórum Social normalmente priorizam os aspectos diretamente humanitários tendo uma visão antropocêntrica, levam em conta processos históricos, e raciocinam a partir da conceituação mais abrangente de Desenvolvimento Sustentável. Assim, o meio ambiente é o ambiente físico mais o homem que nele habita e suas condições de vida. Então, sob este prisma, a visão deve mesmo ser bastante crítica e preocupante já que a condição brasileira, que a partir da precariedade dada tem que ser pensada em perspectiva de melhora, não aponta nesta direção e sob muitos aspectos, pelo contrário, apresenta retrocesso.(Vide a saída da ministra Marina Silva).
P – (AN) O livro pode auxiliar a mudar esta realidade? Quais seriam os seus leitores em potencial?
R – Contribuição do Livro: O livro poderá contribuir na ampliação e aprofundamento do conhecimento sobre a temática ambiental, contribuindo também nas reflexões e ações dos atores organizados em diferentes campos, sejam públicos ou privados, tenham eles caráter de movimentos sociais.
P – (AN) Então, qual é a síntese geral da sua obra?
R – No livro procurou-se compreender o alcance das ações ambientalistas guiadas pelo paradigma do Desenvolvimento Sustentável, que implica compromisso social em visão sincrônica e internacional, além da equidade intergeracional que remete ao compromisso de preservar o meio ambiente também para as próximas gerações.
Para verificar o possível alcance dessas ações que visam à sustentabilidade, pesquisou-se especificamente a relação entre a economia e a natureza, uma vez que as atividades humanas – produzir bens de consumo e descartar rejeitos da produção e do consumo – são as de maior impacto sobre o meio ambiente.
A pesquisa nas três correntes da economia ambiental revela a impossibilidade do desenvolvimento sustentável em escala global, tendo em vista as desigualdades da mais variada ordem produzida pelo sistema, no que se inclui o transbordamento da problemática ambiental de uma região ou país para manter-se ecologicamente preservado sobre outro (s).
Todavia, esta conclusão não é, em absoluto, um convite ao imobilismo político dos atores sociais, pela impossibilidade revelada.
Pelo contrário, a análise expõe as contradições do sistema e as razões pela quais as eqüidades sociais (sincrônica e diacrônica na ótica internacional) não são alcançáveis em forma absoluta. Ao fazer isto, aponta para formas de atuação política mais eficientes no plano local e global.
Contato com Gilberto Montibeller Filho pelo fone 3215-1210.