Leituras e impressões de Raquel Wandelli
Leitora contumaz e com textos já publicados em antologias de contos, crônicas e poesias, a jornalista e professora universitária Raquel Wandelli é a convidada desta quinta-feira, 8, no Círculo de Leitura, iniciativa da Editora da UFSC que congrega escritores, artistas, professores, pesquisadores, estudantes e demais pessoas dispostas a alimentar e difundir a paixão pela leitura. Conversa informal sobre livros que o convidado e os presentes estejam lendo no momento, o Círculo é realizado sempre na primeira quinta-feira de cada mês, às 17h, no Espaço Cultural Cruz e Sousa da EdUFSC, localizado próximo ao Centro de Cultura e Eventos da Universidade.
Raquel Wandelli foi alfabetizada em casa, aos quatro anos, e aos cinco já estava na escola – estranhou de cara o tamanho do quadro negro e o fato de as pernas não encostarem no chão. Habituou-se desde cedo a ouvir os discursos do pai, juiz de direito, e com a mãe professora familiarizou-se com os livros, que sempre foram fartos e bem tratados na família. No primeiro ano de escola, ganhou um concurso de leitura, feito que repetiu até a quarta série primária.
Mais tarde, teve contato com a coleção Tesouros da Juventude, leu a obra completa de Monteiro Lobato e “viajou” com Tom Sawyer, Moby Dick e Robinson Crusoé. Na adolescência, apaixonou-se por Herman Hesse (“Demian”, “Sidartha”), pelo romantismo e realismo brasileiros, por Álvares de Azevedo, Machado de Assis e Erico Veríssimo. Depois, descobriu Clarice Lispector, Mário Quintana, Drummond e Cervantes.
Fez jornalismo, trabalhou durante 10 anos em veículos da imprensa catarinense e venceu o concurso de monografias “Borges y sus contemporaneos”, promovido pela Associação de Professores de Espanhol de Santa Catarina. Fez especialização em Estudos Culturais, mestrado em Teoria Literária (analisando o “Dicionário Kazar” do escritor iugoslavo Milorad Pávitch) e hoje cursa doutorado em Literatura na UFSC, estudando o fazer poético na pós-modernidade e a busca de um novo discurso amoroso através do meio virtual.
BREVE ENTREVISTA
Você sempre leu muito, por hábito e por opção. Como a leitura entrou na sua vida?
Raquel Wandelli – Como filha de juiz, morei em várias cidades do Estado – Capinzal, Sombrio, Xanxerê, Tubarão, Jaraguá do Sul. Sem tempo para consolidar amizades, me refugiei na leitura, arma que usei também para fugir da solidão que aumentou na adolescência. Era uma forma de conversar comigo mesma, alimentar a fantasia e compreender o mundo. A leitura é importante porque responde a perguntas e necessidades interiores e nos ajuda a entender muitas contingências da vida.
Quais são os seus autores preferidos e o que está lendo no momento?
Raquel – Gosto, leio e releio Rubem Fonseca, José Saramago, Ítalo Calvino, Mário Quintana, Borges, Kafka, Machado, Drummond, Sartre, Umberto Eco, Walter Benjamin.
Em “Leituras do Hipertexto – Viagem ao Dicionário Kazar”, que foi tema de sua dissertação de mestrado, você analisou o caráter hipertextual de um romance do escritor Milorad Pávitch. Como este livro abriu portas para outros, de idêntica concepção?
Raquel – O livro de Pávitch é um corpo com muitas entradas e saídas, no sentido de que o ser humano, sendo um livro, também não pode determinar seu princípio ou o seu fim. Vejo a leitura como algo aberto, que ajude a produzir sentido, e depois do “Dicionário Kazar” tenho sido menos tolerante com as obras que se entregam muito facilmente ou que deixam pouca margem para a participação do leitor. O valor não está na obra, mas no que se pode tirar dela. A partir de Pávitch, descobri Osman Lins, autor brasileiro de uma obra vasta e inventiva, mas pouco lida e divulgada. Em “Avalovara”, seu romance mais hipertextual, ele cria uma intrincada trama entre texto e mundo, intercalando oito temas narrativos que atravessam tempos e espaços distintos, na busca de um livro total, uma cosmogonia.
Você também tem ambições literárias. O que está escrevendo agora e o que pretende publicar (contos, poesia etc.) quando chegar o momento certo?
Raquel – A poesia é hoje o que mais me mobiliza. Na correria exigida pelo doutorado, encontro na disciplina a possibilidade de escrever e também de buscar o prazer da criação longe das obrigações acadêmicas. Tenho uma editora me cobrando os originais, mas ainda estou preparando o material.
Como professora de Jornalismo, como vê o nível de leitura e informação dos alunos que estão chegando à universidade?
Raquel – Vejo um abismo entre a cultura impressa e a da internet, que é utilizada pelos jovens de hoje. Como professores, tendemos a dar valor exagerado às leituras tidas como fundamentais, e por isso fazemos chantagens com os alunos, o que os leva ao pânico e à crença de que são incapazes diante do desconhecido. Acredito que cultura não se adquire, se constrói, por isso não temos autoridade para afirmar que a cultura escrita é a que vale. Devemos considerar o rap e os jogos interativos, a linguagem interconectiva e fragmentada dos jovens, como parte de seu mundo. Precisamos nos atualizar e descer do castelo onde estamos. Pedagogia é afeto e não tem a ver com o terrorismo que usamos em sala de aula.
A CONVIDADA
Raquel Wandelli é jornalista profissional (atua na assessoria de imprensa do INSS/SC) e leciona no curso de Jornalismo da Unisul, em Palhoça, onde também coordena o jornal-laboratório Fato&Versão. Integra o Núcleo de Pesquisas em Informática e Lingüística e Literatura (Nupill), na UFSC. Tem artigos publicados em revistas acadêmicas e científicas e é co-autora de obras na área de Comunicação. Também produziu o livro “50 Anos de Propaganda em Santa Catarina”. Na especialização, escreveu a monografia “Literatura dos Excluídos – Consagração e Exclusão na Literatura”. Do mestrado surgiu o livro “Leituras do Hipertexto – Viagem ao Dicionário Kazar”, que foi publicado numa parceria entre a Editora da UFSC e a Editora da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Ioesp).
Contatos com Raquel Wandelli podem ser feitos pelo telefone (48) 9911-0524 e pelo e-mail raquelwandelli@gmail.com
Por Paulo Clóvis Schmitz / Jornalista da Agecom