Nova visão sobre a “guerra santa” do Contestado
Quando se trata do conflito do Contestado, é sempre bem-vinda a publicação de estudos, teses e novas pesquisas que tragam informações, análises e diferentes interpretações sobre um episódio histórico ainda cercado de dúvidas e pouco conhecido pelo grande público. Movimento social de cunho messiânico-milenarista que se desenvolveu em uma zona de litígio entre os estados do Paraná e Santa Catarina durante os anos de 1912 a 1916, o Contestado nunca mereceu, por exemplo, o destaque que contemplou Canudos, confronto que se deu no nordeste brasileiro, embora possa ter, na visão de alguns especialistas, igual importância social e histórica que este.
Agora, a Editora da Universidade Federal de Santa Catarina publica “A Guerra Santa Revisitada – Novos Estudos sobre o Movimento do Contestado”, volume organizado por Márcia Janete Espig e Paulo Pinheiro Machado e que reúne trabalhos recentes de professores universitários sobre o tema. A cultura sertaneja, o problema da terra, a atuação das forças militares, a memória dos remanescentes do conflito e aquela construída por autoridades após o fim dos combates – tudo isso está no livro. O lançamento da obra será no dia 27 de março, quinta-feira, às 18h30, na livraria Livros & Livros (rua Jerônimo Coelho, 215, Centro), em Florianópolis.
Alguns dos estudos presentes na publicação utilizam fontes primárias, algumas delas recentemente colocadas à disposição do público, como acervos militares, judiciários e iconográficos. O movimento sertanejo é visto sob vários aspectos temáticos, permitindo ao leitor entender com maior abrangência as experiências sociais, a vida material, as identidades étnicas, as práticas culturais e a luta dos habitantes do Contestado. Importante também é a possibilidade de aproximação com os debates sobre os projetos de nação e de civilização vigentes no início da República no Brasil.
Os capítulos de “A Guerra Santa Revisitada” se detêm ainda em questões como a religiosidade, o profetismo popular e a visão da imprensa acerca do conflito, fechando com uma análise da relação entre o pintor Hiedy de Assis Corrêa, o Hassis, e o tema e com imagens feitas por Claro Gustavo Jansson, fotógrafo sueco radicado no Brasil, sobre aspectos do conflito, especialmente nas cidades de Porto União, Canoinhas e Três Barras.
Para o leitor, esta é uma boa oportunidade para compreender por que tantas classificações – guerra sertaneja, fanatismo, guerra santa, loucura coletiva, movimento social, luta pela terra – foram atribuídas ao conflito do Contestado por autores de distintas procedências teórico-metodológicas. É também a chance de conhecer “uma mostra qualitativa da produção mais recente nessa área de estudos, sobre a qual a atenção acadêmica tem sido redobrada nos últimos anos”, segundo os organizadores.
Uma das fontes que inspiraram a obra – e até o seu nome – é a tese La “Guerre Sainte” au Brésil: Lê Mouvement Messianique du “Contestado”, escrita em 1957 por Maria Isaura Pereira de Queiroz, que deu início a uma série de estudos que ampliaram o corpus documental sobre o movimento. Outra grande contribuição foi a de Maurício Vinhas de Queiroz, autor do clássico “Messianismo e Conflito Social (A Guerra Sertaneja do Contestado – 1912-1916)”, baseada em entrevistas com remanescentes do conflito, rompendo com a visão crítica e até pejorativa das fontes militares sobre os participantes do movimento.
O papel dos imigrantes
Chama a atenção, no livro, o ensaio do escritor e historiador catarinense Fernando Tokarski sobre os aspectos étnicos relacionados ao Contestado – tema que literatos e pesquisadores nunca analisaram com profundidade, preferindo designar a todos os envolvidos como “caboclos”. Após entrevistar descendentes de atores do conflito, Tokarski conclui que muitos imigrantes poloneses – que ocuparam amplas áreas do Paraná e o norte de Santa Catarina a partir do final do século XIX – foram “personagens, algozes e vítimas” de uma guerra que enfrentaram contra a vontade, por uma contingência histórica.
Para boa parte deles, foi melhor apagar da memória familiar “a participação e as histórias que seus ancestrais construíram há quase 90 anos numa terra que lhes prometeu fartura de leite e mel, mas lhes ofereceu agruras, miséria e mil embaraços”. Não por acaso, após a Guerra do Contestado, muitos moradores da região atingida migraram para outras áreas, descendo a Serra do Mar e se fixando em municípios do Alto Vale do Itajaí como Rio do Campo, Taió, Pouso Redondo, Rio do Sul, Santa Terezinha e Mirim Doce.
Organizadores e autores
Paulo Pinheiro Machado, um dos organizadores, é graduado em História pela UFRGS, mestre e doutor em História pela Unicamp e desde 1987 professor da UFSC, onde leciona nos cursos de graduação e pós-graduação em História. Márcia Janete Espig fez graduação, mestrado e doutorado em História na UFRGS e atualmente leciona na Universidade de Caxias do Sul e na Universidade Luterana do Brasil, em Canoas.
Os demais co-autores de “A Guerra Santa Revisitada – Novos Estudos sobre o Movimento do Contestado” são Rogério Rosa Rodrigues, Tarcísio Motta de Carvalho, Ivone Cecília D’Ávila Gallo, Telmo Marcon, Roberto Iunskovski, Liz Andréa Dalfré, Fernando Tokarski, Fernando C. Boppré e Dorothy Jansson Moretti.
“A Guerra Santa Revisitada
– Novos Estudos sobre o Movimento do Contestado”
Márcia Janete Espig e Paulo Pinheiro Machado (org.)
331 p. – R$ 38,00
Contatos com os autores: Paulo Pinheiro Machado – (48) 3721-9249/9673, 3334-2937 e pmachado@mbox1.ufsc.br; Márcia Janete Espig: (51) 3477-4000, 3330-8791 e marcia.espig@terra.com.br
Paulo Clóvis Schmitz/Jornalista da Agecom