Especial Pesquisa: Projeto da UFSC reduz pela metade uso de água potável em casa de Ratones

04/03/2008 09:48

Sistema de aproveitamento de água de chuva

Sistema de aproveitamento de água de chuva

O aproveitamento da chuva, da água do chuveiro, do tanque, da máquina de lavar e da pia do banheiro possibilitou uma redução de 50% do consumo da água de abastecimento em uma casa de Ratones. O projeto experimental implantado pela UFSC fez o consumo passar de 10,54 metros cúbicos para 4,43 – uma economia de 57,7% na conta da água. Os sistemas de captação, de separação e de tratamento, implantados e monitorados, comprovam o potencial do saneamento descentralizado.

A pesquisa é desenvolvida desde 2004 por integrantes do Grupo de Estudos em Saneamento Descentralizado (Gesad), ligado ao Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC. A equipe é uma das representantes da UFSC junto ao Programa de Pesquisa em Saneamento Básico (Prosab), financiado com recursos da Finep e CNPq (órgãos do Ministério da Ciência e Tecnologia), e pela Caixa Econômica Federal.

“Estamos explicitando a grande vantagem da separação dos efluentes e do reaproveitamento da água”, ressalta o professor Luiz Sérgio Philippi, coordenador do projeto em Ratones. Ele lembra que um dos paradigmas atuais do saneamento é evitar o consumo da água da rede de abastecimento em usos menos nobres, como o vaso sanitário. Sua equipe trabalha com o desenvolvimento e a avaliação de fontes alternativas de água para fins não potáveis, estudando práticas de saneamento com separação e tratamento do esgoto doméstico na origem, ou seja, nas residências. O saneamento descentralizado também é pensado como uma possibilidade de evitar a contaminação do ambiente pelo esgoto doméstico e reduzir a pressão sobre os sistemas de drenagem das cidades.

Para trabalhar com estes desafios, a pesquisa em Ratones foi dividida em dois subprojetos. Um deles avalia o aproveitamento da água da chuva e estuda o reaproveitamento das chamadas águas cinzas – da pia do banheiro, chuveiro, tanque e máquina de lavar roupas. Outro estuda o tratamento e a disposição final das águas residuárias não reutilizadas, as provenientes da pia da cozinha e do vaso sanitário, chamadas de águas negras.

Separação

Uma etapa fundamental do saneamento descentralizado é a separação dos diferentes tipos de esgotos domésticos na fonte. Na casa de Ratones o esgoto do vaso sanitário e da pia de cozinha (mais difícil de ser tratado), foi separado do efluente gerado no chuveiro, na pia do banheiro, no tanque e na máquina de lavar. Além de serem separadas, as águas cinzas foram quantificadas (hidrômetros foram instalados em cada equipamento para esta medição) e qualificadas (foram analisadas suas características físico-químicas e microbiológicas). Esse processo ajuda a equipe a avaliar se a quantidade justifica o tratamento, e se pode ajudar a suprir as necessidades (demanda por água) dos moradores.

As águas cinzas também são tratadas separadamente e a pesquisa vem permitindo a experimentação e a documentação do desempenho de diferentes procedimentos. Atualmente está sendo testado um sistema formado por filtro anaeróbio preenchido por brita e um filtro aeróbio preenchido com areia. Depois de passar por esse processo, e de receber cloro, a água é usada na descarga do vaso sanitário e para regar o jardim.

De acordo com o grupo, uma análise de custo x benefício, que permitirá uma melhor avaliação sobre o preço de instalação dos sistemas, será realizada até o final do projeto. No entanto a equipe já ressalta em seus relatórios depoimentos positivos dos moradores, com relatos comprovando que a água tratada no local não apresentou mau cheiro nos meses de pesquisa e que a cor também não desagradou. Além disso, o registro do número de descargas dadas no vaso sanitário pelos moradores durante um dia (uma média diária de 7,7 acionamentos, consumo de 46,2 litros/dia) e o acompanhamento da geração das águas cinzas, comprovaram que o atendimento da demanda é possível.

Águas azuis

O sistema de coleta, tratamento e reserva de água de chuva foi instalado nos meses de dezembro de 2006 e janeiro de 2007. Está operando desde fevereiro de 2007. Depois de tratada, a água de chuva é utilizada pela família no tanque e na máquina de lavar roupas. A captação é feita por meio de calhas coletoras no telhado. Estas calhas direcionam a água para tratamento e armazenamento. O sistema de tratamento é composto por uma unidade de descarte da primeira água da chuva, considerada de lavagem do telhado; uma unidade de peneiramento, composta por quatro telas, e um reservatório.

