Uma nova edição para “Homens e Algas”

04/03/2008 10:27

Homem de berço, erudito e bem relacionado, Othon d’Eça teve influência marcante sobre uma geração de escritores em Santa Catarina. Foi por seu empenho, e de mais alguns autores da segunda década do século XX, que se criou, em 1920, a Sociedade Catarinense de Letras, atual Academia Catarinense de Letras. Foi juiz de direito, viajou pelo Estado acompanhando o governador Adolpho Konder (roteiro que originou o livro …Aos Espanhóis Confinantes), chegou ao posto de secretário de Estado dos Negócios da Segurança Pública e deu aulas na Faculdade de Direito de Santa Catarina.

Foi como escritor, contudo, que seu nome passou para a posteridade. E seu livro mais importante, Homens e Algas, chega agora à quinta edição, por iniciativa da Editora da UFSC. O que chama a intenção na obra, além do formalismo da linguagem, é a extrema sensibilidade com que um homem de formação refinada aborda a vida de privações dos pescadores de Florianópolis, em especial dos que moravam nas vilas do Continente, até então pouco habitadas. O livro é de 1957, mas começou a ser escrito bem antes, em 1938, época em que o autor costumava descansar em sua casa de férias, na praia de Coqueiros.

Nesses períodos de folga, Othon d’Eça criou o hábito de conversar com os moradores da redondeza, e nessa lida descobriu o cotidiano nada romântico e glamuroso dos pescadores, então desprovidos de barcos a motor, salário fixo e qualquer tipo de assistência pública. O sustento vinha da pesca diária, e eram comuns a fome, a doença e, com grande recorrência, a morte no mar. Os relatos de Homens e Algas são pungentes, porque repletos de cenas de desespero, de famílias ceifadas por temporais, de homens que morriam na labuta e tinham seus corpos despejados em alguma praia, parcialmente carcomidos, dias depois de sumirem na tormenta, a bordo de canoas a vela sem qualquer segurança.

O estilo é rebuscado, pródigo em adjetivos, como ainda convinha a muitos escritores catarinenses da primeira metade do século passado, presos à formalidade da literatura dos períodos anteriores. Rebuscar parecia dar provas de sabedoria, de erudição, de dominar um vocabulário extenso. Mas o que fica da leitura de Homens e Algas é a grande solidariedade do autor com homens que passavam a vida na miséria, minados pela privação e pela doença, até morrerem no mais absoluto anonimato. E esse destino não perdoava nem jovens e crianças, habituados a ir buscar bem cedo o sustento no mar, à mercê do vento sul e das trovoadas, sem chances de sobreviver diante da grandiosidade das ondas e das borrascas.

“Não fiz ficção”, disse Othon d’Eça em depoimento ao jornal Roteiro, de Florianópolis, em 1958, e reproduzido nesta edição da UdUFSC. “Não inventei enredos, não criei personagens, não colori com tintas falsas os meus tipos e as minhas paisagens”. Anos depois, ainda inóspito, Coqueiros passou a ser o balneário preferido das famílias da Ilha, com seu “luxo catita”, na expressão do autor. Ali, escreveu ele, “hordas elegantes” expulsaram, “com vagar, método e bangalôs, das suas velhas moradas, os velhos nativos”.

Na memória do escritor, ficaram para sempre as imagens de figuras desmazeladas e sem perspectivas, testemunhas de um tempo difícil, com parte das quais privou de uma amizade sincera e sem afetações. Por isso, talvez, o livro tenha contemplado o leitor cm alguns textos menos dramáticos, impressões de praias da Ilha ou do litoral catarinense, descritas com poesia e adjetivos de deslumbramento. O caldo dessa mistura poderia ser o que o escritor Flávio José Cardozo chama, numa das orelhas desta edição, de “um livro riquíssimo em formas e cores, vozes e sentimentos”.

Homens e Algas

Othon d’Eça

EdUFSC – Série Geral

5ª edição – 176 p. – R$ 22.00

Mais informações com o diretor da Editora da UFSC, Alcides Buss, pelo fone (48) 9972-3045 e pelo e-mail alcides@editora.ufsc.br.