O reservatório foi instalado na forma de cisterna, no nível do solo, com o objetivo de economizar gastos com instalações, energia elétrica, operação e manutenção de bombas. Para suprir a demanda de pressão, e para conduzir a água até os pontos de uso, principalmente da máquina de lavar roupas, foi testado no período de abril a setembro de 2007 um pressurizador de água convencional, utilizado comumente em chuveiros. Em outubro passado foi instalado outro equipamento com capacidade pressurizadora maior e acionamento automático, com o objetivo de facilitar a operação e aumentar a velocidade de enchimento da máquina de lavar e pressão de água no tanque.

Para desinfecção dessa água, dois sistemas foram propostos – um deles por cloração e outro radiação ultravioleta. A água desinfectada passou por análises para verificação de sua qualidade e a maioria dos resultados está dentro dos padrões exigidos. No caso estudado, para uma cisterna de 2000 litros e consumo médio de água de 134litros/dia, o período ideal para reposição de pastilhas de cloro de 18 gramas foi de 25 dias (as pastilhas eram repostas se a cisterna estivesse com, no mínimo, 20% de sua capacidade). “Considerando que o preço médio de uma pastilha de 15 gramas de Ácido Tricloro Isocianúrico é de aproximadamente R$ 0,70, o gasto mensal com pastilhas de cloro fica em torno de R$ 0,85”, destaca o último relatório da pesquisa, apresentado no início desse ano em São Paulo, em uma reunião das redes Prosab. Agora a equipe está acompanhando o processo de desinfecção por ultravioleta.

Apesar do preço praticamente irrisório de tratamento com cloro, a implantação de sistemas de captação da água da chuva ainda é cara para o usuário comum. “Em uma casa de 200 a 300 mil, um sistema pode ser obtido por R$ 10 mil.”, exemplifica o professor. As pesquisas da UFSC buscam comprovar a viabilidade desse reaproveitamento e chegar a parâmetros para implantação de sistemas eficientes e mais acessíveis. A pesquisa em Ratones pode mostrar que o investimento, mesmo em casas populares, vale a pena quando se leva em conta a economia de muitos metros cúbicos da água da rede de abastecimento.

Mais informações no site www.gesad.ufsc.br ou no telefone 3721 7696

Por Arley Reis / Agecom

Saiba Mais

Outros projetos do Grupo de Estudos em Saneamento Descentralizado:

Guia de tratamento de esgotos para prefeituras

Pesquisa financiada pela Fundação Nacional da Saúde (Funasa) estuda quatro diferentes combinações de sistemas de tratamento de esgotos domésticos e visa à elaboração de um guia que ajude pequenas prefeituras e vigilâncias sanitárias na promoção de melhorias na qualidade de vida da população em periferias, áreas rurais e assentamentos. A vantagem da utilização e estudo de unidades combinadas é que a qualidade do esgoto tratado é maior do que nas unidades isoladas. Este projeto de pesquisa chama-se “Arranjos tecnológicos para o tratamento de esgotos sanitários de forma descentralizada”. Todos os experimentos já foram finalizados e o relatório final entregue à Funasa. O grupo está finalizado o guia para pequenas prefeituras.

Filtros com plantas

O grupo também estuda para o tratamento de esgoto doméstico filtros com macrófitas, plantas que crescem na água. Estes filtros são também conhecidos como Wetlands ou Zona de raízes. Os princípios básicos dessa tecnologia são a filtração do esgoto e a formação de biofilme. Biofilme é uma comunidade de microorganismos que adere às raízes das plantas do sistema e que atua na purificação do esgoto retido no filtro.

Biofiltros com cascas de ostras

Outro projeto também estuda o arranjo Tanque Séptico seguido de Biofiltros Aerados Submersos para o tratamento descentralizado de esgotos. Neste são utilizadas cascas de ostras como material de preenchimento dos Biofiltros, tendo em vista que as cascas vêm se tornando um problema ambiental, pela quantidade que vira resíduo. As cascas de ostras também favorecem o surgimento de comunidades de microorganismos que otimizam o tratamento do esgoto.